Cientistas identificaram o material mais antigo já encontrado na Terra dentro de uma pedra espacial que caiu na Austrália mais de meio século atrás.
O meteorito é cheio de pequenos grãos de poeira estelar que antecedem o nascimento do Sol e do nosso sistema solar em mais de dois bilhões de anos, segundo um estudo publicado na segunda-feira no Proceedings of the National Academy of Sciences.
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Os grãos “pré-solares” foram datados com ajuda da sonda Voyager 1 da NASA, que coletou os novos dados necessários quando cruzou para o espaço interestelar em 2012. A poeira estelar é uma cápsula do tempo sem precedentes de uma era da nossa galáxia antes que o sistema solar se unisse.
“É algo com que não consigo me acostumar, porque é muito fascinante”, disse o autor líder Phillip Heck, curador do Museu Field e professor-associado da Universidade de Chicago, por telefone. “Só de ter a pedra no laboratório e extrair minerais para aprender algo sobre a história da galáxia – acho maravilhoso que a natureza nos forneceu uma amostra disso.”
Os grãos medem alguns mícrons de diâmetro (para referência, um fio de cabelo humano tem cerca de 100 mícrons de largura). Eles chegaram na Terra com o meteorito Murchison, uma grande pedra extraterrestre que caiu em pedaços perto da cidade australiana de Murchison em 1969. O impacto se tornou uma grande parte da identidade da cidade, mas os locais ainda doaram a maior parte do meteorito de quase 100 quilos para o Museu Field em Chicago.
“As pessoas de Murchison, uma comunidade rural, coletaram o meteorito e sabiam que tinham encontrado algo importante para a ciência, e o disponibilizaram para os pesquisadores”, disse Heck. “Sem isso, não teríamos esse estudo e muitos outros.”
Os grãos de poeira estelar dentro do meteorito foram formados por estrelas moribundas bilhões de anos atrás. No final de suas vidas, estrelas começam a explodir alguns de seus elementos mais pesados para o ambiente que as cerca, onde o material esfria em grãos de poeira.
“Quando os grãos de poeira se formam, eles são empurrados pela pressão da radiação da estrela para o meio interestelar e viajam pela galáxia”, explicou Heck. “O sistema solar em formação de 4,6 bilhões de anos atrás incorporou essa poeira em objetos que estavam se formando na época, como a Terra, o Sol, asteroides, cometas – tudo que formou o sistema solar continha esses grãos pré-solares.”
A Terra primordial era repleta desses grãos, mas processos geológicos como aquecimento interno, placas tectônicas e vulcanismo os obliteraram. Mas os grãos sobreviveram dentro de cerca de 5% dos asteroides e cometas no nosso sistema solar. Vários meteoritos já trouxeram grãos pré-solares para o nosso planeta, mas a pedra de Murchison é a única que preservou grãos grandes o suficiente para fornecer uma estimativa de idade.
Cerca de 30 anos atrás, cientistas da Universidade de Chicago extraíram esses grãos de poeira estelar transformando uma amostra do meteorito Murchison em pó, e usando agentes químicos para reduzi-los a partículas de carbeto de silício.
“Conhecemos outros tipos de grãos pré-solares, mas carbeto de silício é o mais robusto e retentivo”, disse Heck. “Ele é quase tão duro quanto diamante. O cristal é muito firme, basicamente.”
Os cientistas já sabiam que os grãos eram de antes do sistema solar, mas o novo estudo forneceu uma estimativa de idade muito mais precisa, e levou a linha do tempo da formação dos grãos para muito antes. Heck e seus colegas conseguiram essa façanha em parte graças a sonda Voyager 1 da NASA.
“Agora temos dados da espaçonave que deixou o sistema solar e mediu os raios cósmicos do exterior”, disse Heck. “Esses raios se tornaram a chave para nossos métodos de datação.”
Quando esses grãos estavam flutuando através do meio interestelar bilhões de anos atrás, eles eram constantemente expostos a raios cósmicos, que são partículas de alta energia que permeiam a galáxia. Quando os raios se chocavam com os grãos, eles desencadeavam a criação de isótopos de néon dentro da poeira estelar.
Esse processo permitiu que os cientistas datassem os grãos, já que amostras mais antigas mostram exposição mais longa a raios cósmicos e, portanto, níveis maiores de isótopos de néon. Heck e seus colegas usaram um espectrômetro de massa para medir os isótopos de néon nos grãos para descobrir sua idade.
“Pudemos usar os dados de raios cósmicos medidos pela Voyager para determinar que a que tipos de raios cósmicos, e quantos raios cósmicos de cada energia, os grãos foram expostos para mais de 4,6 bilhões de anos atrás”, explicou Heck. “Não tínhamos esses dados 10 anos atrás.”
Não só os pesquisadores descobriram que alguns dos grãos datam de cerca de sete bilhões de anos, os tornando de longe o material mais antigo disponível no nosso planeta, mas também descobriram que cerca de dois terços dos grãos datam de cerca de 4,6 a 4,9 bilhões de anos atrás.
Isso pode indicar um “baby boom de formação de estrelas”, disse Heck. A Via Láctea pode ter produzido uma safra abundante de estrelas que queimaram e morreram durante um período de cerca de 300 milhões de anos, logo antes do sistema solar se formar.
A vida e morte dessas estrelas do passado agora estão escritas nos grãos presos no meteorito Murchison, que por acaso acabou na Terra. Os resultados corroboram teorias de que a Via Láctea pode ter um ciclo de nascimento e morte de estrelas, em vez de uma taxa constante de formação.
Por mais incrível que tudo isso pareça, Heck e seus colegas esperam que muitas outras descobertas emerjam desses grãos pré-solares no futuro. A equipe planeja continuar extraindo e datando a poeira estelar, e agora vai poder incorporar dados de raios cósmicos obtidos pela Voyager 2, que seguiu sua irmã gêmea no espaço interestelar em 2018.
“Esse é um projeto para uma carreira inteira, mas também estou treinando meus estudantes, então acredito que vamos encontrar mais idades nos próximos anos e décadas”, disse Heck.
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