O problema das fake news está longe de ser solucionado no Brasil

Nas últimas semanas, com a proximidade das eleições, o cerco contra as notícias falsas parece ter começado a se fechar no Brasil. Enquanto o Twitter deletou mais de 70 milhões de contas falsas em maio e junho, o Facebook anunciou medidas para conter as operações de desinformação e excluiu 196 páginas apontadas como falsas — muitas delas usadas como rede de comunicação do Movimento Brasil Livre.

O problema, porém, está longe de ser solucionado. Como você deve ter visto por aí, as notícias falsas continuam a se proliferar e a pautar muitas conversas de bar. Num dos casos mais icônicos, uma manchete de que Pabllo Vittar seria o vice de Lula se espalhou por WhatsApp e teve que ser desmentida. Noutro, um homem que é acusado de matar a esposa ganhou, no Photoshop, uma camiseta de apoio a Bolsonaro. Duas amostras do jogo sujo que virá por aí.

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O que agrava a situação é que uma intervenção da Justiça, se mal feita, pode gerar problemas ainda maiores no emaranhado de desinformação nacional. Hoje tramitam no Congresso mais de 20 projetos de lei sobre o tema e nenhum deles apresenta solução efetiva. “Talvez seja muito difícil atacar o problema de uma forma efetiva com regras jurídicas”, comentou Francisco Cruz, um dos diretores do InternetLab.

Ele explica que a criação de uma nova lei envolve mecanismos para que seu cumprimento seja assegurado. Na prática, essa função seria delegada ao poder Judiciário ou às próprias redes sociais. Essa segunda via foi adotada pela Alemanha com a polêmica lei que regula a disseminação de discurso de ódio na internet. “Existe um receio muito grande, e que ainda não foi colocado à prova, que esse tipo de regra faz com que conteúdos legítimos sejam deletados”, comenta.

Cruz argumenta que, no caso da rede social, por não contar com estrutura e processos que dariam legitimidade ao Estado, uma possível falta de transparência pode dar margem a interpretações e abusos por parte da plataforma. Como garantir, afinal, que as remoções de conteúdo sejam justas?

Muitos especialistas vêm quebrando a cabeça com isso. Para a coordenadora da área de Direitos Digitais da Artigo 19, Laura Tresca, o caso do bloqueio de páginas do Facebook foi um exemplo do quão espinhoso pode ser a falta de transparência. “Parece que isso correspondeu a um número de pessoas de um grupo específico e que defende ideias específicas. Por mais que eu não concorde com o discurso deles, defendo o direito de se manifestarem”, comentou.

As pessoas querem consumir fake news

O problema se torna mais complexo quando existe uma demanda por parte da população por essa “informação de combate”. Em suma, as pessoas querem ter material de apoio para seus pensamentos bélicos. “Não se trata apenas de informações falsas, é também opinião, exagero, insinuação, sátira e outras coisas”, diz Cruz. “Pintar esse tipo de informação engajada como notícia falsa não é muito preciso.”

E o termo genérico “notícias falsas” utilizado nos projetos faz com que uma possível lei sobre o tema seja mais abrangente. O problema dessa abordagem, explica, é que quanto mais escala se ganha, mais em risco se coloca a liberdade de expressão. “Você não tem parâmetros específicos para cuidar de todos casos e tenta abraçar tudo de uma vez. Isso é um problema.”

Para Laura Tresca, nos textos apresentados não existe um desenho que não afete totalmente a liberdade de expressão. Falta maturidade para os projetos. “Soluções normativas são interessantes quando existe um acúmulo de soluções de como enfrentar a questão.”

Enquanto isso no TSE: mais falta de transparência

O Tribunal Superior Eleitoral deu uma amostra de como estamos distantes de achar uma boa solução para as fake news. Em julho deste ano, o TSE firmou um acordo de não proliferação de notícias falsas com boa parte dos partidos políticos que fará parte da eleição. Apesar das ações públicas e declarações confiantes quanto aos avanços nesta questão do presidente do Tribunal, Luiz Fux, nem tudo está bem resolvido.

O principal infortúnio é, mais uma vez, a falta de transparência. O sigilo nas atas das reuniões do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições — órgão do Tribunal com objetivo de discutir e buscar formas de atuar contra o problema das notícias falsas — é extremamente problemático. Para Tresca, a resolução vai na contramão de uma resposta à situação, que seria promover o debate público e não esconder as informações dos cidadãos. (Em nota, o TSE justificou que o conteúdo das reuniões “abordam assuntos que atingem a segurança da sociedade e do Estado brasileiro, o que justifica a excepcionalidade à regra da transparência”.)

A própria composição do grupo, diz a advogada, é questionável. Vários dos membros são de órgãos de segurança como Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência. “Muitas vezes a desculpa da segurança nacional é evocada para limitar direitos civis”, diz. “E se a gente quer realmente fortalecer as nossas instituições, é só por meio de mais liberdade de expressão, mais acesso à informação e não mais cerceamento”, concluiu.

Iniciativas de checagem de fatos são a única esperança a curto prazo

Parte da eclosão das notícias falsas tem a ver com o descrédito que os meios de comunicação possuem entre muitos eleitores. Um mesmo veículo de massa pode ser considerado conservador e comunista, dependendo do olhar viciado. Ainda assim, é das iniciativas jornalísticas que saem os projetos que mais podem fazer pela população: as chamadas agências de fact-checking, isto é, de checagem dos fatos.

As mais conhecidas, como Agência Lupa, Aos Fatos e Truco, estão investindo na cobertura para as eleições e conseguem dizer o quão imprecisa é uma informação que está na rede. O problema, claro, é o tamanho limitado do cobertor. Não há estrutura que consiga examinar todos os boatos inoculados na rede diariamente. O desafio, então, está nas mãos dos veículos de comunicação: aumentar também suas áreas de checagem e fornecer os dados corretos para os eleitores. Alguns veículos como UOL e O Globo sinalizaram que investirão em seus projetos de fact-checking.

Resta torcer para que, com esse investimento em checagem, o eleitorado mude sua cultura de consumo: que busque a verdade, e não a informação que mais lhe convém.

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