O que a Morte do Playboy pela Polícia Significa para o Rio de Janeiro?

Até duas semanas atrás, um homem chamado Playboy estava entre um dos chefões do tráfico mais procurados do Rio de Janeiro.

Ele não só tinha escapado em 2009 de uma sentença de 15 anos por roubo, tráfico e homicídio, fugindo durante um indulto em uma prisão semiaberta, como também esfregava isso na cara da polícia. Com uma recompensa de R$ 50 mil por sua cabeça, segundo seu perfil no site Procurados, Playboy comandava o tráfico no Morro da Pedreira.

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No entanto, no sábado, dia 8 de agosto, Playboy foi cercado na casa da namorada por uma enorme operação da polícia, que incluiu 80 policiais, veículos blindados e um helicóptero. Celso Pinheiro Pimenta, 33 anos, o Playboy, foi baleado na perna e no peito, morrendo no hospital. Imagens do seu corpo ensanguentado rapidamente emergiram na internet.

Foi um grande troféu para a polícia do Rio: segundo os agentes que estiveram no local, Playboy foi baleado porque resistiu à prisão e foram encontrados com ele uma pistola Glock e um fuzil semiautomático .762. O traficante provocava a polícia há anos, aparecendo em palcos de bailes funk e postando vídeos na internet. Ele fez seus capangas invadirem um complexo olímpico e fotografou uma cena de nado sincronizado na piscina com fuzis.

“Quem tá falando aqui é o Playboy”, diz o áudio da brincadeira. “Adorei a piscina, adorei a piscina. Esculachou. O complexo todo, tá tudo dominado.” (Playboy também teria dito que ordenou o roubo de quase 200 motos de uma instalação estadual, mandando depois que elas fossem devolvidas, só para mostrar seu poder.)

Dias depois da morte dele, o jogo brutal de gato e rato entre a polícia e os traficantes recomeçou. Pegar Playboy foi um golpe significativo das forças de segurança do Estado, mas matar um líder carismático não é o suficiente para minar a violência. Enquanto a família de Pimenta enterrava seu corpo num cemitério do centro do Rio, a polícia já se concentrava em seu possível sucessor. Menos de uma semana depois, o braço-direito de Playboy, Jean Piloto, também foi morto numa operação da polícia, enquanto vários outros chefões foram presos.

Playboy podia ser o alvo mais notório da polícia, porém, com certeza, é apenas outro peão da violenta guerra às drogas que castiga o Rio há 30 anos. Seu reinado mostrava o poder duradouro do submundo do crime no Rio, onde um exército infinito de recrutas representa um desafio constante para as autoridades, que tentam conter a violência das facções com o que os críticos dizem ser um padrão de força excessiva.

A família de Pimenta alega que ele estava desarmado durante a operação de duas semanas atrás e que a morte dele foi basicamente uma execução. Um advogado da família apontou que fotografias da cena não mostram nenhuma arma perto do corpo, enquanto a polícia falou à imprensa que “ele estava com quatro guarda-costas e tentou atirar”.

“Ele se rendeu”, afirmou Cosme Pinheiro, o tio de Pimenta, à imprensa. “Ele escolheu ser preso, mas foi assassinado.”

“Ele era um bandido? Era. Mas tinha o direito de viver e pagar por seus crimes. A polícia foi lá para matá-lo.”

Segundo a Anistia Internacional, a polícia no Estado do Rio matou pelo menos 8.500 pessoas entre 2005 e 2014. Nos últimos cinco anos, aproximadamente uma em cada seis mortes na cidade se inscreve na categoria de “homicídios resultantes de intervenção policial”.

A Polícia Civil indicou que a morte de Playboy está sendo investigada. “A polícia foi lá para prendê-lo, eles não estavam lá para matar”, uma porta-voz frisou à VICE. “Ele resistiu e foi morto. Os policiais envolvidos ainda estão trabalhando, eles não estão sendo acusados de nada”.

Mas a Anistia questiona os registros da polícia em investigações desse tipo. Segundo o relatório do grupo, das 220 mortes nas mãos da polícia em 2011, cerca de 80% ainda são investigações em aberto, com apenas uma resultando em processo contra um policial.

“A crença [de] que estamos vivendo numa guerra e que matar ‘traficantes’ é parte disso tem sido usada para justificar o uso excessivo, desnecessário e arbitrário de força pela polícia, o que está fora da lei”, disse Atila Roque, diretor executivo da Anistia no Brasil, à imprensa cinco dias antes da morte de Playboy. “A falta de investigação nos casos de homicídio envolvendo a polícia contribui para um ciclo de impunidade e violência.” No começo do mês, a Anistia divulgou seu relatório sobre as mortes pela polícia, atendo-se ao alto número vindo da área onde Playboy foi morto.

“Uma força policial que mata é incompatível com os princípios fundamentais dos direitos humanos e da lei”, ele acrescentou.

O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, comentou que a publicação do relatório da Anistia era “temerária e injusta”, embora tenha admitido numa entrevista recente que a guerra do governo contra os traficantes não está funcionando.

O túmulo de Playboy no Rio. Foto por Priscilla Moraes.

Ele acrescentou que não tem dúvidas de que alguns policiais estão envolvidos em violência excessiva, porém reiterou que as forças de segurança do Rio têm sorte de não ter de lutar contra uma única organização criminosa dominante como o Primeiro Comando da Capital de São Paulo.

“Temos de criticar a polícia, falar sobre suas deficiências”, admitiu Beltrame. “Mas temos de perguntar: o que o Estado oferece a um jovem vulnerável? Um país onde 52 mil pessoas morrem em crimes violentos é, me perdoe, um Estado bárbaro. Mas isso acontece só por falta de policiamento? Não.” Ele disse que as falhas sociais e judiciais também contribuem para as altas taxas de crimes.

Nascido numa família de classe média no bairro rico de Laranjeiras, zona sul do Rio, Playboy entrou para o crime quando era adolescente. Com notas baixas em tudo à exceção de Educação Física, ele começou roubando carros; depois, se juntou a uma gangue comandada por outro jovem de classe média, Pedro Machado Lomba Neto. O Pedro Dom.

A gangue invadiu e roubou apartamentos em bairros de classe alta no Rio por anos até Pedro Dom ser morto em 2005. Entrando e saindo da cadeia desde 2002, Playboy contou numa entrevista do ano passado que tentou ganhar a vida honestamente, porém enfrentou discriminação. Num trecho de uma conversa com o polêmico José Junior, fundador do grupo cultural AfroReggae, Playboy relatou que era um “ser humano que tentou ser trabalhador, mas que as circunstâncias da vida não permitiram”. Ele dizia que seu sonho era voltar a ter uma “vida normal”.

“Eu tentei”, ele disse. “Fui preso pela primeira vez, paguei o que devia e depois tentei trabalhar, mas fui discriminado.”

A família de Pimenta indicou que pretende processar o Estado pela morte.

Numa postagem emocionada no Facebook na semana passada, a mãe de Playboy, Rosa Maria Pinheiro de Araújo, escreveu: “Eu não era parte e não aprovava a escolha dele, mas percebi como ele era amado. Que Deus acalme meu coração, me dê sabedoria para seguir com a vida e saúde para ajudar a criar meus netos segundo o desejo do pai deles”.

Depois da morte, 400 policiais ocuparam a favela do Morro da Pedreira, onde as aulas foram canceladas para quase 6 mil crianças como precaução. O comércio na comunidade continuou fechado, supostamente em respeito à morte de Playboy.

Uma semana depois do enterro, flores amarelas ainda estavam no túmulo sem nome no cemitério Catumbi, com a maior coroa vindo dos “Amigos da Pedreira”, a favela onde Playboy atuava.

“Muitos estão postando fotos dele, xingando, sem nem conhecê-lo”, escreveu no Facebook a prima de Playboy, Sarah Araújo, em uma postagem depois aparentemente apagada. “Se você não o conhecia, não pense isso dele. Mesmo sendo bandido, ele nunca fez mal para ninguém que fosse inocente; pelo contrário, ele ajudou.

“Mesmo que não fosse da igreja, ele era temente a Deus. Deixe-o descansar… afinal de contas, ele era um ser humano.”

Tradução: Marina Schnoor