O que acontece se tomas a pílula do dia seguinte com demasiada frequência

píldora del día después

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Tonic.

São vários os estudos que demonstram que o uso da pílula do dia seguinte entre adolescentes duplicou nos últimos 10 anos [em Portugal, os números gerais não especificam a demografia, mas apontam para que, nos últimos seis anos, a venda de embalagens da pílula do dia seguinte tenha aumentado mais de 45 por cento, sendo que, em 2017, foram vendidas 22 caixas por destes fármacos por hora].

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A nível básico, é uma óptima notícia: três urras para a prevenção da gravidez indesejada e pelas mulheres a tomarem as rédeas dos seus direitos reprodutivos [por entre 15 a 24 uns 20 euros) com uma simples visita à farmácia mais próxima.

Mas, a um nível mais preocupante, as investigações mostram que as adolescentes têm agora mais probabilidades de confiar na pílula do dia seguinte como método contraceptivo. Em vez de tomarem a pílula ou usar preservativo, há cada vez mais jovens a optar pelo Plano B como rede de segurança depois de uma ou outra “acrobacia sexual”.


Vê: “A luta para acabar com a mutilação genital feminina na Etiópia


Ainda que praticamente todas as outras opções contraceptivas sejam muito mais económicas e convenientes, pode chegar a compreender-se que os contraceptivos de emergência tenham passado à categoria de “é uma emergência, mas provavelmente podia tê-la evitado”.

Uma busca rápida no Google confirma-nos que a pílula do dia seguinte é 100 por cento fiável, as universidades mais prestigiadas do Mundo dizem-nos que as vantagens da pílula do dia seguinte são bastante mais do que as desvantagens e as empresas de investigação insistem em que se podem usar com a frequência que se queira, sem que se sofra nenhum efeito secundário grave.

Contudo, durante muitos anos a pílula do seguinte foi alvo de vários rumores. Foi declarada culpada de coágulos sanguíneos, cancro, doenças cardiacas e (como era de esperar, dentro das comunidades pró-vida) abortos. No entanto, a preocupação que mais se destaca em torno do Plano B, entre as especulações carregadas de pânico que povoam a Internet e outros meios, talvez seja a que insinua que afecta a facilidade das mulheres engravidarem mais tarde na vida.

Na sua grande maioria, todas estas preocupações baseiam-se na elevadíssima dose de hormonas que contém a pílula do dia seguinte: uma dose de Plan B One-Step (ou outras marcas comuns) contém 1,5 mg de levonorgestrel, que tem uma dose 12 ou 13 vezes superior à dose hormonal total que contêm as pílulas contraceptivas normais. Tendo em conta a quantidade de mulheres que desconfiam veementemente dos contraceptivos hormonais, não podemos culpá-las por compararem impulsivamente o conceito “montes de hormonas” com “arruinar a minha vida”.

Talvez sejas uma das sortudas que experimentou o Plano B e se sentiu feliz com o resultado, ou talvez sejas como eu e te tenhas convertido numa catástrofe, exausta e emocionalmente sensível, durante os três meses a seguir a tomar a pílula do dia seguinte e estejas a lidar com um pack completo que inclui depressão, ansiedade e fadiga. Ou, quem sabe, até foi pior para ti do que para mim, como explica uma utilizadora do drugs.com, que se sentiu tão incrivelmente doente que não conseguia fazer uma vida normal e se viu obrigada a suportar a desagradável sensação de que os seus “órgãos estavam a explodir”.

Se tomar a pílula do dia seguinte pode transformar-te basicamente num lodo humano, o que é que pode acontecer ao teu corpo se a tomares várias vezes em poucos meses? Estás realmente livre de efeitos secundários, como reza a publicidade, independentemente das vezes que a tomes, ou será que algumas das preocupações dramáticas em torno deste contraceptivo de emergência têm algum fundamento?

“Todos os rumores que tenhas ouvido acerca da pílula do dia seguinte são completamente falsos”, afirma Charlotte Wilken Jensen, directora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Hvidovre, na Dinamarca. E acrescenta: “Todas as fórmulas das pílulas do dia seguinte aconselham a toma uma única vez por ciclo, mas, na verdade, podem ser tomadas cada vez que faças sexo sem protecção. Apesar de que não há dúvida de que, se a tomas mais do que uma vez, os riscos de sofreres efeitos secundários aumentem”.

As palavras “efeitos secundários” são alarmantes, mas o que é que se passa com este horripilante “nunca vais poder ficar grávida” que é uma praga nos fóruns de Internet? “A pílula do dia seguinte não afecta em absolutamente nada as possibilidades de engravidar num momento posterior da vida”, afirma a Wilken Jensen. E salienta: “Não obstante, os efeitos secundários das hormonas – náuseas, enjoo e mal-estar – podem mudar a tua qualidade de vida, simplesmente por te fazerem sentir mal e a depressão é outro grande problema adicional. Não é muito agradável de nenhuma das maneiras”.

Pois não, sentires-te uma baleia sonolenta e mal-humorada durante uns meses não é nada agradável, precisamente por isso é que tomamos a pílula do dia seguinte depois de uma boa queca. Se beberes demasiados gins tónicos ou meteres umas linhas de qualquer substância branca antes de embarcares numa experiencia sexual, é possível que a tua ressaca reduza o efeito do chuto de hormonas que tomares depois.

“O sexo sem protecção fruto do abuso de substâncias é um problema muito grande”, afirma a especialista com um suspiro. E sublinha: “Por sorte, as substâncias não influenciam demasiado nos efeitos secundários a longo prazo, mas podem provocar vómitos ou dor de estômago por causa de álcool ou de drogas. E isso, definitivamente, afecta o modo como funciona a pílula, porque se vomitas ou tens diarreia não funciona com a mesma eficácia, ou pode não ter sequer oportunidade de funcionar antes de sair do corpo. Pelo resto, não há nenhuma interacção entre as drogas e o álcool e a pílula do dia seguinte”.

Então e o que acontece com tudo o resto que se diz, com os coágulos sanguíneos e as doenças cardiacas? Muitas marcas de contraceptivos orais continuam a advertir as mulheres que os coágulos sanguíneos e os problemas cardíacos poderiam supor um problema para elas, se já contam com um historial médico que inclua tais problemas.

Apesar de algumas pessoas temerem que uma dose extra forte de hormonas possa incrementar a susceptibilidade a esses problemas, Wilken-Jensen insiste que não é assim. “Os fármacos empregues nos novos tipos de contraceptivos de emergência, especialmente o levonorgestrol, não influem no desenvolvimento de coágulos nem de doenças cardíacas”, assegura. E acrescenta: “As pílulas mais antigas continham estrogénio e isso sim implicava riscos de coágulos, tal como os contraceptivos orais, mas, actualmente, já não se utilizam, nem na Europa nem nos EUA”.

Por último, peço desculpas a todos os fanáticos religiosos do Mundo, mas a pílula do dia seguinte não tem nada a ver com o aborto. “É muito importante reforçar que não se trata de uma ferramenta para abortar”, indica Wilken-Jensen. E justifica: “Se o óvulo já tiver sido fecundado, a pílula do dia seguinte não funciona, porque a sua missão consiste em adiar a ovulação. Sinceramente, ninguém sabe a ciência exacta de como funciona, mas sabemos que, resumidamente, é isto”.

Portanto… boas notícias miúdas! Optar por um plano B como se fosse M&M’s não é mau para a saúde, sempre e quando estiveres preparada para te sentires provavelmente na merda enquanto o teu corpo luta contra um tsunami de hormonas. Pode ser que não sofras nenhum destes efeitos secundários, mas, se sofreres, tem em conta que é só uma sensação temporária. É uma merda, mas olha, ao menos estás a salvo a longo prazo.


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