Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.
Este fim-de-semana, Cristiano Ronaldo publicou um vídeo que, infelizmente, é muito ilustrativo do que, ainda hoje em dia, representam os papéis de género na nossa sociedade e como estes se perpetuam desde a infância.
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No vídeo, podemos ver dois dos seus filhos, Mateo e Eva María, naquilo que à primeira vista poderia representar apenas mais uma cena comum do dia-a-dia: no interior de uma casa do caraças, com todo o tipo de brinquedos para os miúdos, Cristiano, de costas para a câmara, chuta uma bola de futebol para o seu filho que, graciosamente e sem vacilar, a chuta de volta. “Força”, diz-lhe o pai. O bebé, pela idade que tem, chuta bem. Não imagino o pai a ler-lhe uma história, ou a mostrar-lhe os sons de animais, como seria de esperar nesta idade. Quando tem uns minutos, isso sim, ensina-o a jogar à bola, para que algum dia ganhe também a de ouro e se possa sentir orgulhoso de Mateo, o pequeno macho alfa que criou.
O vídeo continua. Atrás do pequeno Mateo, a sua gémea, vestida com o mesmo pijama mas em versão cor-de-rosa, imita os passes do irmão com a pequena grande diferença de que apenas chuta o ar, porque a ela não lhe passam a bola. Fá-lo pelo menos cinco vezes. Nesses pontapés fictícios deixa evidente que também quer participar no jogo, mas é completamente ignorada. Cansada de ser invisível, aproxima-se de um carrinho de limpeza miniatura que está na mesma sala e põe-se a brincar com uma vassoura.
Eva María merecia chutar aquela bola que nunca lhe foi passada, porque se a ensinarem talvez também ela possa vir a ser uma excelente jogadora. A intenção está lá, ela gostava de ter dado um pontapé naquela bola, mas se não lhe dão a oportunidade, como dão ao seu gémeo, nunca saberemos como é que se teria dado.
Dá pena ver manchetes como “Filho mais novo de Cristiano Ronaldo já chuta como um craque“, ou “Cristiano Ronaldo já treina o filho mais novo para ser Bola de Ouro“, porque mostram que ainda não nos damos conta destas coisas. Também há outros meios de comunicação [espanhóis] que repararam, mas que se questionam se será machismo ou não e perguntam: “¿Es Cristiano Ronaldo Machista en la educación de sus hijos?”. O problema não é que Cristiano o seja, o problema é começar um debate à volta de um tema que já não devia necessitar de ser debatido.
Vê: “Futebol e homofobia“
Não é a primeira vez que vemos um comportamento sexista por parte do jogador na educação dos seus filhos como também noutros casos mais graves. Foram várias as vezes que vimos vídeos caseiros em que as suas filhas brincam com carteiras e maquilhagem, enquanto ele ensina a Mateo e Cristiano Jr. a sua profissão. O problema é que isto não é algo exclusivo de Cristiano. Está nas grandes lojas quando vais à secção infantil e vês que tudo o que é de menina é cor-de-rosa e o de menino azul, está no que ofereces aos teus sobrinhos ou filhos de amigos e em muitas outras coisas [Nota do editor: como está também na recente polémica criada em volta da colecção de roupa sem género da Zippy em Portugal].
Aliás, foram já várias as pedagogas em Espanha que se pronunciaram sobre a divisão machista que existe nos espaços comuns da maioria das escolas públicas, em que as zonas de brincar se articulam a partir de um campo de futebol. Esta situação faz com que eles dominem o terreno, enquanto elas, apesar da maioria das vezes também quererem jogar, não possam porque não as deixam tocar na bola. O que vemos neste vídeo é só um exemplo muito gráfico do que acontece todos os dias. As meninas são excluídas do jogo e dá-se-lhes outro tipo de papel, como os “brinquedos demonstrativos” (cuidar de um nenuco, brincar numa cozinha ou com um carrinho da limpeza).
Apesar de que, verdade seja dita, ultimamente, o futebol feminino tem batido recordes históricos no que toca a espectadores [incluíndo em Portugal], os comentários machistas de que Ada Hegerberg foi alvo quando recebeu a bola de Ouro, mostram que ainda há muito a fazer e esse muito passa também por jogadores – como Cristiano – não excluírem as suas filhas. E como ele, todos os pais e mães.
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