O Retro Futurismo de Hans Donner nas Lentes de Filipi Filippo

Todas as imagens são de Filipi Filippo.

Algumas instituições parecem intocáveis; são como grandes monolitos atemporais que sempre estiveram ali, antes e durante nosso crescimento, como é o caso da arte do austríaco radicado no Rio de Janeiro, Hans Donner.

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“Um espírito irrequieto, porém, o compelia: o jovem artista ansiava por explorar novas fronteiras, transpô-las e voar alto — muito mais alto do que poderia se permanecesse e se estabelecesse na sua pátria.” Foi assim, segundo seu site oficial, que aos 25 anos de idade o designer recém-formado veio para o Brasil e, depois de 20 dias batendo de porta em porta com seu portfólio, conseguiu um emprego na Rede Globo.

No vôo de avião de volta para a Áustria para pegar seus documentos que o permitiram trabalhar legalmente no Brasil, Hans desenhou o logo da Rede Globo. “No avião da Swissair, quando eu sobrevoava o Atlântico, o logotipo da Globo veio ao mundo, sobre um guardanapo de papel que guardo até hoje. Tive a súbita compreensão de que a palavra globo só poderia remeter a idéia de mundo, só poderia ser visualizada como volume.”

O artista visual Filipi Filippo teve ideia de “remixar” o trabalho do austríaco também enquanto transitava de um lugar a outro, durante uma caminhada, no começo de 2015. “Não consegui tirar da cabeça isso, aí comecei a rever as vinhetas das novelas dos anos 90 e as aberturas do Fantástico”, conta, sobre seu mais recente projeto Hans Donner Remix, trabalho de arte digital que pretende tomar suportes físicos em breve, no formato de um zine e de impressão em tecido.

Filipi começou a expor seus trabalhos por volta de 2012 no Tumblr. Antes disso, já tinha trabalhado bastante com design gráfico impresso e acabou, de modo natural, dando saída para esses trabalhos digitais em formato impresso.

Futurismo visual é sempre interessante; as modas e estilos do tempo do artista tentam contaminar a obra o tempo todo e grande parte do trabalho criativo é projetar um futuro livre dessas marcas, varrendo-as para fora. O desafio é imaginar um visual que pareça atemporal e, ao mesmo tempo, dê a noção de uma superação do estado atual das coisas, algo destacado do mundano de agora.

É claro que nesse processo de imaginação e projeção o artista corre grande risco de fazer algo que pareça meio ridículo para seus contemporâneos. Designer de formação e profissão, a minha mulher quando estava na faculdade ajudou a organizar o ndesign 2006, em Brasília, o encontro nacional de estudantes de design. Ela disse que o público da palestra de Hans Donner, de longe a mais cheia do evento, parecia não levar tão a sério o trabalho do austro-brasileiro, como era de se esperar de um encontro de estudantes. A índole adolescente tende a louvar um ideal romântico e distante enquanto recusa o mais próximo; a imagem de Hans Donner com sua arte cromada e com o gradientes de árco íris, casado com a eterna Globeleza, Valéria Valensa, com quem teve dois filhos, não parecia uma figura digna de louvor para os jovens que lotavam a platéia que não conseguia enxergar a mesma visão de futuro do já envelhecido Hans.

Curiosamente o trabalho de Filipi antes de sua recente aproximação e reinterpretação do trabalho de Hans Donner já tinha alguns aspectos presentes na obra do austríaco. O uso de gradientes em seu mais recente zine visual imediatamente antes de sua pesquisa atual se chama Future Plants, Glitch Gardens and Obsolete Structures e remete um pouco ao trabalho de Donner, assim como também, segundo Filipi, “o Future Plants tem algo tribal/digital”.

“Gosto dessa mistura e de pensar essa convivência, o que acaba influenciando o próprio trabalho do Hans, busco criar novos padrões e parece meio tribal também. Acho que o Hans pirava muito nisso. O índio, a mulata, o Brasil da natureza, o Brasil do futuro, digital.”

O retro futurismo, que é uma das grandes fontes de referência para o pessoal ligado ao vapor wave e arte em novas mídias, não podia deixar de se voltar para a arte 3D, não apenas nas primeiras renderizações tridimensionais de computador, mas também na arte analógica de figuras como Hans Donner, com seus abstratos cromados e objetos que surgem do negro como que plasmados por alienígenas oitentistas.

A possibilidade de revisitar e retrabalhar o que era considerado brega ou kistch e pegar o que há de bom nisso é uma conquista muito recente. Não se olha mais com ironia e condescendência sobre os objetos apropriados, e sim enxergando a real beleza inicial do que foi feito nas décadas anteriores, mesmo que seja preciso tirar um pouco do entorno geral.

Filipi irá participar do evento/exposição VAPOR 2.0, a segunda edição da festa dedicada aos sons do vaporwave, pitch down funk, slow charm, crooked melted rap e chillwave. Como na versão anterior, a música da festa será comandada por Akin Deckard e a parte visual por Aural Ars, com quem conversei antes da primeira edição sobre a parte visual da festa. A exposição contará com projeções, entre elas alguns videos de Filipi, lembrando que a contribuição mais significativa de Hans não se deu na imagem estática, mas nas animações, aberturas e vinhetas. Filipi também apresentará uma impressão digital em tecido de Hans Donner Remix.

Questionado o que ele acharia de Hans Donner vir atrás de seu trabalho, Filipi pareceu animado com a perspectiva: “Eu acharia incrível, mas acho que ele vai curtir. Quando tiver o zine, que pretendo fechar esse mês ainda, quero mandar pra ele, mandar pro Fantástico também.”

E já imagina além. “Nem sei quem apresenta mais o fantástico, mas tipo, o Zeca Camargo falando sobre vaporwave seria louco.”

Você pode acompanhar o trabalho de Filipi Filippo no tumblr e instagram.