O Sonho do Seu Jorge é Botar a Classe Musical pra Correr

Ok! Foto: Matias Maxx

Há uns seis meses, o cantor Seu Jorge resolveu encarar, aos 45 anos, o desafio de trocar o cigarrinho pela corrida. Seus companheiros de bar sabiam que não seria fácil. Apesar do tipo físico privilegiado e do bom fôlego nos palcos, o carioca nunca tinha se ligado muito nessa de fazer exercícios. Para muitos de seus parças, ele logo ia ceder à vida boêmia e pouco regrada de antes. (Parece que havia uma apostinha de quantas horas duraria o esforço, porém não conseguimos confirmar com nossas fontes.)

Mas o fato é que Seu Jorge levou a parada a sério mesmo e, sem fumar desde então, segue batendo um recorde pessoal atrás do outro. O entusiasmo do cantor incentivou outros artistas (Marcelo D2 entre eles, vai vendo), conquistou vários fãs e, não faz muito tempo, ele foi escolhido para ser um dos embaixadores da plataforma “Vem Junto”, da Nike, criada para estimular mais jovens a largarem seus cigarrinhos – e outros hábitos sedentários – e sair correndo por aí.

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O cantor não queria fazer feio e por isso marcou a corrida para um lugar que estava bem acostumado: as ladeiras de Santa Tereza, onde conheceu os parceiros de sua primeira banda, o Farofa Carioca. Como não podia deixar de ser, o circuito de 4,2km começou e terminou no mesmo bar – ninguém é de ferro, né? Para compensar as calorias que viriam com as vindouras cervejas da tarde, o percurso era lotado de ladeiras, degraus e subidas.

Bonde pronto. Foto: Matias Maxx

“Santa Tereza inaugurou muitas coisas na minha vida, sabe? Eu vivia aqui num casarão ali em cima, vinha muito neste bar, quando se chamava Sobrenatural. Puxar a minha primeira corrida aqui faz parte disso”, Seu Jorge me contou, numa rodinha de conversa com a saltadora olímpica Fabiana Murer e seu treinador, pouco antes do inicio da corrida. Quando questionei a dificuldade de correr e fotografar ao mesmo tempo por aquelas ladeiras cheia de paralelepípedos e trilhos, ele me tranquilizou com exemplos passados. “O pessoal sobe isso tudo louco de cachaça no carnaval”, falou. Ok, então.

Lá vamos nós.

Aquecimento vocal e pá. Foto: Matias Maxx

A medalhista de ouro fez apenas uma participação simbólica na reta inicial da corrida por causa de sua rotina muito rígida de treinos. Ela não podia arriscar uma lesão nas ladeiras, afinal.

Já eu, no papel de repórter-atleta, sabia que havia grande probabilidade de me quebrar. No dia a dia estou acostumado apenas a correr da polícia em coberturas de protestos. A época que mais corri na vida foi sem dúvida 2013. Ando meio enferrujado, mas aceitei o desafio de clicar a corrida. (Caso não goste das fotos, amigo, tenha certeza que o resultado seria melhor se eu tivesse de moto ou Segway. Mas aqui é Jornalismo Verdade. Aceite.)

Agora vai, lek! Foto: Matias Maxx


O inicio foi moleza. Após a reta da largada, começaram as descidas, consegui me adiantar e fazer uns registros bem massa.


O Seu Jorge é muito profissa, se liga: mandava um salve pra foto sem perder o ritmo. Salve, Jorge!

É claro que uma hora o meu folêgo não deu. Aí peguei carona no carro de uns colegas de um telejornal para poder continuar acompanhando a corrida. A gente se adiantava, descia do automóvel, achava uma posição, esperava a galera passar e então voltava para o carro. E começava tudo de novo.

Numa dessas descidas, o colega repórter entrou na corrida e trocou uma idéia com o Seu Jorge em movimento, o que prova que o oficio do jornalismo esportivo é, também, uma forma de lutar contra o sedentarismo, esse inimigo oculto.

A galera desceu até a Lapa, correu pela Rua Riachuelo e voltou a subir. No final, só ladeira acima, bem puxado. Mas somos brasileiros. Somos todos Jorge.

Aí rolou uma pausa bem rápido pra fazer uma foto do grupo na estação de Bondinho do Curvelo.

Depois veio a reta final, após o final da corrida. Seu Jorge foi se preparar para cantar numa roda de samba e o resto da galera foi fazer essa foto. Fui aproveitar para me hidratar e, assim como não estou acostumado a correr sob o sol escaldante, também não estou acostumado a beber água. Não teve jeito: desidratado e fora de forma, fui forçado a chamar o Raul – ou Hugo, se preferir.

Mas aí começou a Roda de Samba, com direito a cervejinha, caldinho de feijão e batata frita e, como bom repórter-atleta, pude me recompor de boas.

No início, rolaram vários sambas clássicos como “Só Pra Contrariar” do Fundo de Quintal (não confundir com a banda do Alexandre Pires), “Sem compromisso”, de Chico Buarque, e “Trem das Onze” de Adoniran Barbosa.

Aí ele saiu, fez uma social com a galera enquanto a banda segurava a onda com mais clássico e voltou pra cantar mais um bloco só com seus hits como “Burguesinha”, “Amiga de Minha Mulher” e “Carolina”, além de covers como “Mais que nada”, de Sergio Mendes, e o clássico “É hoje”, samba enredo de Caetano Veloso para a União da Ilha. Tava excelente para se recompor.

No meio dessa bagunça toda, lembrei do meu ofício (Jornalismo Verdade, lembra?) e consegui trocar uma idéia com o Seu Jorge. Se liga:

Salve, Seu Jorge! Te conheci num ritmo de camarim, bem diferente disso daqui hoje.
Seu Jorge: (Risos) Ritmo de maluquices, bebidas, gorós e afins…

Pois é. Fala aê dessa transição, uma coisa exclui a outra?
Seu Jorge: Não, minha profissão continua, continuo vivendo dela, gosto do ambiente social que minha profissão promove, os amigos. Só que essa escolha pela corrida me traz o beneficio do esporte, o convívio que o esporte promove e ajuda a criar um condicionamento que eu não tinha antes e que, na medida que a idade vai chegando, a gente vai perdendo também. A corrida como atividade física tem como objetivo retardar um pouco o processo do envelhecimento. Com ela consigo ter um rendimento melhor sobre minha profissão, o canto, um aproveitamento melhor da noite em si e tudo mais.

Você já corria? Ou fazia outro esporte?
Seu Jorge: Não, eu não tive essa disciplina, não. Porque se é inserido na sua educação você leva como uma disciplina, mas eu não tive essa disciplina do esporte na minha vida. Trabalhei muito desde garoto, trabalhei em oficina… Não tinha tempo, mas me lembro que eu fazia tudo correndo. Minha mãe falava: ‘vai pegar agua sanitária’ e eu ia correndo. E, assim, eu sou negro, né? O negroide está muito alinhado para a corrida, assim como não esta com a natação, por exemplo. Você vê mais negros na corrida do que na piscina ou no surfe. Acho que a genética ajuda muito a gente na corrida.

Já começa subindo ladeira!
Seu Jorge: Isso! Porque na minha religião, o Candomblé, quando a gente tá subindo uma ladeira, a gente vai aproveitando para pedir para subir na vida, né? Eu já fiz esse pedido outras vezes aqui em Santa Tereza. Pedi às autoridades espirituais que nos ajudem nessas subidas de todo dia e essa corridinha de hoje foi pra simbolizar esse momento. Estou interessado mesmo em ver o desenvolvimento das coisas e das pessoas, do nosso país. É muito bom poder acordar num domingo às 6h30, vir aqui, dar uma corrida e me sentir totalmente disposto para ouvir um samba com os amigos.

Pra finalizar, como é que é essa história de recrutar outros colegas pra começar a correr? Soube que o Marcelo D2 tá correndo contigo.
Seu Jorge: Foi demais ter o Marcelo correndo. Tá sendo demais, era pra ele tá aqui hoje, aliás, mas ele trabalhou ontem. Outro dia a gente fez uma corridinha juntos, antes do show. Ele tá na maior disciplina também. Tá correndo sério, mudou muita coisa pra ele, o físico dele, a disposição física. OPlanet Hemp não é bossa nova, é hardcore, tem que estar com um condicionamento legal. Pô, outro que tá dando show é o Arlindinho. Pô, o Arlindinho era obeso, cara. ele tá magrinho, tá outro cara, bicho. a corrida se incorporou na vida dele. Já convidei também o Rogério Flausino, vários outros amigos, espero vê-los todos. Quero ver a música brasileira numa corrida dedicada à música.

Depois de conversar com o Seu Jorge, consegui trocar uma idéia com a Fabiana Murer pra confirmar se o cara tem talento pro esporte. Não sei se eu já falei, aqui é Jornalismo Verdade, né?

Como foi essa história de vocês treinarem corrida juntos?
Fabiana: Bem, o Seu Jorge começou a correr e quis fazer um treino comigo – lógico que não de salto com vara, e sim de corrida, para aprender, pois não é só correr, existe uma técnica. Precisa de fortalecimento para evitar lesões e para poder aguentar correr mais quilômetros. Então ele fez um treino comigo e foi muito legal. Teve alongamento também, exercício para corrida, coordenação, e ele me contou que sempre que vai correr pensa na passada e em tudo que ele aprendeu. Isso é muito legal: ele aprender com a gente e usar no dia a dia dele.

O Seu Jorge me disse que nunca tinha nem jogado bola! E está se dando super bem com a corrida bem rápido, né?
Fabiana: Isso a gente vê como o Brasil é rico em talentos. Ele poderia ter sido um grande atleta. Mas ainda bem que não foi, pois é um excelente cantor (risos). Acho que todo mundo pode praticar esportes. É só encontrar o esporte que gosta. Melhora a vida. As pessoas encaram a vida de uma forma diferente.

E será que ele consegue saltar com vara?
Fabiana: Acho que se ele treinar, consegue. Ele se deu super bem no treino de corrida. Ele tentou envergar a vara ali mas não conseguiu. Acho que se der mais uns treinos, ele salta!

É isso aê, Seu Jorge! Estamos com você! Em breve colamos no seu evento para celebrar os saltos com vara, beleza?