Rupert Murdoch adora o Twitter. Ele é um bilionário de 84 anos e presidente-executivo da NewsCorp, o que o torna chefe da Fox News e de muitos jornais conservadores dos EUA e no exterior, incluindo o Wall Street Journal. [A 21st Century Fox, de Murdoch, detém 5% das ações da VICE Media]. E os tuítes têm um estilo tão casual e folclórico que só pode ser ele mesmo quem escreve. Isso lhe dá a chance de dizer o que passa na sua cabeça. Então, ele tuitou isso:
Ben e Candy Carson são incríveis. Que tal um presidente negro de verdade, que possa abordar apropriadamente a divisão racial? E muito mais.
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– Rupert Murdoch (@rupertmurdoch) 8 de outubro de 2015
O que diabos esse australiano está tentando dizer? A primeira frase é perfeitamente clara e inquestionável, mas a segunda é realmente irritante. Um sábio disse uma vez: “Não procure ser entendido, procure não ser mal interpretado”. Isso não é trabalho fácil, e Murdoch não chegou nem perto. O primeiro bloqueio para entender o que ele realmente quis dizer é a expressão muito usada e frequentemente vaga “de verdade”. O que isso modifica na frase? Isso modifica “presidente”, “negro” ou “presidente negro”? Murdoch já se desculpou pelo tuíte, embora eu não esteja atrás de nenhum mea-culpa – procuro claritas, ou seja, clareza. Pelo que exatamente ele está se desculpando?
Se “de verdade” está modificando “negro”, então Murdoch está dizendo que Obama não é uma pessoa negra de verdade. Será que Murdoch está querendo julgar a negritude de Obama e o chamando de Oreo? A noção de que Obama não é uma pessoa negra de verdade significa que ele é uma pessoa falsa ou fictícia ou que ele não é o estereótipo de pessoa negra dos EUA: urbana, de classe trabalhadora, que estudou pouco na escola e aprendeu muito nas ruas. Ele não seria escalado para um filme de Hollywood. Ele não é a imagem que um norte-americano branco preguiçoso tem de um afro-americano. Ele é alguém que desafia a percepção dos brancos dos EUA do que é uma pessoa negra.
No meu livro de 2011 Who’s Afraid of Post-Blackness? What Means to Be Black Now, explorei a vasta diversidade de retratos da negritude e a infinidade de possibilidades de apresentá-la (digo apresentar, porque todas as personalidades são uma performance). Colocar negros (ou mulheres, gays e latinos) numa caixa e dizer que há performances verdadeiras e autênticas dessa identidade – e, portanto, performances não autênticas (ou surreais?) disso – é redutivo. Isso me reduz a apresentar um estereótipo esperado ou arriscar perder minha negritude. Isso significa que tenho de me curvar à visão estreita de Hollywood do que é uma pessoa negra ou agir como se tivesse tido um mundo de experiências que me fizeram crescer além desse estereótipo bidimensional. E me recuso a escolher. Quero os dois. Ainda sou uma pessoa negra de verdade e autêntica, mesmo quando estou saindo de uma aula de ioga em Paris para comer wienerbrød sem glúten e discutir o novo romance de Jon Franzen.
A negritude não é frágil. Ela não se perde, é danificada ou fica em risco por experiências não estereotipadas. Alguns acham que a negritude é como leite e o gueto é a geladeira: quanto mais longe da geladeira a negritude fica, mais ela se estraga. Não. Minha negritude é resistente e forte.
Talvez o que Murdoch quis dizer com “verdade” era modificar tanto “presidente” como “negro”. A frase subsequente é “quem pode abordar apropriadamente a divisão racial”. Esse é outro exemplo da direita tentando culpar Obama por não consertar o problema racial nos EUA. Claro, isso não é algo que um único ser humano pode fazer – mesmo que ele seja extraordinário. Os problemas raciais nos EUA estão nas estruturas institucionais que perpetuam desigualdades raciais antigas nos sistemas de ensino e criminal, em oportunidades de emprego, na aquisição de riquezas e em muito mais. É uma matriz onipresente que molda vidas brancas e negras.
É verdade que Obama não desmantelou a supremacia branca, mas que a direita esteja usando isso como evidência do fracasso dele só prova que os conservadores colocaram um padrão inatingível para ele. Os 43 presidentes americanos anteriores também não acabaram com a supremacia branca, embora talvez Murdoch ache que isso não era parte do trabalho deles porque eles eram brancos? E tem mais: a hipocrisia de pessoas brancas criticando Obama por não fazer o suficiente pelos negros é hilária. Ele vem tentando mudar a abordagem racialmente desigual do sistema criminal dos EUA, usou o Departamento de Justiça para policiar a polícia e usou o Obamacare para aumentar o acesso dos negros à saúde. Entretanto, a própria questão “O que Obama fez pelos negros?” é idiota e redutiva (sim, essa palavra de novo), a menos que analisemos todos os outros presidentes e o que eles fizeram pelos negros.
Se a crítica de Murdoch é que agora o desconforto racial interpessoal é mais palpável para ele, bom, a razão disso não está em Obama. Há uma margem dentro dos EUA que vê a igualdade como o inimigo. E onde é a casa política dessa margem? Nem todo republicano é racista, porém o contingente racista é bem-vindo no partido, mesmo depois de essas pessoas falarem coisas preconceituosas em público, como Phil Robertson, do Duck Dynasty, Clive Bundy, Glenn Beck, Ann Coulter, o congressista Steve King ou Donald Trump. Republicanos que querem ver a igualdade racial avançar devem afastar racistas, xenófobos e homofóbicos do partido, não os abraçar de todo o coração.
“Verdade seja dita, não vi nada nas declarações de Carson que prove que ele está pronto para a presidência. Sim, ele é brilhante – como cirurgião. Mas o que o passado tem a ver com política?”
A outra parte do tuíte de Murdoch que não entendo é sua noção de que Ben Carson faria pelos negros algo que Obama não pode ou não vai fazer. Carson não disse nada que sugerisse que ele está defendendo políticas que apoiam essa noção.
Verdade seja dita, não vi nada nas declarações de Carson que prove que ele está pronto para a presidência. Sim, ele é brilhante – como cirurgião. Mas o que o passado tem a ver com política? Como David Axelrod, que comandou a campanha de Obama, afirmou: “Política não é neurocirurgia. É mais difícil”.
O argumento central subjacente na candidatura de Carson é que ele foi um grande cirurgião, logo ele pode ser presidente. Porém qual é a lógica disso? Carson continua falando besteira, provando que não se qualifica para esse trabalho. Ele falou que o Obamacare “é escravidão em certo sentido, porque faz todos nós sermos subservientes ao governo”. Isso é não entender o que é escravidão, governo, Obamacare e o significado de subserviente. Ele disse que “o 11 de Setembro é um incidente isolado”, o que afasta isso de modo bizarro de décadas de luta com extremistas do Oriente Médio. Ele destacou: “Muitas pessoas que vão para a cadeia [entram] héteros e, quando saem, são gays”. Não consigo nem argumentar com isso. É completamente sem sentido.
Recentemente, em resposta a um atentado no Oregon, ele comentou: “Eu provavelmente não cooperaria com ele, eu não ia ficar parado lá e deixá-lo atirar em mim. Eu diria: ‘Ei, todo mundo, ataquem-no! Ele pode atirar em mim, mas não vai pegar todos nós!’.”. Isso se chama culpar as vítimas, e é inacreditavelmente desrespeitoso com todos que estavam lá. Ele está dizendo que, se aquelas pessoas fossem mais corajosas, elas estariam vivas? E que ele teria essa coragem se uma pessoa louca estivesse apontando uma arma para ele? Ele não sabia que um veterano do exército estava lá e tentou atacar o atirador, levando vários tiros? Eu poderia continuar, pois Carson mostrou inúmeras vezes que não entende muitos conceitos necessários para ele poder ser presidente. Como Joan WalshfrisounoNation: “Sobre armas, ele é um neurocirurgião que parece estar realizando a própria lobotomia”. Fico imaginando se ela considerou cortar a primeira parte da frase.
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Tradução: Marina Schnoor