“Tenho quatro familiares que desapareceram desde 1996”, contou-me Jacqueline Orrego, 46, de Antioquia, Colômbia. Enterrados sem luto, sem nome nem orações, sua mãe, padrasto, irmã, primo e amigo, todos desapareceram, supostamente mortos pelo Bloco Noroeste das FARC. Os corpos da mãe, do padrasto e da irmã foram descobertos em agosto de 2007, na vasta propriedade rural de Guillermo Gaviria, pai do atual prefeito de Medellín, Aníbal Gaviria. Jacqueline ainda tem esperança de encontrar os outros dois entes queridos.
“Você fica sempre nessa ansiedade, na esperança de que eles serão encontrados vivos, mesmo que todo mundo diga que estão mortos. É uma agonia, você fica pensando onde eles podem estar e se é que um dia serão achados. Quando você encontra os corpos, finalmente consegue descansar”, contou Jacqueline, cujos familiares foram acusados pelo próprio grupo paramilitar de serem guerrilheiros. Ela garante que são inocentes.
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Esses cinco “desaparecidos” são apenas uma parte minúscula das estatísticas assustadoras da Colômbia. Segundo o Registro Nacional de Desaparecidos (RND), que compila informações de diversas instituições do governo, o número de pessoas desaparecidas no país chega a 85 mil. Gustavo Duque, fiscal especializado da Direção Nacional de Justiça Transicional, afirma que, hoje, a conta pode estar perto dos 96 mil.
Em março de 2014, o Instituto Forense Nacional informou que havia cerca de 68 mil desaparecidos registrados oficialmente, dos quais 20 mil são vítimas de desaparecimento forçado. Dessas, 366 pessoas foram encontradas vivas e 818, mortas, enquanto não há pistas sobre os demais, em torno de 19 mil. O primo de Jacqueline, Franklin, faz parte dessa estatística.
O fato de que 19 mil pessoas ainda estejam desaparecidas levantou questionamentos sobre a metodologia e eficiência dos esforços de busca do governo. “Os corpos dos familiares da Jacqueline foram encontrados através de depoimentos de um comandante paramilitar que indicou a área onde estavam enterrados. As buscas foram feitas num raio de 500 metros, cavando com pás e picaretas. E aí a terra começou a falar”, contou Duque.
Em 2000, entrou em vigor na Colômbia a Lei 589, que proíbe os desaparecimentos forçados e define penas para o crime. A lei também criou a Comissão Nacional de Buscas, agência que apoia e promove a investigação de desaparecimentos forçados. Também existe o já mencionado RND, cuja meta é identificar corpos e rastrear casos de desaparecimentos, assim como o Mecanismo de Busca de Emergência, que procura estimular o judiciário a tomar as medidas necessárias na busca pelos desaparecidos.
Apesar do trabalho desses órgãos, as estatísticas – e a descrição que Duque faz da operação que encontrou os familiares da Jacqueline – são um lembrete de que, em muitos casos, as técnicas do governo são muito básicas, dependentes de informantes e nada precisas.
Encontrar. Encontrar todos. Essa é a missão de Carlos Martín Molina, 48 anos, morador de Bogotá e único geólogo forense do país.
Geologia forense é um termo que abrange uma série de aplicações da metodologia científica geológica na solução de crimes, investigações humanitárias e recuperação de corpos em áreas de desastres – basicamente, é onde a ciência forense e a da terra se encontram. Molina utiliza um radar de penetração no solo, medições geoelétricas e um equipamento de indução eletromagnética que mede a condutividade e suscetibilidade magnética do solo. Tudo isso pode ajudar a apontar para áreas de solo remexido e corpos sob a superfície.
O pesquisador poderia usar esses mesmos métodos para encontrar ouro ou petróleo e ganhar um bom dinheiro. Mas sendo um tipo de Sherlock Holmes moderno, ele trocou o cachimbo por um chapéu vueltiao, o ópio por biscoitos de gergelim e o doutor Watson pela mulher e a mãe, as únicas pessoas que o acompanham em sua investigação. O geólogo dedicou a vida a procurar por aqueles que a violência silenciou. Sua dedicação à tarefa de encontrar corpos em um país que registrou, só no ano passado, 4.539 desaparecimentos (dos quais, suspeita-se, 99% tenham sido forçados), equivale a um voto de pobreza para a vida toda.
“O foco deste trabalho são as vítimas e aqueles que têm familiares desaparecidos, que têm na busca pelos entes queridos um suplício. Ajudar a esclarecer esses casos tem uma grande importância legal também. Pode ajudar a descongestionar a justiça e reduzir os níveis de impunidade”, avalia. A preocupação de Molina com a impunidade não é infundada. Segundo o órgão estatal Justiça e Paz, mais de 20 mil desaparecimentos forçados registrados ao longo de 37 anos resultaram em apenas 35 condenações por “crimes contra a humanidade” – designação da ONU em que esses atos se enquadram. Dos 3.551 guerrilheiros que confessaram esse tipo de crime, apenas cinco foram condenados. “Se você sabe onde estão os corpos, tem que ir achá-los”, afirma Molina.
O interesse do perito de criar uma nova metodologia mais eficiente e utilizar as tecnologias da geologia forense surgiu no início dos anos 2000, quando ele visitou várias regiões da Colômbia em busca de desaparecidos com diversos órgãos oficiais. As expedições, como as que descobriram os familiares de Jacqueline, se baseavam em depoimentos de informantes. Nessas incursões, a única ferramenta de que Molina dispunha era uma estaca de metal que ele enfiava na terra para literalmente tentar sentir as valas ou anomalias no solo. “A barra de metal pode ser eficiente quando a pessoa desapareceu há pouco tempo, mas não é eficiente se um corpo foi enterrado dez ou vinte anos atrás”, explica o geólogo, que voltou dessas missões sem nenhum resultado positivo.
Desde 2006, Molina trabalha ativamente para desenvolver métodos mais modernos para encontrar valas comuns na Colômbia. Seu atual projeto de PhD, desenvolvido pela Universidade Nacional da Colômbia, tem como objetivo promover o uso de técnicas e tecnologias geofísicas para tornar a busca por valas comuns mais eficiente em seu país.
Em uma área de 200 metros quadrados na cidade de Mosquera, perto de Bogotá, Molina criou um laboratório. Desde junho de 2013, ele faz simulações de oito valas comuns no terreno. Em duas delas, enterrou corpos de porcos, animal que tem uma decomposição semelhante à dos seres humanos, e deixou as duas seguintes vazias. O terceiro par de fossas contém dois esqueletos humanos completos, enquanto as últimas duas são lar de ossos danificados e carbonizados, simulando os corpos mutilados e queimados que muitas vezes se encontram nesse tipo de situação.
Para levar em consideração os diferentes tipos de solo e condições climáticas do país, Molina montou um laboratório parecido nas planícies ocidentais da Colômbia. Quando a terra é remexida, como acontece ao se cavar para enterrar corpos, as propriedades físicas do solo se modificam. A condutividade e suscetibilidade magnética, entre outros fatores, são modificadas. Entender e medir essas alterações são os objetivos da minha pesquisa”, explica. “Esta pesquisa é para todo o país e para todos os desaparecidos. Estou disposto a fazer buscas para encontrar qualquer corpo que seja, em qualquer lugar.”
Infelizmente, essa caçada ainda não começou. Por enquanto, o projeto segue na etapa de desenvolvimento, prejudicado pela falta de apoio oficial e financeiro. Ele ainda não conseguiu levar suas teorias e métodos do laboratório para os campos e cidades, onde poderiam ajudar a localizar algumas das 19 mil pessoas que continuam desaparecidas.
Tradução do artigo em inglês: Aline Scátola