Os pixadores tomaram novamente o centro de São Paulo, mas desta vez para protestar

Na última quinta-feira (7), cerca de 150 pessoas se juntaram em frente à Galeria Olido, no centro da cidade de São Paulo, para um ato que pedia justiça no caso dos pixadores Alex Dalla Vecchia Costa (conhecido como ALD, do “Jets”) e Ailton dos Santos (ou Anormal), que foram assassinados pela Polícia Militar em um prédio no dia 31 de julho. E o que nós vimos, essa cidade nunca viu: uma ação encabeçada quase que exclusivamente por adeptos do pixo.

Quatro policiais envolvidos no crime foram presos, mas isso não é o suficiente pra quem estava lá. Emocionada, a galera chorou, clamou por justiça e pediu a desmilitarização da polícia. Tudo isso, segurando velas, faixas, “folhinhas” e entoando diversas vezes que “pixador não é ladrão” e que “pixador não anda armado” – o que pra gente sempre foi óbvio, mas isso não serve pros corneteiros profissionais, cães raivosos de Facebook. Os manifestantes também pediam o fim da repressão e da Polícia Militar: “pela vida e pela paz, militares nunca mais”.

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O trajeto foi curto e pacífico, marchando pelas ruas do Centro por mais ou menos uma hora e retornado ao ponto de partida. O prédio da Secretaria de Segurança Pública foi uma das paradas da manifestação, e todo mundo ali chamou pelo nome e clamou pela presença do secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, que, óbvio, não deveria estar lá e tampouco deu as caras. Antes de partir, pediram um minuto de silêncio e rezaram um “Pai Nosso”. Nessa hora, até o mano mais ateu do rolê se emocionou.

Conversamos com familiares e amigos dos dois pixadores e levamos um caderno, que rodou de mão em mão, para que todo mundo pudesse prestar alguma homenagem com seus rabiscos. Leia trechos das entrevistas e veja as fotos abaixo.

Érica Ferreira, ex-mulher do Alex (loira, à direita)

VICE: O que você achou da passeata?
Érica: Achei legal, mas não vai adiantar, porque é a polícia e ela tem mais força do que nós.

Você está com medo pelos seus filhos?
Eu tenho medo deles [polícia] por causa dos meus filhos.

O que você disse às crianças?
Eles viram na televisão. Meu filho saiu correndo no quintal, chorando. O mais velho se chama Alex, o mesmo nome do pai. Ele não quer ir à escola. Chora, tá triste pra caramba. Eles estão sofrendo pra caralho, só vendo pra você saber. Meu filho tem 5 cinco anos. Ele fica imaginando, porque ele vê desenho e pergunta: “mãe, se eu virar um super-herói, meu pai vai viver de volta?”, é o que ele pensa.

O que você achou de os policiais terem sido presos?
Achei bom, mas tem que prender os policiais que estão faltando, além do zelador e do porteiro. Eles têm que ser presos, eles viram tudo.

SK (assina “Procurados”)

VICE: O que você achou disso tudo?
SK: Eu vou falar o seguinte, vou falar o que aconteceu, agora, nesse momento. A gente quer provar pra todo mundo, pra que eles possam ir em paz, sem a hipótese de que eles eram assaltantes de condomínio: eles eram pixadores. A polícia ainda não tirou a hipótese de tiroteio. A gente quer provar que eles são inocentes, que eles não são ladrões, que eles eram pixadores. Não houve troca de tiro, não houve porra nenhuma. Bala alojada no braço, isso é tudo mentira. A gente só quer provar isso, que ninguém era bandido. Não é justo com a família, com os filhos. Quando os meninos crescerem, vão falar que o pai foi morto pela polícia tachado como assaltante. O moleque era pixador. Um dos maiores da minha geração.

Você acha que a repressão pode piorar?
Acho que não, porque a gente conseguiu um espaço na mídia. Várias mídias apoiaram. Até o Cascão, da Trilha Sonora do Gueto, apoiou a causa. A gente conseguiu mostrar, bater de frente, se não tivesse acontecido o que aconteceu, ia passar batido, como mais um. Isso é coisa que acontece na periferia sempre. Quantos moleques não morrem tachados de delinquentes? Nem sabem o que os caras estavam fazendo. A gente quer justiça, a ideia certa, a realidade. A Polícia Militar de São Paulo é corrupta, mata todo mundo, não tá nem aí, esconde a cara. Sorte que foi o ALD que tava junto, porque ele é um cara muito conhecido e a gente conseguiu mostrar, jogar na mídia. As notícias vão mudando graças à gente que foi às ruas e bateu de frente.

Bruno (assina “Nobru”)

VICE: O que você achou desse caso aí?
Bruno: Acho que o que rolou foi só mais uma que a polícia aprontou. Esse foi só um que apareceu na mídia, mas têm muitos outros que a polícia forja que não mostram no dia a dia. Os caras não respeitam ninguém. Foi uma pilantragem o que fizeram. Armaram o flagrante de roubo, isso só prova como é podre tudo isso.

Esse lance de a polícia atirar em pixador é frequente, acontece sempre?
Em morador atira também, a polícia não pensa. Eu entendo o lado dos moradores: se você vê um cara na sua janela entrando, você não tem como saber se o cara tá pixando ou tá roubando. Mas, no caso deles, não estavam roubando, não tem porque.

Você acha que a repressão da polícia com pixador tá aumentando?
Acho que tá mais severa sim, até porque a Prefeitura cobra também, porque tem muita pixação. Como que as autoridades não tomam posição? Em São Caetano, São Bernardo, tem a lei de que policial que levar pixador pra delegacia ganha um dia de folga, pra você ver o que eles querem.

A maioria dos pixadores anda armado?
Mentira, ninguém anda armado. A gente só sai pra curtir a madrugada, fazer um pixo.

Djan (com boné de aba laranja, à direita, assina “Cripta”)

VICE: Como foi o ato hoje?
Djan: Foi tranquilo, né? Dentro do planejado. A gente queria fazer uma coisa pacífica pra mostrar pra todo mundo que pixador também tem inteligência e sabe a hora certa de protestar.

Vimos que a galera estava muito emocionada. Quão grave ou quão triste isso foi pro mundo da pixação?
Foi um choque pra gente porque estamos acostumados com a repressão violenta da polícia, mas um assassinato assim, dessa forma, é um fato diferente. Chocou todo mundo. O ALD tinha uma expressão no movimento. Ele era um cara muito humilde, muito querido por todos. Isso é um fato inédito na pixação: a gente parar a cidade de uma forma coletiva, sem quebrar nada, sem pixar nada, usando o nosso direito de reivindicação.

A galera ainda é muito reaça e chama pixador de bandido. Você acha que o que aconteceu pode reverter um pouco essa situação pro mundo do pixo?
Acho que já tem uma abertura. É difícil. A opinião da grande massa vai ser sempre a mesma, mas esse tipo de coisa acaba mobilizando uma pequena parte da população que tem uma percepção mais ampla das coisas. Muitas mães de pixadores que não viam bem o movimento ficaram mobilizadas com essa situação. Uma vida perto de uma parede não é nada. Uma vida perto de uma fachada de um prédio não é nada.

Você acha que isso uniu mais os pixadores?
Sim, uniu mais. Nunca teve uma ação coletiva dessas. Foi um momento de união no pixo. Acho que há males que vêm para o bem. Essa tragédia serviu pra unir mais e politizar a galera do pixo.

Vocês estão com medo da polícia agora?
Esperamos que a repercussão na mídia os amedronte um pouco. Queira ou não, hoje em dia a pixação é uma classe que tem uma força, né? Mas a gente fica com medo de represália. Sabemos que se eles tiverem qualquer oportunidade pra atrasar a gente, mesmo não matando, tipo jogar a tinta fora, forjar furto, colocar droga… Estamos sujeitos. Eles podem pegar isso como uma birra e falar “tá bom, não vamos matar mas vamos prender”.

O que acontece quando um pixador é enquadrado?
A gente sabe que vai apanhar. Eles são muito violentos na abordagem. Eles vêm por trás, chutam nosso saco, dão soco. Isso quando não somos pintados. Eles adoram pintar a gente.

Bruno (assina “Mortos”)

VICE: O que você achou desse caso que rolou?
Bruno: Sinceramente, foi um despreparo total da polícia, porque eu não tô entendendo até agora o trabalho que eles estão tendo pra forjar um crime contra pixador. A única coisa que tá na mente de todo mundo aqui é o despreparo da polícia, porque a gente não é ladrão. A gente tá fazendo coisa errada, sabe que é ilícito, beleza. A gente tá sujeito a apanhar e tudo, mas da polícia, sinceramente, não. Ainda mais porque no primeiro momento em que a gente é parado, a gente se revela como pixador pra não ter esse problema, porque chegar desse jeito, atirando, e depois forjar que os meninos são assaltantes, aí não.

Você não acha também que isso foi um prato cheio pra sociedade conservadora, que já odeia os pixadores?
Com certeza. Do nosso ponto de vista, é uma arte, certo? No ponto de vista da sociedade, nossa arte é incompreendida. É o que eles queriam. Só que agora todo mundo, até quem tava lá falando que os meninos eram bandidos, a própria sociedade, está se unindo; até mesmo a minha mãe, olhando e falando: “não, a polícia tá errada, eles eram só pixadores”. Bandido que é bandido corre. Não sei se vocês chegaram a ir ao velório, mas os dedos dos meninos, do Nani e do ALD, estavam pretos de spray.

Apareceram os celulares deles?
Não apareceram. Aqueles que eles estavam tirando foto, não. A gravação que apareceu foi de um mano amigo nosso, que é do Whatsapp, em que eles falam que iam pixar o prédio naquele dia. Foi uma gravação que o nosso amigo levou à Corregedoria e ao DHPP para mostrar pra polícia. De resto, nada apareceu, nem os sprays. A única coisa que apareceu foi um fone que a ex-mulher de um deles identificou que não era deles. E essa arma que estão falando, que até hoje ninguém viu, mas falaram que tinha.

Você não conhece nenhum pixador que anda armado?
Não. A gente já tá pra fazer um negócio errado, se for pra pixar. Lógico que em qualquer meio pode ter bandido, fazer assalto. Só que quando vai pra pixar, não vai ter arma. A única arma que pode aparecer, talvez, é uma chave de fenda, pra furar cadeado, que se enquadra numa arma branca. Mas só, talvez. Com arma de fogo ninguém sai pra pixar.

Faby (assina “Gurias”)

VICE: Você acha que a repressão policial aos pixadores tá maior ultimamente?
Faby: Não só com pixador, mas com qualquer um. Tanto que, pra matar, basta eles quererem. Se você é bandido ou não é, qualquer mínima reação já é motivo pra polícia chegar e tirar sua vida.

Que tipo de enquadro a polícia faz quando pega alguém pixando?
A primeira reação de um pixador, desde o mais zica até quem tá começando hoje, é dizer “é pixação, é pixação”. A polícia bate, esculacha. Mas quando ela joga as latas fora, aí que dá mais medo. Quando vamos à delegacia com as latas na mão, assumimos nosso B.O. e já era. É flagrante. Pior é quando eles jogam as latas fora. Porque daí eles podem forjar qualquer coisa, como fizeram com os parceiros que morreram. Graças a Deus que a mídia comprou e foi atrás pra ver que era só pixação. E mesmo que não fosse. A polícia é paga para proteger e cuidar. Hoje em dia, a polícia pega, mata e depois “ah, tinha troca de tiros”. Mas cadê a arma?

Pixador anda armado?
Jamais. Nossa arma é a tinta. Tanto que, com a internet, um vai avisando pro outro “aí, nego, tô num rolê tal”. Sabe por quê? Pra um ficar ciente de onde o outro está. Onde já se viu? A gente vai estar pixando, totalmente errado, e ainda com arma? Eu sou trabalhadora, eu tenho filho. Todo mundo é trabalhador. Nossa única infração é a pixação.

Fernando Dalla Vecchia (primo do Alex)

VICE: Como ficou sua família?
Fernando: A família não se conforma porque mesmo fazendo justiça, ele (Alex) não vai voltar, nem o Nani, que era amigo dele. A família tá com um sentimento de revolta. Enquanto não prenderem todos os policiais e o zelador, enquanto esses PMs não perderem a farda – porque ele não são próprios pra usar essa farda, pra defender o governo -, a família e os amigos não vão sossegar. A gente vai fazer justiça até o final.

O que você achou de os policiais terem sido presos?
Não vou falar que a gente ficou feliz porque ainda não tem nada certo, né? Eles estão presos temporariamente. A gente quer provar o correto: que eles são assassinos. Eles assassinaram o meu primo e assassinaram o Nani. A gente vai provar isso. Já começou a justiça e agora vamos até o final.

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Do Muro pra Cá: Um Caderno de Pixos