Desde novembro do ano passado, vários conflitos entre facções criminosas e UPPs das zonas Norte e Oeste do Rio vêm chamando a atenção para uma disputada troca de controle no tráfico dos morros. As facções CV (Comando Vermelho) e o TCP (Terceiro Comando Puro) acabaram de estourar uma guerra que já vinha sendo aguardada, dividindo a Vila Kennedy e transformando a comunidade em um cenário de guerra, como mostra esse vídeo filmado por moradores durante um tiroteio que durou mais de duas horas no último fim de semana.
Vídeos e fotos desses conflitos têm surgido cada vez mais na internet, num esforço dos moradores de combater o tráfico por meio de canais de denúncia virtuais. Mas contra todas as lógicas possíveis, internautas supostamente ligados ao tráfico têm compartilhado fotos, ameaças e elogios ao lifestyle traficante por iniciativa própria, para o terror das novinhas e dos investigadores de plantão.
Com a facilidade do compartilhamento e a busca eterna por atenção que permeia as redes sociais, esses perfis, que, muitas vezes, sequer ocultam qualquer informação, têm usado canais como Facebook, Youtube e Whatsapp para ostentar seu poder e ameaçar seus inimigos. Em uma recente matéria da Folha de São Paulo, a rivalidade e a disputa por territórios nos morros da Serrinha e do Cajueiro foram mostradas por meio dos perfis do Lacosta e Dennis da Serrinha, que já estariam sendo investigados pela polícia, com mandados de prisão por envolvimento com o tráfico. O Dennis continua atualizando seu perfil, apesar da denúncia, mas ainda não aceitou minha solicitação de amizade.
Mas esse tipo de exposição não é novidade nos domínios brasileiros. No fim de 2012, um suspeito identificado como Shrek foi preso após ser reconhecido pelas fotos que postava na sua página no Facebook e o Nando Bacalhau, ex-chefe do tráfico no morro do Chapadão, antes de ser preso em São Paulo, aparecia ao lado de seus seguranças exibindo armas, correntes e mulheres, mesmo com uma recompensa de dois mil reais por sua cabeça no site Procurados.org. Não precisei ir muito longe para encontrar os perfis de vários outros procurados do site, como o Marcelo Santos das Dores, ou Menor P, que, de acordo com seu perfil, é empresário na “Traficante de besos”. Atualmente, Marcelo consta como foragido do sistema penitenciário, mas estava tranquilão atualizando o Facebook na quarta-feira, 12 de fevereiro.
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O Capoeira, também procurado, esbanjando sabedoria em uma de suas últimas atualizações.
Observando (e adicionando) vários desses perfis, alguns claramente fake, não pude deixar de notar que além da exibição, eles procuram também um canal para comunicação com outros supostos traficantes e moradores. Com postagens em murais, grupos e páginas no Facebook, é possível ver que eles trocam informações, ameaças e músicas tão naturalmente como quem posta a foto do almoço ou das férias no Instagram. Eles têm sua maneira própria de falar, seus personagens, e querem deixar bem claro quem manda onde. O acesso cada vez maior à internet nas favelas, visto, primeiramente, como uma vitória à integração digital entre essas comunidades mais carentes, agora serve também como uma janela direta e em tempo real da vida dos envolvidos no tráfico dos morros cariocas.
Em muitos dos posts, duas expressões são bastante recorrentes: #tudo2 e #tudo3. Como uma espécie de joinha do mundo do crime, muitos fazem carão e posam com suas armas fazendo o 2 do CV (fazendo o V de vitória com a mão), ou o 3 do TCP (uma espécie de OK, um 3 e um C, ou uma referência ao ânus, sinta-se à vontade para escolher).
Os termos parecem servir para tudo, desde que tudo esteja bem ou que certa área esteja controlada por tal facção, “na V.K. tá tudo 3”; e até para coisas menos ilícitas, como as hashtags que acompanham fotos de comida, um chill no videogame, o pôr do sol, aquela selfie antes de pegar o busão da manhã, etc. A expressão parece ter atravessado o diálogo entre facções e invadido o vocabulário de jovens e usuários, da periferia ou do asfalto, nas redes sociais. Pichações com as expressões também podem ser encontradas pelos muros da zona Norte à Sul do Rio. A página Tudo 2 define a expressão como “tudo em ordem” e a Tudo 3, maior página com esse tipo de conteúdo com mais de 10 mil curtidas, traz outro uso ao 3, para as palavras Todo Certo Prevalece, uma máxima da facção, e outro significante para a sigla TCP.
A página Terra do Bat-Gol publica constantemente conteúdos ligados ao TCP, como homenagens ao Paizão Bat-Gol, ou Matemático, ou Astronauta, ou apenas Batman: o Márcio José Sabino Pereira, um dos principais chefes do TCP na comunidade Senador Camará, morto em 2012 numa das maiores perseguições policiais do Rio. Usuários lembram e lamentam sua morte, e armas personalizadas com o símbolo do Batman e seu nome em papelotes de cocaína reforçam a importância de sua imagem como uma espécie de padrinho para os que lutaram a seu lado e aos que ainda continuam no tráfico.
A bandeira da Coreia simboliza a Favela da Coreia, no Senador Camará, principal área que foi comandada pelo traficante Paizão Bat-Gol.
Outras homenagens a “soldados” mortos ou perdidos em guerra nas favelas aparecem constantemente na forma de vídeos e montagens em vários canais do Youtube e do Soundcloud. A foto recente que mostra 6 jovens executados nas escadarias do morro do Juramento já rodou várias dessas páginas, com comentários dos dois lados: enquanto uns enaltecem a ação dos policiais, outros clamam por vingança.
O administrador da página TodoCertoPrevalece3, usando o nome TTrinta, soltou a letra no Ask.fm há algum tempo.
Às vezes, eles provam que também não são tão egoístas assim e que pensam nos outros: ameaças e avisos a policiais e milicianos para não chegarem perto, assim como a afirmação de que tudo o que eles fazem é para o bem dos moradores, pedindo para que estes não fiquem na rua durante o toque de recolher.
Mas quando o papo é reto e está na hora de mostrar o poder que eles têm, não há cartel mexicano ou jihad que se compare às suas motos:
Para ter jacaré no peito, tem que ter dinheiro no bolso:
Suas joias exclusivas no melhor estilo Illuminati:
Que não tem essa de que lugar de mulher é no tanque:
E por que não uma publicidadezinha levantando a moral do produto e do atendimento? Só lembrando que o crack tá proibido.
Muitos perfis estão desatualizados há bastante tempo, provavelmente, silenciados pelos corredores e vielas das favelas, deixando um legado de fotos e observações sobre o cotidiano do tráfico a ser descoberto pelo primeiro curioso que aparecer. Não é como se eles ligassem muito para quem sejam esses curiosos, uma vez que seu instinto de soldado pronto para a morte e o combate parece ir além dos morros e se manifestar na capacidade de se mostrar numa plataforma tão invasiva como o Facebook, que, como sabemos, mantém um histórico do que você escreve ou deixa de escrever, sua localização e plataforma de acesso, e, em breve, saberá todos os movimentos de seu cursor.