Os Trajes Tradicionais das Camponesas na Alemanha e Alsácia

Marie Meier, Schaumburg.

Os trajes tradicionais praticamente desapareceram da vida cotidiana, mas, até os anos 1950, esse tipo de indumentária era muito comum na Europa. Os trajes típicos serviam como roupa para o dia a dia e também para ocasiões especiais; eles eram duráveis e, portanto, econômicos, mas também eram um símbolo de status na sociedade – pela cor e pelo corte, era possível concluir se uma mulher era casada, quantos anos tinha, de que família ela vinha e se tinha posses.

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Nos anos 1930, o relacionamento da Europa com os trajes tradicionais mudou. Lentamente, as mulheres começaram a usar “roupas da cidade”, inicialmente, contra a vontade de suas comunidades rurais. Por volta dos anos 1950 e 1960, as mulheres que usavam somente roupas tradicionais começaram a se tornar raras. A maioria considerava o costume ultrapassado e fora de moda, mas o amor dessas mulheres pelas roupas elaboradas também demonstrava individualidade e confiança.

Hoje em dia, ainda é possível encontrar mulheres usando trajes tradicionais (ou réplicas baratas deles), especialmente durante a Oktoberfest na Baviera, quando as mulheres enchem as barracas de cerveja espremendo os seios numa versão sexualizada do dirndl, um vestido tradicional local. Infelizmente, esse tipo de coisa mostra de maneira pouco sutil que as pessoas estão mais preocupadas em beber cerveja e se agarrar com estranhos do que com a tradição.

Em 2008, Eric Schütt começou a procurar por mulheres que ainda usavam roupas tradicionais para o projeto fotográfico Burenkleider: Burska Drasta, ou Trajes Tradicionais das Mulheres Camponesas na Alemanha e Alsácia. As mulheres nessas fotos nunca são vistas sem suas roupas tradicionais: elas usam os trajes dentro e fora de casa. Em muitos casos, elas são as últimas em seus vilarejos a usar as roupas em função do propósito original, e os locais as veem como pássaros exóticos e extravagantes. Algumas dessas senhoras já morreram – as fotos do Eric são o último documento desse fenômeno em extinção.

EMMA KRAHL, LUSÁCIA

Ich bin die Jungste und die Letzte” (“Sou a mais jovem e a última”) – foi assim que Emma Krahl me recebeu. Seu sotaque era uma mistura interessante de saxão e eslavo. Apesar de falar pouco sorábio, a senhora Krahl nunca viu problema em usar o traje tradicional das evangélicas sorábias. Muitas mulheres de seu círculo de amizade decidiram usar trajes típicos alemães, mas ela continuou leal ao traje baixo sorábio.

Quando pedi a ela, três anos atrás, para colocar sua roupa de domingo, ela não ficou muito empolgada. Ela estava revirando febrilmente o feno no campo – uma tempestade estava vindo, e o feno tinha que estar preparado para o trator antes de a chuva começar – e lá estava eu, um fotógrafo estranho, pedindo para ver seus trajes tradicionais de festa. Mesmo assim, ela deixou o campo e se trocou rapidamente. Eu a fotografei sentada em sua mesa da cozinha, enquanto ela pensava sobre o feno e a tempestade que se aproximava rapidamente.

SRA. SÜSSMANN, SWALM

Anna Katharina Süssmann vivia numa casa com um quintal enorme e vazio. Na sala de estar, ficava um baú pintado, onde ela guardava as diferentes peças de seu traje tradicional.

“Sou uma swalmiana”, ela disse, mas não estava seguindo o código de cores com muita precisão – quando a visitei, ela estava usando roxo, uma cor que teoricamente só mulheres de 50 e poucos anos podem usar. Ela tinha quase 90 e, portanto, só poderia usar preto – mas quem se importa hoje, quando ninguém mais entende o código de cores dos trajes tradicionais? Na sala, havia uma pintura a óleo da tataravó dela, vestida quase da mesma maneira.

AGNES MÜLLER, LUSÁCIA

Com mais de 80 anos, Agnes Müller era uma das mulheres mais velhas a participar da procissão de Corpus Christi. Essa é uma das maiores festas do cristianismo na área de Lusácia. A hóstia é carregada pelas ruas da cidade num ostensório, enquanto cânticos e rezas acompanham a procissão. Às vezes, mulheres mais jovens também usam roupas tradicionais nesse evento.

Os sorábios católicos vivem suas tradições: a procissão de Corpus Christi atrai muita gente, missas são realizadas a céu aberto e, de vez em quando, até canais de TV cobrem o evento. Eles também pintam seu próprios ovos de Páscoa. A senhora Müller era viúva de um prefeito, então estava acostumada com câmeras; durante a procissão, foi fácil capturar sua imagem sem que ela tivesse que posar para mim. 

MARIA MIRTSCHINK, LUSÁCIA

Os sorábios católicos vivem na Baixa Sorábia, onde sua língua continua viva. Durante o período da RDA, eles eram considerados uma ameaça ao regime por causa de suas crenças; Maria Mirtschink cantou uma música para mim sobre aqueles tempos. Ela tinha mais de 90 anos e até pouco tempo ainda andava de bicicleta. Ela se sentou no jardim como uma rainha, maquiada e com um laço preto no cabelo.

Primeiro, ela perguntou se eu era católico, mas depois deu de ombros com um “tanto faz” – ela sabia que as coisas eram diferentes hoje em dia. Seu pai foi preso no governo de Hitler e sobreviveu ao Terceiro Reich por um fio. A senhora Mirtschink foi uma das últimas mulheres a usar o tradicional véu branco na cabeça nos grandes feriados. 

ANNA SCHÄFER, SCHAUMBURG

Eu e Anna, 89 anos, estávamos num distrito da Baixa Saxônia chamado Schaumburg, conhecido por suas saias vermelhas. O lugar fica perto de Hanover e ainda é governado por um duque. Anna e sua filha trouxeram cada vez mais peças para me mostrar: casacos vermelhos grandes e pesados – para mulheres jovens –, a capa preta que a senhora Schäfer não queria mais usar porque se sentia velha demais para isso e saias de todas as cores – de verdes a douradas e pretas – além de colares de âmbar e golas decoradas.

Fiquei imaginando como as igrejas eram cheias de esplendor naqueles dias, quando todas as mulheres se vestiam assim. Com base nos trajes, era possível não só saber se a mulher era ou não casada, mas também se ela estava de luto por um parente próximo ou distante, se o período de luto seria maior do que seis meses, qual a idade dela e de que região ela vinha. 

ANNA PAWELCZYK, SCHAUMBURG

A sala de Anna Pawelczyk era decorada ao estilo chique dos anos 1950, e ela me ofereceu biscoitos e café antes de começar a contar sua história. Ela era a filha de uma família pobre. O pai dela tinha construído aquela casa há quase 100 anos – a casa antiga era feita de madeira e era muito gelada, mas só uma vez na vida ela tinha usado calça: no final da guerra, quando teve que cavar trincheiras para proteger sua família do inimigo. Ela contou a história de maneira tão gráfica que a filha dela perguntou, rindo, se ela tinha vivido qualquer outra coisa nos seus últimos 91 anos.

A senhora Pawelczyk usava um Punz – um coque não atrás da cabeça, mas na frente, bem em cima da testa. Tradicionalmente, o coque era feito do cabelo longo e trançado das mulheres, mas hoje, as mais velhas usam cabelo artificial. Sua filha usava jeans, suéter e o cabelo comprido. De mãos dadas, elas me deixaram fotografá-las enquanto falavam num dialeto de baixo alemão que eu mal conseguia entender.

MARIE MEIER, SCHAUMBURG

A senhora Meier tinha mais de 90 anos e me recebeu usando uma saia longa e um avental. Quando a visitei pela segunda vez, ela também estava disposta a vestir seus trajes de festa. A senhora Schäfer morreu entre as minhas visitas, e a senhora Pawelczyk ficou de cama, então Marie foi a última mulher da Baixa Saxônia a usar os trajes festivos. O fim do fim.

De modo muito paciente, ela se trocou com a ajuda da filha: ela usava seu Ülkermütze (um véu que ela mesma bordou), uma capa preta, um broche exuberante de prata com seu nome gravado, luvas bordadas com pérolas, magníficas saias coloridas e aventais. Ela se sentou numa cadeira parecida com um trono e me deixou fotografá-la.

Os vestidos tradicionais provavelmente vieram de um desejo de imitar a aristocracia – as camponesas queriam se vestir com a mesma grandiosidade. Mas se esses trajes realmente datam da Renascença, é impossível saber com certeza. Marie estava exausta quando terminou de posar para mim, mas estava feliz. “Nasci aqui, e é aqui que vou morrer”, ela disse, enquanto acenava se despedindo de mim. Ela estava magnífica.

Tradução: Marina Schnoor