Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.
George A. Romero, o celebrado diretor, corroteirista e editor do influente filme de zumbis de 1968 Noite dos Mortos-Vivos, morreu esta semana, segundo uma declaração de seu parceiro de produtora Peter Grunwald, depois de uma “luta breve, mas agressiva contra o câncer de pulmão”. Ele tinha 77 anos e estava com a esposa e a filha quando faleceu.
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Romero era uma lenda do terror, cuja série dos “mortos” contava com seis títulos, o mais recente sendo A Ilha dos Mortos de 2009. Sem seu retrato icônico dos monstros reanimados, os zumbis nunca teriam o impacto que tiveram na mídia de fantasia na TV, filmes e, naturalmente, videogames, que há tempos usam mortos lentos ou rápidos como inimigos básicos em massa, chefes de final de fase e, às vezes, algo mais perturbador.
O próprio Romero reconheceu o papel que os videogames tiveram em popularizar os mortos-vivos. Falando para o Telegraph em 2013, ele disse: “Acho que a popularidade da criatura veio dos videogames, não do cinema. Zumbilândia [de 2009] foi o primeiro filme a atingir a faixa dos $100 milhões nas bilheterias, e assim Hollywood se interessou. O remake [de 2004] Madrugada dos Mortos fez cerca de $75 milhões… Mas dezenas de videogames populares tiveram um impacto bem maior”.
Sem dúvida, nenhum mais que o clássico de sobrevivência de terror da Capcom Resident Evil (1996) – e você simplesmente não pode escrever uma matéria sobre os maiores jogos de zumbis sem falar do “zumbi que se vira”, o primeiro encontro com os monstros na apavorante Mansão Spencer. Na época, topar com esse zumbi garantia um belo cagaço. Não era como se os jogadores nunca tivessem visto zumbis vindo em direção de seus avatares – eu mesmo morri várias vezes com os mortos malditos de outro jogo da Capcom, Ghosts ‘n Goblins, antes de ver Resident Evil pela primeira vez. Mas isso era outra coisa.
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Aquela cena, vista da perspectiva de Jill (ou Chris). Ouvir aquele barulho, depois de virar às cegas por um corredor, era um prenúncio de alguma merda séria. Uma figura, claramente humanoide, agachada sobre… alguma coisa. Um tapete velho, sim – mas obviamente não é isso que está sendo atacado, o som nesse momento é tão vital quanto o que vem depois, alguma coisa ensopada de sangue se rasgando, levando a uma mudança de foco. Um olhar sob o ombro – olhos mortos, agora famintos por carne fresca.
Ainda lembro da cena vividamente. Foi no final de 1996. Eu estava voltando para casa à noite, depois de comprar discos no centro – este aqui em particular (então, toda vez que escuto, lembro de Resident Evil). Eu estava com um colega de escola e decidimos passar na casa de outro amigo. Ele tinha um PlayStation – pouca gente tinha o console naquela época, por causa do preço – e sabíamos que ele tinha comprado um jogo novo. E foi isso. Nós três sentados no chão do quarto dele, passando o controle entre nós – não assustados, mas ansiosos pelo que nos esperava. Aí chegamos Naquela Cena, Naquele Zumbi.
Acima: a cena original do “zumbi que se vira” do ‘Resident Evil’ de 1996.
O “zumbi que se vira” ainda tem poder – é só colocar a versão remasterizada de 2015, ou a versão em HD de 2002 do GameCube original, para sentir o calafrio. O som é mais distinto, te cutucando pelos lados antes de você ver o rosto. Você está num espaço apertado, com munição limitada, às vezes até sem munição. Essa coisa está avançando na sua direção, com os braços estendidos, te obrigando a recuar pelo caminho de onde veio – um corredor estreito, sem escapatória fora a porta por onde você acabou de entrar. Lutar, ou “foda-se essa merda” e fugir? Não é vergonha nenhuma optar pela última. (E felizmente, parece que zumbis não manjam muito de maçanetas.)
A impressão deixada pelo primeiro zumbi de Resident Evil foi tão forte, que tudo que seguiu pelo mesmo caminho – e são muitos, muitos jogos – não conseguiu ter o mesmo impacto. Há encontros com mais de um ao mesmo tempo, situações que te forçam a se esquivar de braços esticados, ansiosos para agarrar suas roupas e te puxar para eles. Mas nada “supera” aquele ponto inicial, a revelação repugnante, e em se tratando do retrato de zumbis lentos nos videogames, não consigo pensar em nenhum tão chocante quanto os da série Resident Evil.
Mesmo o jogo menos explicitamente de terror da série, Resident Evil 4, pode causar um pânico, quando Leon está cercado pelas massas infectadas-porém-não-mortas de Las Plagas, obrigando o jogador a ter a mesma resposta de lutar ou fugir. Já os significativamente mais humanos j’avos, que aparecem em Resident Evil 6, têm seu charme, se é que rola usar essa palavra. Eles não são os zumbis tradicionais que andam se arrastando e podem até te dar um tiro de fuzil na cara; mas sua capacidade de regeneração e propensão a mutações horríveis os tornam inimigos temíveis.
Pensando mais amplamente, por todo o espectro dos videogames, são os zumbis que fazem algo diferente de andar por aí com sua cabeça pobre por cima dos ombros ossudos, entre as massas de inimigos, ali só para dar pontos ou simplesmente para matar por diversão, que são mais dignos de nota. Então, as hordas da série Dead Rising não me emocionam muito, assim como o modo zumbi de qualquer Call of Duty.
Há momentos em The Walking Dead, a série seminal da Telltale, que ficaram na minha cabeça – o protagonista Lee encontrando o irmão e tendo que engolir sua resposta mais natural antes de fazer o que precisa ser feito, é uma cena poderosa. Os zumbis no jogo são como uma maré alta – você corre, se esconde, mas eles sempre te alcançam.
Os muitos e variados zumbis de Left 4 Dead e sua sequência geralmente se encaixam em esteriótipos, mas se você nunca tomou um baita susto com uma zumbi do tipo witch, você provavelmente é um jogador com muito mais culhões que eu. Os gritos dessas coisas são de arrepiar a espinha. E falando um pouco mais do jogo de tiro de sobrevivência da Valve, sem seus seus mortos-vivos perdidos, tropeçando pelo caminho como os monstros dos primeiros filmes de Romero, o jogo não seria nem de longe tão emocionante. A velocidade dessas coisas, e o volume, é o que te mantém ligado.
É com a velocidade e o caráter letal de outro grande jogo de zumbis (de um certo tipo, já que o termo se tornou incrivelmente amplo) que vou terminar esse texto.
Os clickers, porra, os cretinos dos clickers. Quantas vezes tive que desviar os olhos da tela em The Last of Us por causa desses putos? (Muitas, não é um jogo fácil, beleza?). Os mais fortes dos infectados do jogo – vamos deixar de lado os horríveis, mas felizmente raros, bloaters aqui – os clickers geralmente significam morte instantânea quando chegam perto da jugular do Joel. (Ou pior, da Ellie – as piores mortes.) O ataque, tão rápido e selvagem, é coroado pelo excelente design de som do jogo – aqueles guinchos, não sei exatamente o que faz aquele barulho, mas nunca quero ouvir isso na vida real.
Não sei se concordo totalmente com Romero de que os videogames fizeram mais que os filmes para cimentar os zumbis na ficção de fantasia – mas novamente, se alguém estava em posição de dizer isso, era ele. Mas sei que nenhuma cena de videogame até agora me fez arrepiar como ver a Karen da Noite dos Mortos-Vivos comer o pai antes de assassinar a mãe, ou a revelação do bebê em Madrugada dos Mortos de 2004. E assistir essa última cena agora no YouTube? Não, não mesmo. Já deu de zumbis por hoje. E pensar que teve gente que riu naquela cena? Doentes.
Tradução: Marina Schnoor.