Nenhum ritmo latino é muito estranho para o DJ e produtor novaiorquino de 27 anos Marco Gomez, conhecido como False Witness. Junto com seu mentor Rizzla e outros produtores como Battyjack e a texana Kilbourne, ele faz parte do que eles chamam de #KUNQ, um coletivo de músicos e artistas que propagam os lados mais agressivos e políticos da club music de ascendência latina. Reggaton, funk, dembow e hip-hop unem-se a synths de trance e hardstyle ou ao 4×4 sutil do house e techno experimental. São misturas que surgem do comprometimento político de abraçar todas as raças, gêneros e nacionalidades sob um mesmo teto numa mesma noite, então por que não transformar um hit do MC em uma espécie de dembow hardstyle?
E foi exatamente isso que ele fez com a faixa “Bololo Haha”, do MC Bin Laden, que ele acaba de disponibilizar [inclusive o download] junto com um vídeo que feito por ele mesmo para o remix. “Não tentei criar um vídeo novo, apenas tentei utilizar o seu material original para refletir as influências que usei no meu remix: 90’s techno, motos, dembow e uma viagem de cogumelos”, nos conta durante um papo pela internet.
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Em agosto, ele toca nas disputadas tardes do MoMa PS1 em NY, onde se apresentará ao lado do Kingdom (Fade to Mind), Murlo e a cantora Dawn Richard, mas por enquanto planeja uma viagem à República Dominicana, país onde o preconceito chegou a um nível absurdo a ponto de provocar a caça à residentes de ascendência haitiana. “Quero ver de perto tudo o que está acontecendo por lá”. Na conversa abaixo, o produtor nos conta mais sobre a cena de NY e seus planos.
THUMP: Quando e como você começou a produzir?
Marco: Eu sempre fui obcecado por música, comecei a tocar mesmo só para mostrar novas músicas e estilos para os meus amigos, que só ouviam reggaton e hip-hop. A produção veio depois: eu ouvi essa faixa chamada “Holy Mountain”, do Talk, que foi lançado pela Nightshifters por volta de 2010. Acho que foi nessa época que eu pensei “Ok, preciso começar a produzir as minhas próprias faixas AGORA”. Foi um álbum muito inspirador. Eu não tinha muito dinheiro então demorei alguns anos para aprender [a tocar], usando o tempo que tinha entre as aulas da universidade. Foi só depois da graduação que eu passei a dedicar 100% do meu tempo a produção.
E o que “False Witness” significa? Por que esse nome?
O significado é um tanto sombrio. Meus pais eram bastante religiosos, e eu lembro de uma vez quando minha mãe falou que “os homossexuais são falsas testemunhas (mentirosos) que estão levando as pessoas para longe da palavra do Senhor”. Até hoje não sei por que isso ficou na minha cabeça; talvez porque eu já fosse gay mas ainda não soubesse. Então quando eu finalmente me revelei para eles, foi um problema imenso. Eu vou pular os detalhes tristes do que aconteceu e ir direto para 2010, de novo. Eu estava indo para essa festa chamada HEARTHROB (feita por uma galera que incluia tambem o @LILINTERNET) e estava rasgando páginas da Bíblia para usar numa roupa que eu estava fazendo. Uma das páginas continha as palavras “falsa testemunha”, então encarei isso como um sinal e adotei o nome. Coisa de destino.
O que mais você conhece sobre funk ou música brasileira no geral?
Não lembro de uma boa noite que não tenha tocado funk em algum momento. O ritmo do tamborzão é tão familiar para mim como as baterias do reggaton e do dancehall. As raízes são definitivamente africanas, mas sua execução, especialmente nas faixas mais recentes, parecem muito mais ambiciosas e futuristas. Apesar de falar pouco, acho o português uma língua maravilhosa de se ouvir e falar. No momento, estou apaixonado pela energia do novo proibidão. Meu amigo e mentor Rizzla foi quem me mostrou artistas como MC Brinquedo, MC Pikachu, MC Bin Laden e MC Pedrinho, e eu tenho ouvido sem parar. Sei que é inapropriado para crianças ouvir o que eles estão falando, mas é a realidade. Isso fala muito comigo. Esses caras estão fazendo músicas incríveis sobre coisas que eu, uma vez quando criança, só teria coragem de falar em segredo aos amigos mais próximos.
Quem faz parte do coletivo #KUNQ, e o que significa? Existe algum ritmo ou gênero que define esse som?
O KUNQ é composto de Rizzla, Battyjack, Micah Domingo, Kilbourne, Yulan Grant aka SHYBOI, STUD1NT e eu. Todos somos artistas em diversas plataformas e estilos, mas também somos todos DJs. Estamos espalhados por todo o EUA, mas a maior parte está ao redor de Nova York. Nós tocamos de tudo, depende do público e de como nos sentimos na hora. Música caribenha, hard house, hip-hop, hardstyle, nossos próprios edits e originais, o que acharmos funcional para aquele momento. Mas sempre tem um viés agressivo no que tocamos.
Acho que seu último release foi o EP Makina pela Lit City, certo? Você está trabalhando em outra coisa no momento?
Eu tenho muitos projetos pra finalizar ainda, tanto artísticos como musicais. Vou ficar longe de Nova York por algumas semanas para ir à Republica Dominicana, onde parte da minha família vive. Quero ir para aprender, criar e gravar algumas coisas. A atmosfera da ilha está politicamente tensa nesse momento, então não vai ser nada como férias. As ações do governo contra a população haitiana é revoltante — dominicanos de ascendência haitiana estão sendo vitimados. Quero presenciar de perto tudo o que está acontecendo por lá.
E me fala sobre o remix… por que o Bin Laden? Quem editou o video?
Essa faixa é incrível. Bin Laden é incrível. A faixa é muito legal, e a estética de todo mundo no vídeo é muito boa. Não sei de que outra forma poderia descrever. Eu fiz algumas outras versões para eu mesmo tocar e acabei gostando muito dessa, então decidi compartilhar no Youtube. O Soundcloud tem se tornado um beco sem saída para músicas baseadas em samples, acho que no momento o Youtube é a plataforma mais democrática. Eu mesmo editei o video com iMovie porque o Premiere estava demorando demais para renderizar tudo. Não tentei fazer um video novo, só queria usar o material original para refletir as influências que usei no meu remix: 90’s techno, motos, dembow e cogumelos.
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