Missiles at Wedding e Iridescent são os produtores paulistas Marcus Vinicius e Victor Lucindo, respectivamente. Entre melodias tortas e sons hipnóticos que passeiam por um cenário industrial e abstrato, o experimental dos dois produtores muitas vezes se cruzam, mas ainda mantendo a inspiração que guia cada um. A sintonia entre os dois é tão forte, que quando recentemente descobriram que algumas músicas finalizadas soavam bem juntas, eles decidiram fazer um EP conjunto, o Rove and Clear, que saiu pelo selo paulistano Step In Recordings.
O destino que cruza os dois não para por aí: os dois já se apresentaram ao lado do coletivo Metanol.fm na Virada Culturalde 2014 e apareceram na quarta coletânea Hy Brazil. Agora, lançamos duas faixas inéditas dos dois que exploram o lado drone e fatigado de suas produções soturnas. Também conversamos um pouco com os caras pra saber como eles se conheceram, como trabalham juntos e o que acham da cena experimental que vem ganhando cada vez mais gás aqui no Brasil.
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THUMP: Há quanto tempo vocês fazem ou trabalham com música?
Victor Lucindo: Toco guitarra (mal) desde os 13 anos de idade, mas me envolvi com esse lado de produção lá por 2005, quando perdi a paciência de tentar ter uma banda e percebi que produzir sozinho me dava muito mais satisfação. Estou com 28 agora.
Marcus Vinicius: Faço música no computador desde os 13 anos, quando comecei a mexer no Fruity Loops. Fazia uns industrial loucos tentando copiar o que ouvia na época, que eram projetos alemães tipo :wumpscut:. Hoje estou com 27, então isso dá quase 15 anos.
Vocês se conheceram através desses projetos, ou antes?
Victor: A gente se conhece do primeiro ano de faculdade de jornalismo e sempre tivemos um interesse em comum por música. Sempre teve essa vontade de fazermos algo juntos, e agora rolou.
Algumas tags que vocês usam pra sua música é “drone music”. De onde surgiu essa fascinação por drones?
Victor: Acho que é simplesmente um gosto estético. Drones podem ser ao mesmo tempo elementos melódicos, harmônicos e de ambiente, e quando são efetivos, me tocam muito. Um drone pegajoso com um beat 4/4 é um vício pra mim. Gosto de como eles são usados pra tornar a música um lugar e não tanto uma narrativa.
Recentemente vocês apareceram na edição experimental da Hy Brazil e se apresentaram ao lado do coletivo Metanol.fm na Virada Cultural, dois expoentes que vem mostrando muitos trabalhos experimentais na cena brasileira. O que acham da cena que está surgindo, como ela está surgindo, e que outros picos vocês acompanham e têm vontade de se apresentar?
Victor: Tenho sentimentos ambíguos a respeito desse conceito de cena. Por um lado tem um monte de artistas, selos e festas interessantes aparecendo e se consolidando, e isso é saudável e verdadeiramente empolgante. Tem muito artista fazendo coisas que não perdem em nada pro que se faz lá fora. Por outro lado, às vezes parece que vaidade e clubismo mandam mais do que deveriam e pra mim é um contrassenso enorme, porque uma cena cada vez mais forte só pode ser uma coisa boa pra quem está envolvido. Sou, por natureza, uma pessoa introvertida, então prefiro me focar no lado positivo de conhecer artistas que admiro e aprender com eles do que gastar energia com esse outro aspecto. Embora eu seja bem caseiro, sou muito fã do prédio da Trackers e da festa Voodoohop, seria uma satisfação tocar nesses picos. Tem uns lugares no Rio que parecem bem legais também como a Comuna e Audio Rebel. Fazer a festa de lançamento da Step In foi uma experiência super positiva, sou partidário da gente fazer isso mais vezes. E até mesmo por inclinação política, eu acho festas de rua sensacionais.
Marcus: Cara, tenho sentimentos meio paradoxais em relação a isso de cena. Por um lado, é extremamente positivo. O pessoal da Metanol e o Chico Dub da Hy Brazil nos deram oportunidades incríveis de mostrar o nosso som para mais pessoas, que é, em última análise, o que nos movimenta. Espalhar a música é o que importa. Mas, por outro lado, não sou exatamente a pessoa mais social do mundo… Gosto mesmo de produzir meus sons, ir às festas que eu tiver afim, e não me sentir obrigado a bater ponto em todo lugar só para fazer contatos ou ficar bem na fita com “a cena”. Sabe? Quando fizemos o lançamento do nosso EP, não esperava que alguém fosse só para nos apoiar ou “fortalecer a cena”, e sim porque estava com vontade de sair aquela noite e se divertir. É mais simples do que parece. Aqui em São Paulo acho muito legal o trabalho do pessoal da Voodoohop, e tocar em alguma das festas deles seria um prazer.
Eu li que o Marcus já escreveu sobre música eletrônica. Onde? E de que forma isso ajudou na sua formação musical, ou para chegar ao som que você faz hoje?
Marcus: Eu trabalhei no extinto rraurl, no QG ali de Pinheiros, por uns dois anos. Foi uma das épocas mais legais, e eu basicamente ouvia música o dia inteiro. Foi ali que eu conheci muitos dos artistas que me influenciam pesadamente hoje, tipo Modeselektor, o pessoal da BPitch Control, Kompakt, etc etc. Rolava aquela transição do minimal techno para o electro pesadão da Ed Banger, toda aquela cena francesa… E para escrever sobre aquilo rolava uma imersão enorme no som, nos artistas, o que sem dúvidas me marcou mais do que se eu tivesse acompanhado de outra forma. Nunca mais escrevi sobre o assunto com a mesma intensidade daquela época.
Que software/hardware vocês usam pra fazer as músicas?
Victor: Uso o Ableton faz um bom tempo já, é onde me sinto confortável. Gosto dos synths e efeitos do Reaktor, mas não programo nele. Não tenho muita vergonha de usar presets como ponto de partida. Procuro um que se aproxime do tenho em mente e o modifico até ficar como quero. Uso também bastante sampling do meu próprio material, é uma boa maneira de me afastar o máximo possível dos sons de fábrica com que inicio as coisas. Controlo o Ableton com um Push e uma BCR 2000, mas também faço bastante coisa só com o mouse, depende do objetivo final. Tenho sentido vontade de usar mais hardware, mas ainda estou estudando como fazer isso.
Marcus: Eu produzo no Ableton Live com um teclado controlador MIDI e tenho tentado usar o touchAble para iPad como uma Launchpad virtual, mas desde que fiz o upgrade pro Live 9 ela parou de funcionar hehe. Gosto do Live porque qualquer jam de 10 minutos te dá material para continuar a trabalhar no som mais tarde. É tudo muito fluido, facilita o processo de transmitir o som da cabeça pro computador. Basicamente faço as melodias no teclado e depois vou esculpindo tudo no Live. Nas apresentações ao vivo tenho usado o Push do Victor emprestado, mas vou dar um jeito nisso.
O EP Leave No Trace do Iridescent é construído em cima desse conceito budista de se desapegar do ego e dos resultados, e “esquecer” de si mesmo durante o processo. Isso reflete a forma pela qual você fez as músicas? Como foi o processo de fazer uma música? Quanto tempo mais ou menos levou para fazer as faixas?
Victor: Esse conceito definiu aquele EP, mas não necessariamente outros projetos. Na época, eu estava fazendo uma série de outras tracks mais puxadas pro techno e estava sendo um processo árduo. As faixas que saíram no Leave No Trace eram justamente as que eu usava como exercício. Não pensava em conceitos nem resultados finais pra elas, eram simplesmente um meio onde eu canalizei ideias e acabou rolando uma coisa meio first thought, best thought. Simplesmente identifiquei que essas faixas eram as que eu fiz mais inconscientemente e que acabaram soando muito mais naturais.
Hoje eu trabalho de maneiras diferentes. Algumas vezes com uma sonoridade em mente, outras construindo em cima de rascunhos que eu gosto. É sempre um exercício de pintar uma paisagem sonora de maneira criativa, porém coerente, e existem diversos meios pra isso. Fiz um EP em que eu só podia usar um mesmo kit de bateria e um patch de baixo pra todas as faixas, e cada uma delas só podia ter um synth e um sample. Trabalhar com restrições criativas foi bem divertido, me ajudou a passar mais tempo produzindo e menos escolhendo elementos.
Que outros projetos vocês estão envolvidos atualmente?
Victor: Tenho me focado só no Iridescent. Os planos são continuar tocando ao vivo no maior número de lugares possíveis e refinar o set. Tem esse EP que eu falei anteriormente, o Obsidiana, que eu ainda não sei como nem quando vai sair, mas espero que seja esse ano ainda. E tem um outro disco que estou começando agora, mas sobre esse projeto eu ainda não posso revelar muita coisa.
Marcus: Estou conversando com um selo inglês que se interessou pelas minhas músicas e produzindo mais material inédito. Tenho mais uma track não lançada e outras rolando.
Em maio vocês lançaram o split EP Rove and Clear pela Step in Recordings. Como surgiu a ideia de compartilhar o release?
Marcus: Como o Victor disse, nós sempre quisemos fazer algo juntos, desde que nos conhecemos na faculdade. Aí calhou de terminarmos duas tracks inéditas quase ao mesmo tempo e que compartilhavam algo na sonoridade. Aí surgiu essa ideia de dividir um EP. Foi a realização de um projeto antigo.
Como pintou a oportunidade de lançar pela Step In?
Marcus: No começo não pensamos em lançar por algum selo, mas acontece que o primeiro EP do Iridescent saiu pela Step In Recordings, e quando mostramos o disco pro Fred Floeter, que é o fundador do label, ele curtiu muito e nos convidou a fazer o lançamento pela Step In. Ficamos bem felizes com a ideia e topamos.
Vocês fizeram os sons especialmente para o EP ou eles já existiam antes?
Marcus: Não fizemos as músicas pensando que iriam pra um EP específico, porque o processo foi mais gradual que isso. Mas elas saíram na mesma época, uma seguida da outra, e acho que isso acabou dando essa unidade que se espera de um EP.
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