Música

Ouça o Incrível Batidão Lusófono do DJ Nigga Fox, Lançado pela Príncipe Discos de Lisboa

Foto por Diogo Simor.

Até alguns anos atrás, achar novas músicas lusófonas envolvia fuçar fóruns e redes sociais portuguesas em busca de downloads gratuitos. Minhas pastas de música eletrônica de colônias africanas que pertenceram a Portugal, e dos subúrbios de Lisboa, onde vários imigrantes desses países atualmente vivem, estão cheias de 90-seconds e faixas de baixa qualidade ripadas do Soundcloud.

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São gigabytes de estridentes faixas de cuícas feitas no Fruit Loops pela molecada que usa a palavra fox [raposa] nos seus nomes de DJ. Enquanto provavelmente não deixarei de procurar faixas que ainda estão quentes nos hard drives desses DJs, selos como o lisboeta Principe Discos estão finalmente dando para os meus DJs favoritos o crédito e lançamento internacional que eles merecem. O novo lançamento do Principe é do DJ Nigga Fox, nascido em Angola e radicado em Lisboa, cujo nome você pode esperar ver muito mais por aí, ainda que se sinta um pouco estranho de falar em voz alta.

Voltando um pouquinho: o house explodiu nos centros urbanos da África no final dos anos 80 e, como o kwaito de áreas urbanas de Johannesburgo, os luandenses emprestaram os sons de Chicago e da Europa, combinando com os ritmos que cresceram ouvindo, especialmente o semba. A música eletrônica angolana evoluiu para uma forma de house tribal doidásso, usualmente amarrado com vocais de MCs fazendo um rap sobre frustrações políticas – ou às vezes apenas sobre chacoalhar muito o bumbum. Essa corrente em particular acabou sendo conhecida como kuduro, marcado pelo street dance aceleradas que acompanha o som.

Enquanto o kuduro é o mais conhecido- e talvez o mais importante- dessas novas formas de música angolana, ainda é apenas uma peça do quebra-cabeça. Kizomba e tarraxihna (que costumam ser encurtadas para tarraxo or tarraxa), estilos lentos e sexys similares com o caribenho-francês zouk, costumam ser feitos pelos mesmos produtores das batidas mais agressivas.

Em algum lugar no meio desse espectro está uma nova forma de afro house lusófono, uma forma etérea, mid-tempo de um 4/4 bate estaca polirrítmico que se popularizou nos últimos anos. Funana, a música rápida comandada por acordeões, especificamente das ilhas do Cabo Verde, também vale a pena ser conferida. Você pode encontrar muitos desses gêneros em uma página de um único artista no Soundcloud, ou no curso de um novo lançamento, como é o caso do novo EP do Nigga Fox pelo selo Principe.

Iniciado por dois ex-atendentes da loja de discos Flur e dois fundadores da organização cultural independente Filho Único, a intenção do Principe Discos era possibilitar que as vozes de artistas locais de música eletrônica fossem ouvidas. “Nós sentimos que era absolutamente necessário ter um escape para os mais criativos, os pensadores livres e para os poderosos beats feitos na Grande Lisboa. Tem muita música boa que foi abandonada de diversas maneiras”, diz Pedro Gomes, um dos fundadores. Depois de serem expostos a sons como o kuduro e outras músicas feitas por imigrantes das antigas colônias portuguesas em 2007, Gomes e seus colegas perceberam que uma voz importante não estava sendo ouvida no mundo da música eletrônica. “Nós imediatamente começamos a trabalhar com alguns artistas que vivem fora do centro de Lisboa, nos subúrbios e conjuntos habitacionais e ficamos de queixo caído com o que vimos. E nada repercutia na Portugal caucasiana.”

O selo estreiou com o excelente EP Eu Sei Quem Sou do rei do kuduro DJ Marfox em 2011, lançado digitalmente e também em uma bela edição limitada em 12″ com capas individuais pintadas a mão. Como alguém que está acostumado com uma porrada de clipes não-oficiais e downloads gratuitos, é emocionante ver a música ser apresentada com tanto cuidado e atenção aos detalhes.

O DJ Nigga Fox chegou até o Principe através de Marfox, um antigo colega da época do colegial, que ficou impressionado com suas faixas e enviou-as junto com as suas para o selo. Enquanto as primeiras faixas que encontrei do Nigga Fox em sites portugueses de música eram na sua maioria claramente kuduro, o seu EP de estreia domina a gama de sons experimentais angolanos. Por um lado, é um álbum espectral de afro house com melodias que riem de você enquanto a bateria te joga pelas paredes (confira a faixa “Weed”).  Do outro, é o maior broken acid house que eu já ouvi fora de Chicago (confira “Power”). A brisa é estranha, mas inacreditavelmente positiva para pistas de dança. “Ele é um produtor incrivelmente intuitivo e tem uma maneira muito bonita e ritualística de operar suas faixas”, diz Gomes, falando orgulhosamente de seu envolvimento no álbum. “Eu tenho uma pequena intuição que ele não ouviu os trabalhos de Schönberg ou Bernard Hermann para o Hitchcock, mas suas cordas e acordeões digitais soam modernistas. A tensão entre a tonalidade e a atonalidade é ridícula, assim como é sua noção do balanço polirrítmico. Te deixa de queixo caído.”

Além de “Só Nós 2”, o tarraxo excêntrico que finaliza o álbum, a maioria do “O Meu Estilo” situa-se em algum lugar em torno dos 130 BPM, um tantinho mais lento que o kuduro. Mas classificá-lo dentro do estilo afro house, no entanto, seria limitá-lo. O som tem um fogo ancestral lento demais para ser o primeiro e um muita obscuridade para ser o último. Nigga Fox esculpiu portais entre esses dois reinos existentes com seu próprio som psicotrópico.

Esses sintetizadores peculiares e síncopes agressivas não são muito bem-vindas nas casas noturnas mais cosmopolitas da cidade, um problema que os fundadores do Principe e os artistas das gravadoras querem consertar. “Hoje em dia, mais e mais jovens brancos e negros dançam juntos, embora com muitas coisas maravilhosas, está sendo um processo gradativo e diplomático para os casos mais tímidos”, diz Pedro. Uma vez por mês, você pode encontrar Fox e sua família Principe no Musicbox, uma casa noturna de tamanho médio em Lisboa que costuma deixar suas portas abertas até as sete horas da manhã. Aqui, DJs locais são esperados para tocarem suas próprias produções, ao invés de inundar o público com músicas africanas aprovadas pelo mainstream ou hip-hop americano.

Penso bastante sobre o porquê desse tipo de música ser geralmente  amontoado no temida tag world music, e como isso afeta seu lugar dentro da espírito das casas noturnas. Gomes espera que os artistas que trabalham com ele sejam celebrados pela suas próprias personalidades ao invés da pecha de exótico. “O artistas com quem trabalho são todos indivíduos diferentes”, conta. “Tenho certeza que as recepções serão tão diversas quanto eles.” A galera do Principe Discos está no meio de estabelecer um precedente importante em como trazer música assim para um público mais abrangente, e espero que os outros selos de world music anotem algumas dicas. “Nós queríamos ter certeza que oferecemos um contexto e estrutura para esses incríveis produtores e DJs se dedicarem nesse trabalho, porque isso não estava acontecendo antes”, diz Gomes. “A música feita nessas vizinhanças não saíam de lá. Nós sentimos que podíamos contribuir em mudar isso gradativamente e de uma maneira mais sustentável.”

Com uma combinação de um talento como Nigga Fox e a dedicação de seus artistas, a família Principe está solidificada. Espera-se que mais dessa música saia dos cantos escondidos das redes sociais e faça seu caminho para o destaque internacional.

Dave Quam é DJ, escritor e fotografo, também conhecido como Massacooramaan. –@Massacooramaan