Um olhar sobre o brega eletrônico atual do Pará
Foto: Rodrigo Correia/VICE

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Radiografia Urbana

Um olhar sobre o brega eletrônico atual do Pará

Nomes como Os Reis do Eletro e Fruto Sensual revigoram o criativo cenário melody do norte do país.

Este conteúdo é um oferecimento Natura Musical.

Foi estudando outros ritmos, além do tradicional dance-pop dos anos 1980, para misturar com o tecnobrega, que os DJs Waldo Squash e Joe Benassi criaram uma nova vertente: o eletromelody. Trilha sonora das festas de aparelhagem no Pará, o gênero estourou no começo dos anos 2000 mesclando riffs acelerados de guitarra da música brega tradicional com bases eletrônicas. Em meados dos anos 90, Tonny Brasil foi o primeiro a fazer isso com uma música chamada "Lana", cantada em inglês, e também numa série de parcerias com a cantora Anna Di Oliveira, como "Mônica", "O Telefone" e "Zouk do Vascão".

"Esse nome de tecnobrega foi dado por Rosenildo Franco, que na época era colunista do jornal A Província do Pará", revela Tonny. Ele tem mais de duas mil composições, sendo mais de 700 gravadas por nomes como Banda Calypso, Wanderley Andrade e Gaby Amarantos. "Com a popularização da tecnologia, dava pra gravar em qualquer lugar. Um teclado bem programado faz uma festa da pesada", diz Tonny, que garante: "'Lana' foi a primeira música feita inteira só com instrumentos eletrônicos, principalmente teclado. Comprei um computador sem nem saber usar. Descobri sozinho combinando equipamentos antigos e novos."

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O eletromelody, assim como o tecnomelody, é um subprodutos disso, surgido por volta de 2008, com a introdução dos bumbos do electro e do tech-house europeu. Assim como Tonny Brasil fez com o brega tradicional, os produtores/bandas de tecno e eletromelody buscam fazer com o tecnobrega: reinventá-lo constantemente. "As produções atuais estão nascendo com uma variação entre 85 a 95, quando lentas, e 170 a 190 bpms, quando mais aceleradas", descreve o DJ Waldo Squash, questionado pela VICE sobre como reconhecer um típico eletromelody. Mas ele observa que vários DJs têm a mania de botar som nas festas subindo o pitch para 220 bpms. "Fica muito rápido", comenta, "não dá mais pra dançar." "O primeiro DVD do projeto Terruá Pará mostra o show da Gaby Amarantos com o DJ Iran já bem acelerado", diz o ex-radialista que hoje se dedica à produção de artistas, bandas e faixas para equipes de som.

DJ Waldo Squash, da Gang do Eletro e Os Reis do Eletro. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Quem não saca de bpms, é só se ligar nas produças do DJ e produtor italiano Benny Benassi, aquele do clássico das pistas "Satisfaction". Ele é a principal referência da dinâmica dos beats no eletromelody. Mas é claro que outras batidas eletrônicas chegam para somar, como Kraftwerk e Daft Punk. "Os primeiros experimentos misturando som regional foram de fato com os bumbos do Beni Benassi", assume Squash. "Eu fiz som assim, o Joe também… Tanto que ele botou o nome artístico de 'Joe Benassi', né. Quando eu ainda trabalhava em rádio, o Joe já produzia artistas. Foi aí que ele produziu o Marcos Maderito, um dos primeiros nomes, e introduziu coisas novas, coisa de sintetizador com aquele efeito de serra, pra dar a pressão."

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Muitos hits das festas de aparelhagem e som automotivo foram criados em cima desta receita. Bem na época das primeiras produções de sucesso, em 2008, o DJ Waldo Squash e o Maderito formaram a Gang do Eletro. Quando começou, a Gang era só uma dupla. Com a entrada da Keila Gentil e do William Love nos vocais, a banda emplacou na mídia e virou referência do novo som paraense tipo exportação. "A Gang do Eletro passou a atuar mais fora do estado, e o cenário local ficou com uma lacuna. Nessas o David Sampler apareceu com o Techno Machine, uma proposta que trouxe também as influências do reggaeton pras músicas", pontua Waldo.

DJ Waldo Squash, Joe Benassi, Marcos Maderito e David Sampler, os ideólogos de toda a parada e construtores dos maiores hits do eletromelody, pensam agora em uma nova reciclagem do estilo, com uma linguagem que possa atingir os demais estados do país com o mesmo impacto que no Pará. Daí que surgiu Os Reis do Eletro, formado pelo quarteto no núcleo criativo central com colaborações externas em diversas faixas. Da mesma forma que o David trouxe o reggaeton para o caldo, o Joe absorveu o funk. E a ideia deles é expandir em recursos e sonoridade.

Os Reis do Eletro no estúdio. Foto: Rodrigo Correia/VICE

"Nós não somos de migrar para gêneros que estão em alta, nós fazemos o movimento acontecer. Eu estou trazendo até o Joe e o David Sampler pra iniciar um movimento que vai ensinar coisas e trocar conhecimento com a galera nova. A intenção final é ensinar os jovens a produzir e espalhar o ritmo pro Brasil, pra que aconteça. Pois até agora fica numa espécie de 'vai, não vai'." Waldo se refere a uma percepção pessoal de que o eletromelody sempre ameaça emplacar nacionalmente, e depois mia. Ele dá exemplos: "Teve a Dejavu, aí sumiu. Aí apareceu a Banda Uó, e depois enfraqueceu de novo. Podemos falar da Gaby Amarantos, mas não foi bem tecnobrega porque ela cantava outros gêneros ali."

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O DJ Waldo basicamente acredita que, capacitando as novas gerações, a cena eletro do Pará pode dar muito mais frutos e ganhar consistência, e não apenas fazer brotar casos isolados. "Estamos querendo levar Os Reis do Eletro pra rua, uma espécie de escola de beats móvel nas periferias, com carreta e palco. A gente vai ensinar os jovens a produzir música e finalizar as faixas criadas por eles em parceria com o grupo."

Dançando na pista do Açaí Biruta. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Mas a ideia principal d'Os Reis do Eletro é lançar um álbum/DVD no ano que vem, com patrocínio Natura Musical, e entre as participações estão confirmados os nomes de Sammliz, Strobo, Fruto Sensual e Tonny Brasil. "Vai ter gente que começou com o tecnobrega, o MC Dourado com o Joe", acrescenta Waldo Squash, "músicas nossas e instrumentais."

O vídeo a caminho será um show com direção de cinema. Vladimir Cunha, o mesmo de Brega S/A, assume a empreitada. Na época de lançamento do Brega S/A, estava pegando muito a divulgação das músicas pelos pirateiros, algo que agora não rola mais. "A galera baixa e ouve muito pela internet, e conhece bastante coisa pelo que toca nas festas de som automotivo. Em referência a isso, até, o nosso PA no show do DVD será de sons automotivos", descreve Squash. "Em Belém quem anda comandando tudo são as aparelhagens, apesar de os maiores sucessos executados serem das bandas."

A cena de aparelhagem é quase inteira eletrônica, mas as bandas de baile da saudade também tocam, enquanto os shows de grupos melody lotam as casas noturnas. Tem gente que pra ver show passa um dia inteiro viajando de barco até a Ilha de Marajó. Em Belém, quem domina são as aparelhagens. E som automotivo ainda rola em estacionamentos de estádio, porque na rua não pode, mas geralmente é em clube mesmo.

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Waldo Squash, David Sampler, Joe Benassi e Maderito no estúdio Casarão. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Seja onde for, o público maior vem do interior do estado. É atingindo essa galera que se consegue uma base de seguidores, como foi o caso da Gang do Eletro. E têm também os eventos "pra galera cult", pra usar um termo do Waldo. "É legal tocar pra galera cult. Não dá aquela grana toda da aparelhagem, mas o pessoal valoriza o autor, o produtor da música, independente daquele espetáculo de luzes piscando, fumaça, nave, boca gigante que se mexe. Que é mais pressão, igual quando a Gang tocava 'Galera da Laje' e 'Tubagás' nas aparelhagens."

Muitas das produções feitas especialmente para serem tocadas na pista são regravações de sertanejo em versão tecnobrega que se tornam conhecidas como se fossem originais. Numa realidade como essa, o mercado do qual sobrevivem a maioria dos produtores de melody é o de criação de bases para as equipes de aparelhagem. "Fazemos as bases sob encomenda e os caras só desenrolam as letras com as gírias das festas. Coisas que às vezes nem sei o que significa. Outro dia fiz uma base e o cara mandou uma letra assim: 'Passa tua placa. Passa, passa tua placa", diverte-se. "Gírias novas nascem toda hora nesse meio."

Nessa transição do tecnobrega para o melody, algumas propostas mantêm uma pegada mais de canção, e até mais próximas de ritmos como o calypso, o forró, o merengue, o carimbó e o samba. É o caso da banda Fruto Sensual, conhecida como "A Rainha das Aparelhagens". Formado em 1995, o grupo de Santa Isabel do Pará, liderado pela forte presença da vocalista Valéria Paiva, faz sucesso tanto no estado do Pará como no Amapá, Maranhão, Tocantins e Piauí, onde a cena tecno/eletromelody também reverbera.

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Valéria Paiva, do Fruto Sensual. Foto: Rodrigo Correia/VICE

A Valéria formou a banda com o Neco Patifão, e na época era só vocal, teclado e guitarra. Eles faziam música para os DJs de aparelhagem e assim chegaram às rádios. De lá pra cá a Fruto Sensual teve mais de 300 músicas nas playlists das festas. O primeiro CD oficial, gravado há 17 anos, vendeu mais de cem mil cópias. Os hits que não podem faltar nos shows são "Está no Ar", "Príncipe Negro", "Itamaraty" e "Luxuoso Jackson". Neco, que fazia dupla com a cantora, agora é empresário da banda, enquanto a potente voz da Valéria ganhou o espaço merecido.

"A Fruto Sensual foi um grande divisor de águas do brega", comenta Valéria Paiva enquanto se prepara para o show de aniversário do grupo no Açaí Biruta, no bairro de Cidade Velha, em Belém. "Temos músicas de tecnomelody, tecnobrega, batida romântica, que o pessoal chama aqui de acochadinho. Esses ritmos nasceram porque, quando a gente começou a gravar, não tinha dinheiro pra pagar um estúdio profissional, com bateria acústica, contrabaixo… Então fazíamos com as batidas do teclado. Na época era o sintetizador, então a nossa percussão ficou até mais alta um pouquinho na mixagem, e deu uma identidade ao nosso som."

Valéria Paiva. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Sobre as melodias de voz, ela conta que criou adaptando os vocais dos mixes techno para a sonoridade da língua portuguesa: "Foi daí que saiu o nosso brega eletrônico. No decorrer dos anos seguimos andando conforme o brega caminhava. Teve a época das bachatas… O nosso som absorve todas as fases do brega, desde os de 96, Roberto Villar, até os atuais."

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Valéria compõe a maioria das músicas. "Nem todas são versões", frisa. "Digamos que 40% são originais." Os hits mais recentes do grupo são as faixas "Sou do Norte", falando das maravilhas do Pará, e "Fake ou Real", sobre amores virtuais. "Todas as letras falam de coisas que vivi, testemunhei, senti, e pessoas que conheci. O brega não pode ser ficção. Tem que ter o sentimento ali, de verdade", argumenta a vocalista sobre o sucesso de "Sou do Norte". "Essa música, por exemplo, representa a emoção das pessoas que amam o Pará. O povo do norte se encontra na música. Ele se encontra no brega. Brega é glamour, brega é romantismo, brega é rico."

Veja mais algumas fotos dos grupos Os Reis do Eletro e Fruto Sensual:

Os Reis do Eletro - DJ Waldo Squash, Joe Benassi, Maderito e David Sampler. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Casal se diverte no show do Fruto Sensual. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Dançando na pista do Açaí Biruta. Foto: Rodrigo Correia/VICE

Valéria Paiva se despede do público: "Aceita, meu amor." Foto: Rodrigo Correia/VICE