Para as Sem-Teto Inglesas, Menstruar Não É um Incômodo – É um Pesadelo

Imagem via Jay Black.

Muitas mulheres não gostam de menstruar. Mesmo depois de décadas de menstruação, isso ainda pode ser um incômodo mensal doloroso e caro que deixa você se sentindo completamente esgotada. Mas, se você é uma mulher que mora nas ruas inglesas, menstruar não é um incômodo – é um pesadelo. Quem não consegue juntar dinheiro suficiente para comida e abrigo provavelmente não tem como comprar absorventes.

Fora roubar, as opções para mulheres sem-teto inglesas menstruadas são incrivelmente limitadas. Às vezes, é possível ter acesso a absorventes em abrigos, mas o que você faz se eles não tiverem camas disponíveis? Como não é uma prática padrão fornecer de graça esse tipo de coisa em clínicas populares – ao contrário de camisinhas – e como não é possível conseguir uma receita médica para absorventes, há pouquíssimas opções para as quais se voltar.

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Absorventes são classificados como “item de luxo não essencial” no Reino Unido e são taxados em 5%. Por que exatamente um produto que serve para conter um fluxo de sangue mensal, um problema que as mulheres não têm realmente como evitar, é considerado um luxo é a pergunta eterna. Mas, sem os meios para comprar esses “luxos” simples, as sem-teto são constantemente forçadas a se virar sem isso.

Visitei a Bethany House, um abrigo só para mulheres em King´s Cross, Londres, para ter uma ideia de como mulheres sem meios para comprar absorvente fazem todo mês. Zoe, de 21 anos, me contou que geralmente era pega desprevenida. “Quando eu estava na rua, eu achava mais fácil conseguir comida ou escovas de dente do que coisas para menstruação”, ela diz. “Não havia um lugar onde eu podia achar essas coisas, e obviamente eu tinha vergonha de pedir isso a estranhos.

“Lembro que, às vezes, minhas antigas colegas de escola passavam por onde eu estava pedindo, em Camden, e eu conseguia perguntar se elas tinham alguma coisa assim, mas óbvio que isso dependia da sorte”, ela continua. No final, ela frequentemente tinha de apelar para o roubo – algo que ela não queria fazer. “Eu escondia os absorventes internos embaixo dos casacos”, ela destaca, acrescentando que ficaria mortificada se fosse pega roubando qualquer coisa, mas que se fosse pega roubando absorventes seria “muito pior”.

Zoe se tornou sem-teto depois que as coisas deram uma guinada amarga em seu namoro. “Estávamos morando juntos, mas tínhamos problemas com drogas e não éramos legais um com o outro”, ela explica. “Em certo ponto, achamos que iríamos nos casar, mas as coisas não deram certo; então, comecei a ficar em vários lugares diferentes.” Zoe costumava ir de uma casa para outra, mas esses lugares acabaram secando. “Eu me via andando pelas ruas a noite toda, porque estava muito assustada para dormir”, frisa. Aos 20 anos, ela morou na rua por seis meses. Durante esse tempo, a menstruação era só um dos muitos problemas que ela tinha de encarar.

A ideia de ter que passar por cólicas incapacitantes enquanto anda pelas ruas, porque você tem medo de ficar num lugar só, me faz estremecer.

Em certa época, Zoe estava tão abaixo do peso que seu ciclo se tornou irregular. Isso pode parecer tristemente oportuno, mas essa irregularidade significava que ela “não menstruava por muito tempo” e que depois “isso vinha de repente e de maneira muito dolorosa. Isso me deixava muito fraca. Eu tremia”. Ela visivelmente se encolhe quando lembra desses momentos. “Eu tentava não pensar nisso, porque era muito vergonhoso e horrível”, ela reitera. Ouvindo-a falar, a ideia de ter de passar por cólicas incapacitantes enquanto anda pelas ruas, porque você tem medo de ficar num lugar só, me faz estremecer.

Ela podia pedir absorventes num abrigo? Ela não sabia que eles distribuíam isso. Ela também não confiava em certos abrigos. “As pessoas chegavam pra mim e diziam: ‘Tem esse lugar ótimo aonde você pode ir, eles vão te salvar’, mas você não podia confiar neles”, ela diz. “Não é fácil como as pessoas pensam. Esses lugares nem sempre te deixam entrar.” Felizmente, Zoe conseguiu ser abrigada num hostel e vem morando ali há seis meses.

Outra mulher no hostel que visitei, Ava, de 25 anos, também sofria para conseguir qualquer coisa para menstruação quando estava na rua. Ela quase sempre tinha que contar apenas com papel higiênico do McDonald’s: “Eu enrolava o papel e usava isso como absorvente”, ela detalha. “Havia jeitos de contornar isso.” Ava acabou nas ruas porque seu ex-marido a expulsou do apartamento, apesar de ser ela quem pagava o aluguel. Ela dormiu na rua por quatro meses no total.

“Ainda não entendo por que absorventes não são gratuitos”, ela defende, levantando a voz. “Se o governo pode fornecer remédios com prescrição, por que não pode dar dinheiro para nossa higiene feminina?” E quanto mais você se faz essa pergunta, mais absurdo isso parece. Por que estamos nessa posição na qual as mulheres – que, como eu já disse, não têm escolha quando seu útero solta pedaços de si mesmo todo mês – têm de entrar escondidas no banheiro do McDonald’s e encher a calcinha de papel higiênico para não menstruar nas roupas?

Talvez os serviços de auxílio aos sem-teto do Reino Unido estejam muito ocupados com os homens para sequer considerar a simples provisão de itens de higiene feminina. Um relatório da St Mungo, que relata a experiência de mulheres sem-teto, atesta: “Os serviços focados nos homens frequentemente fracassam em abordar as necessidades das usuárias. Esperar que as mulheres simplesmente se encaixem nos serviços para os sem-teto, pensados para homens, não é o suficiente. Os prestadores desse serviço precisam entender as necessidades particulares das mulheres sem-teto”.

Muitos abrigos têm um suprimento de absorventes, mas as mulheres com quem falei pareciam não saber que eles estavam sempre disponíveis. Então, qual a utilidade disso? Pedir uma caixa de absorventes pode ser vergonhoso – é um produto íntimo para uma questão íntima. Especialmente se uma jovem precisa pedir isso a um membro homem da equipe.

Grace Wore, que trabalha no Women at the Well, um centro de caridade para mulheres sem-teto, explica que o “fator da vergonha” significa que as mulheres frequentemente acham embaraçoso pedir ajuda. “Fornecemos material de higiene aqui, mas o lugar é sempre muito movimentado, e vejo que as mulheres sofrem para pedir. É óbvio que é uma coisa muito particular – o que só piora se você está muito hormonal e não se sentindo muito bem.” Para as mulheres que lutam com a TPM – ou sua manifestação mais severa, a TDPM –, a ideia de lidar com o forte caos hormonal e físico que pode vir com a menstruação todo mês é péssima. Mas a possibilidade de ter de lidar com isso tudo nas ruas, ou num ambiente não familiar, é desesperadora.

Wore diz que as mulheres também não pedem absorventes com medo de que eles não os tenham, já que muito do estoque depende de doações. Ela também destaca que a doação individual de produtos de higiene em hostels é muito rara, porque isso não é uma coisa que ocorre às pessoas. Em vez disso, grande parte do suprimento deles vem de empresas como a Fare Share, que redistribui itens de higiene que ficaram nas prateleiras das lojas tempo demais. Mas, se o estoque deles cai muito, as mulheres são forçadas a comprar por si mesmas.

Para mulheres que vivem na rua e que têm contato limitado com abrigos, centros de auxílio ou equipes que trabalham nas ruas, itens de higiene ou qualquer tipo de produto para menstruação são escassos. Não há uma gaveta de calcinhas velhas para abrir. Não há compressas quentes. Não há analgésico ou grandes barras de chocolate. As sem-teto vão de uma situação imprevisível e insegura para outra, provavelmente tendo de lidar com cólicas e desconforto enquanto estão em movimento. Elas podem nunca se sentir limpas. E, mesmo que elas tenham um suprimento de absorventes, o acesso irregular a banheiros pode tornar difícil trocá-los com regularidade – algo que pode levar a infecções, como a síndrome do choque tóxico.

Distribuímos camisinhas de graça por uma boa razão – sexo seguro e prevenção contra a transmissão de DSTs é absolutamente imperativo –, então, por que não podemos fazer o mesmo com absorventes?

Acesso a absorventes é uma coisa, mas, se você está nas ruas, privacidade se torna uma memória distante. Lavar-se em banheiros públicos, como outra mulher em Bethany House me disse, se torna normal. No entanto, achar um banheiro cheio o suficiente para não ser notada pode ser difícil.

Parece estranho que 80 anos se passaram desde que o Dr. Earle Haas patenteou o primeiro absorvente interno moderno, mas mulheres que perderam o caminho ainda são obrigadas a encher a calcinha de papel higiênico todo mês.

Se cuidado menstrual é classificado como cuidado médico, artigos de higiene deveriam ser gratuitos e disponíveis para todos. Para mulheres menstruadas, absorventes são essenciais como papel higiênico – a não ser que você queira andar por aí coberta com as próprias vísceras, não tem como viver sem isso.

Distribuímos camisinhas de graça por uma boa razão – sexo seguro e prevenção contra a transmissão de DSTs é absolutamente imperativo –, então, por que não podemos fazer o mesmo com absorventes? Principalmente quando eles são classificados como itens de “saúde sexual”. Mulheres passam uma média de três mil dias de suas vidas menstruando. Portanto, menstruar – ter uma vagina, mais exatamente – pode sair muito caro.

Se 5% de imposto em itens de higiene no Reino Unido parecem algo ridículo agora, vale lembrar que isso só foi reduzido em 2001 depois de anos de campanha por uma “taxa zero”. Antes de 2001, artigos de higiene íntima eram taxados em 17,5%. Ainda assim, a necessidade de produtos que impeçam as mulheres de sangrar em si mesmas é considerada “não essencial”.

É difícil imaginar o que exatamente deveríamos estar fazendo então. Usando camisetas velhas enroladas? Rolos de lã, como as mulheres da Era Tudor? É ainda mais absurdo considerar que, no Reino Unido, carnes exóticas como crocodilo e canguru são classificadas como produtos essenciais, isentos de taxação. Mais itens com taxa zero: bingo, Jaffa Cakes, amarras para casas flutuantes e produtos para incontinência. E esse último é quase indiscernível do final mais robusto do espectro sanitário.

Com cada vez mais mulheres se vendo em situação de rua – um em cada dez sem-teto em Londres é do sexo feminino –, fica claro que não estamos fazendo o suficiente para fornecer itens de higiene íntima para um problema regular biológico que não pode ser evitado. De todas as batalhas enfrentadas por mulheres sem-teto no Reino Unido, a luta para lidar com a menstruação é uma humilhação desnecessária. Absorventes não são um luxo.

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Tradução: Marina Schnoor