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Este livro curto e apavorante explica como o Ocidente pode entrar em colapso

Perguntei ao autor se a elite pode fazer algo sobre isso.

Se você ainda tinha um pouco de esperança no mundo, o livro The Retreat of Western Liberalism de Edward Luce vai te jogar rapidinho de volta no pessimismo. Em apenas 200 páginas, ele pesquisa economia, história, políticas eleitorais e relações internacionais para pintar uma visão do planeta tão preocupante quanto realista.

Ouvindo ele falar, globalização e mecanização tiraram milhões de pessoas da pobreza nos países em desenvolvimento, mas também prejudicaram as fortunas da classe média ocidental, ou do que costumava ser a classe média. Mesmo enquanto grandes cidades prosperam, cidades menores e áreas rurais estão sofrendo com queda de salários e perda de empregos. A coesão social começa a ruir, o vício em drogas aumenta, e a raiva contra a elite que aparentemente deixou tudo isso acontecer cresce e se fortalece. Partidos de centro-esquerda há muito abandonaram o populismo econômico em favor da política de identidade, o que só ajudou a amargar sua relação com a classe trabalhadora. É foi assim, segundo Luce, que os EUA acabaram com Donald Trump, o Reino Unido com o Brexit, e a Europa com tantas figuras de extrema-direita populares.

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Um dos muitos perigos que esses líderes representam é que eles prejudicam alianças tradicionais como a OTAN e a União Europeia – na quinta-feira, Trump preocupou os aliados europeus dos EUA quando não se comprometeu de maneira firme com um pacto de defesa mútua. Essa veia da ordem democrática liberal do Ocidente ascende enquanto a geopolítica se complica graças à ascensão da China, uma Rússia inquieta e uma crise de refugiados em andamento. Junte tudo isso e o status quo que quase todo mundo no Ocidente considera garantido de repente parece muito, muito instável.

"A democracia liberal ocidental ainda não morreu, mas está muito mais perto do colapso do que gostaríamos de acreditar", escreve Luce. "Ela enfrenta seu desafio mais grave desde a Segunda Guerra Mundial. Mas desta vez, conjuramos o inimigo de dentro dela."

Que. Merda.

Liguei para Luce e perguntei a ele se as coisas vão tão mal assim e o que o pessoal das elites como ele e eu pode fazer a respeito.

VICE: Quanto da crise atual era inevitável graças às forças econômicas que têm prejudicado a classe média ocidental, tornando as pessoas mais dispostas a abraçar políticas extremas?
Edward Luce: Acho que muito disso era inevitável. Pensamos nessa crise como se do nada, em 2016, um vulcão tivesse entrado em erupção. Mas na verdade ele já vinha cuspindo e vomitando lava faz tempo. Olhe o que está acontecendo [nos EUA] desde que Newt Gingrich se tornou presidente da Câmara dos Representantes em 1994, ou na ascensão da Frente Nacional na França – eles foram de menos de um milhão de votos nas eleições presidenciais dos anos 90 para 5 milhões em 2002, e quase 11 milhões este ano. Você olha para essas tendências e 2016 não parece mais um raio caído do céu. Era bem previsível, mesmo nas várias formas que isso tomou, como Trump sendo eleito presidente.

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Uma maioria ou uma grande minoria na sociedade sente que não está se beneficiando dos programas do governo, que as promessas que são feitas a ela nunca são cumpridas, que a política está quebrada – esse é um sentimento que vem se acumulando. É algo totalmente consistente com, e acho que foi causado pela globalização e o impacto da tecnologia no trabalho. Isso não deveria nos surpreender.

Você acha que houve momentos onde as elites poderiam ter evitado essa situação?
Sim. O que deveríamos estar vendo nos EUA, Inglaterra e outras democracias ocidentais é um foco enorme em educação e capacitação, além de atualizar o New Deal para se encaixar na gig economy. Essa seria a resposta política certa para qualquer democracia liberal que opera de maneira vagamente sã e racional. Mas o que temos nos EUA e Inglaterra é uma política que nos está afastando cada vez mais disso.

Você teve uma carreira de sucesso como jornalista e esse livro tem sido comentado por pessoas como o ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers. Considerando as palavras duras que você tem para as elites e elites das cidades principalmente, o que pessoas como nós podem fazer sobre tudo isso?
O que estamos fazendo individualmente é piorar a situação. Estamos natural e compreensivelmente pegando as melhores oportunidades possíveis para nossos filhos, morando nas melhores áreas onde ficam as melhores escolas públicas, conseguindo os melhores estágios para eles, eles recebem aulas particulares, sendo uma família com os dois pais presentes. Como elite, estamos fazendo a coisa certa para nossos filhos, mas coletivamente o impacto disso é o que vem sendo chamado de "opportunity hoarding".

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"As elites precisam entender que estamos recuando, de certa maneira, para um Versailles moderno, e essa estrada leva à ruína."

Antes o capital financeiro era caro e escasso, e o capital humano era abundante. Agora vivemos no mundo oposto – as taxas de juros são praticamente zero, o capital está por toda parte, mas o retorno para habilidades humanas subiu. E os pais puderam se ajustar de maneira dramática, investindo cada vez mais na capacitação e desenvolvimento dos filhos. Isso está afastando o resto das crianças de perspectivas realistas de se juntar às elites.

Precisamos mudar politicamente, porque ninguém vai parar de fazer o que é certo para os filhos. As elites precisam entender que estamos recuando, de certa maneira, para um Versailles moderno, e essa estrada leva à ruína.

Uma das partes mais polêmicas do seu livro é um trecho onde você critica partidos de centro-esquerda, como os democratas, por focar demais em política de identidade. Você está falando sobre a ótica do público, ou acha que eles precisam oferecer novas políticas também?
Um pouco dos dois – vamos começar com a ótica do público. Eu estava na Filadélfia para a Convenção Nacional Democrata em julho passado e era impressionante como cada minoria estava representada [em termos de pessoas discursando]. Todos por mérito – não me entenda mal. Acredito muito em direitos gays e no Black Lives Matter. Mas parecia que a campanha de Clinton estava se esforçando demais para dizer "Não precisamos dos votos da classe trabalhadora branca". E acho que esse é um jogo perigoso – todas as pessoas naquele palco tinham muito em comum com a classe branca trabalhadora. Estão com dificuldade para se sustentar, a segurança no emprego não é mais a mesma, retreinamento não é algo tão acessível. Elas têm um grande interesse econômico em comum.

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Partidos de centro-esquerda foram se afastando disso, não apenas a campanha de Hillary Clinton e não apenas os democratas norte-americanos, mas o New Labour na Inglaterra também. Voltar ao básico da segurança econômica e crescimento é fundamental, não só é a coisa certa a fazer como uma estratégia vitoriosa.

Por que partidos como os democratas se afastaram das economias de esquerda? É simplesmente muito difícil defender impostos mais altos?
Sim, isso faz parte. Todo mundo parece ter alergia a essa palavra hoje – impostos. Mas acho que havia um elemento de triunfalismo das minorias, apenas um jogo simples de matemática: os hispânicos não vão votar nos republicanos de novo, nem as minorias sexuais, mulheres também não, etc. Junte tudo isso e vamos continuar ganhando um pouco de cada vez.

Isso permitiu, acho, que alguém como Trump chegasse e dissesse: "Olha esses elitistas. Eles têm todos os milhões e não querem compartilhar com você. Eles só querem usar sua identidade como sua principal e única característica política, e ignorar o lado econômico de quem você é e o que tem em comum com os outros". Há algo legítimo nessa crítica.

"É horrivelmente irônico estarmos vivendo num momento de triunfo do modelo ocidental – só que fora do Ocidente."

Onde estão os populistas de esquerda que poderiam fazer argumentos similares? Por que esses movimentos estão vindo da direita?
A centro-esquerda, nos anos 90, basicamente abraçou a Terceira Via, o que veio da visão de que todo mundo estava ficando mais rico, que tínhamos encontrado o elixir da maré sempre alta. A esquerda mudou da política de classes para a política de liberação pessoal, e isso começou a rebaixar os aspectos básicos de esquerda. Em 2008, [quando a crise econômica estourou] percebemos que a classe média estava endividada até o pescoço, que estava mantendo seu estilo de vida emprestando, não ganhando. A esquerda era parte do establishment, e o establishment foi visto como as pessoas a quem culpar, em muitos casos merecidamente.

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A direita conseguir, por algum feito extraordinário, fazer um rebranding como anti-establishment. Não apenas Trump, mas o Brexit conseguiram se apresentar como do lado do povo. É absurdo quando você pensa sobre isso, audacioso demais, mas eficaz a curto prazo. A esquerda não estava em posição de fazer isso – víamos a esquerda como o establishment. Acho que essa é a principal razão para o populismo ser canalizado pela direita, mas acho que isso está evoluindo.

Você tem alguma boa notícia para pessoas da minha geração, que estarão aqui no declínio da América e do Ocidente?
No geral, nunca vivemos num tempo mais positivo em termos de redução de pobreza no mundo. É extraordinário o grau em que pessoas na África, Ásia Meridional, Ásia Oriental e América Latina estão saindo da pobreza, se alfabetizando e adquirindo capacitação para ser cidadãos individuais em democracias potencialmente liberais. É horrivelmente irônico estarmos vivendo num momento de triunfo do modelo ocidental – só que fora do Ocidente.

E dentro do Ocidente?
Temos espaço para resolver isso nós mesmos – esse é um problema nosso, mas temos capacidade de abordá-lo.

Me sinto muito encorajado pela geração millennial. Ela parece ter um entendimento mais realista da situação do que as gerações mais antigas tinham. As pessoas estão sentindo um propósito maior, algo que não sentiam um, dois anos atrás, o que é muito estimulante, não é um sentimento passivo. É um sentimento de que temos tudo pelo que lutar.

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A entrevista foi condensada e editada para melhor entendimento.

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Tradução: Marina Schnoor

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