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Identidade

O que significa quando um cara diz que é “principalmente hétero”

Um pesquisador norte-americano explica como homens que gostam de mulheres podem ter uma identidade não totalmente heterossexual.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Photo via Getty Images

Entrevista originalmente publicada na VICE EUA.

Os homens que povoam o livro de Ritch C. Savin-Williams Mostly Straight: Sexual Fluidity Among Men , lançado mês passado pela Harvard University Press, são – honestamente, verdadeiramente – atraídos por mulheres. Eles podem ter desejos de encontros sexuais furtivos com um “amigo” ou se veem admirando intensamente os bíceps de um ator pornô, mas isso não diminui seu amor pelas esposas e namoradas, nem por mulheres em geral.

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“Principalmente hétero”, como identidade sexual masculina, não entrou para a consciência do público como as identidades gay ou bi, apesar de isso estar mudando. Segundo uma agência de previsão de tendências, apenas 48% da Geração Z se identifica como exclusivamente heterossexual, comparado com 65% dos millennials. E millennials, vale mencionar, não tem preguiça quando se trata de desmantelar conceitos linha-dura de sexualidade; quando um ator como Josh Hutcherson se declara publicamente “principalmente hétero”, ele vai longe para derrubar o estigma contra fluidez sexual.

A frase de Hutcherson inspirou o título do livro de Savin-Williams, no qual ele reúne entrevistas com 40 homens que se dizem "principalmente héteros" para entender sua relação de sexualidade com o mesmo sexo e como eles analisam seus desejos. Para a consternação eterna de homens que se identificam como gays, os principalmente héteros geralmente não estão interessados em relações de longo prazo com pessoas do mesmo sexo, escreve Savin-Williams, mas eles não têm vergonha de seus desejos, e muitos não só se sentem confortáveis com a cultura gay mas até “encantados” por ela.

Savin-Williams, que também trabalha como diretor do Laboratório de Sexo e Gênero da Universidade de Cornell, falou com a VICE sobre por que homens gays parecem culturalmente obcecados com caras do tipo principalmente heterossexuais, a necessidade de abraçar todas as nuances complicadas do espectro Kinsey e por que você não pode supor que todo cara no coral gay é realmente gay.

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VICE: O que te levou a estudar homens “principalmente héteros”?
Ritch C. Savin-Williams: Geralmente caras hétero são bem chatos, mas quando comecei a entrevistá-los usando os mesmos protocolos que usava com caras gays, apareceu que alguns sentiam atração pelo mesmo sexo – e que esses homens eram incrivelmente complexos. No começo meio que diminui esses caras, mas aí entrevistei o personagem principal do meu livro, Dylan, que já foi goleiro de hóquei, e ele era tão convincente que percebi que tinha algo acontecendo ali. Revisei tudo que sabia sobre “os Kinsey”, homens que se desviam só um pouco do espectro exclusivamente hétero. Era quase se como seu status como principalmente héteros os encorajasse a ver seu desenvolvimento e perceber: “Meu Deus, eu tinha um crush naquele cara”. Ou “Beijei mesmo aquele garoto, e foi divertido. Eu gostei”.

Você acha que eles estão mais confortáveis com sua identidade de principalmente hétero porque são parte da geração pós-millennial, que muita gente considera extremamente queer?
Sim, mas devo acrescentar que historicamente, por gerações, você vai encontrar indivíduos dizendo ser “principalmente” heterossexuais na escala Kinsey. A diferença é que hoje isso pode ser uma identidade, não só uma orientação. E é essa aceitação cada vez maior da diversidade sexual que permite que esses homens aceitem essa parte de si mesmos. Mesmo se voltam para um estilo de vida totalmente hétero, muitos homens diriam, bom, que nunca se sabe – talvez, no futuro, minha esposa e eu convidemos um cara para nossa cama.

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Sua teoria aponta que cerca de 9% da população masculina pode ser “principalmente hétero”. Como você chegou a esses números?
É algo otimista. Lemos todos os estudos que encontramos que abordavam homens através do espectro Kinsey, e 8 a 9% foi o maior número que encontramos. Isso veio de dados de pesquisa do CDC ou do Instituto Nacional de Saúde Mental, que tendem a usar o espectro Kinsey. Outra fonte valiosa foi o Add Health Data Set, um estudo longitudinal que começou acompanhando uma amostra de adolescentes em 1994.

Esses homens também se interessavam pela cultura gay?
Sim, os homens com quem falei estavam meio que encantados com a cultura gay, e acho que nunca encontrei um cara exclusivamente hétero que era encantado com a cultura gay. Talvez porque eles se identificam. Sinto em alguns deles que eles teriam gostado de ser gays – um deles ajudou o colega de apartamento a se assumir, e outro cantava num coral gay. Acho que os outros caras no coral provavelmente achavam que ele estava no armário, mas conferi a dilatação da pupila dele assistindo pornografia, e posso te garantir – ele realmente sente atração por mulheres.

Sério?
Sim, não tem como disfarçar a dilatação da sua pupila.

Você acha que negligenciamos as nuances do espectro Kinsey para criar orientações como gay, bi e hétero?
Com certeza. Separamos o espectro Kinsey em categorias. Agrupamos as minorias sexuais, como se fossem tudo a mesma coisa – como se não tivesse diferença entre ter um pouco de atração pelo mesmo sexo e muita atração pelo mesmo sexo.

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Historicamente, isso não aconteceu por conveniência política? É mais fácil provocar mudança quando você simplifica e agiliza as identidades, não?
Sim, mas é como dizer que todos os asiáticos são iguais. Nos agrupando, e também frequentemente compramos a ideia do mundo hétero. Eles querem essas categorias simples – branco e negro, latino e asiático.

Também acredito que sexólogos reconhecem totalmente que mulheres estão em um espectro, mas não acreditam que homens podem estar num espectro. Acho que eles acreditam que se você é um homem e tem só um pouco de atração pelo mesmo sexo, você é um caso ainda no armário ou é apenas um rebelde progressista.

Foi interessante ver como os homens gays que você entrevistou viam os homens principalmente héteros como no armário.
Acho que muitos gays também se sentem assim com homens bissexuais – que eles estão fazendo a transição. E acho que isso acontece porque muitos homens gays tiveram uma “fase bissexual”. Eles acham que por causa disso, principalmente héteros e bis também vão chegar nessa conclusão. Gays não acreditam que principalmente héteros existem.

Um crítico disse que o hype cercando Me Chame Pelo Seu Nome reflete a obsessão de gays por homens héteros como uma conquista sexual.
Sim, há muitos gays que sentem uma grande atração por masculinidade. É só ler os anúncios no Craigslist! Quando Dylan (o personagem principal do meu livro) vai a bares gays, eles sempre apostam quando ele vai se assumir.

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Acho que principalmente héteros têm esse dilema, por isso atraem tanto homens gays. E muitos deles têm uma aparência bem masculina. Eles podem se passar por hétero. Essa pergunta é difícil, e não sei, se essa identidade se tornar mais popular, como os gays vão reagir a isso.

Gays também podem querer rejeitar preventivamente héteros porque não querem se magoar, certo? Parece que muitos principalmente héteros só estão interessados em sexo casual, não num relacionamento real.
Acho que o principal aqui é que esses homens principalmente héteros realmente curtem mulheres. Eles não querem desistir disso. Mas essa identidade pode ajudá-los a entender outras ligações românticas, ainda mais que suas atrações sexuais. Eles já ouviram falar de caras héteros que fazem sexo com outros homens quando estão bêbados, numa gangue ou na cadeia. O jeito como homens se apegam, eles pensam “Ah, é só um bromance”. Mas alguns desses caras realmente sentem que isso é mais que só um bromance – eles sentem borboletas no estômago; eles realmente se apegam a outros homens. Um deles me disse que se conseguisse encontrar uma mulher e continuar com o laço que tem com três amigos homens, seria fantástico.

A entrevista foi editada para maior clareza.

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