Quatro homens foram condenados à morte pelo simples fato de serem considerados inimigos por supostos integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital). As vítimas, três brasileiros e um boliviano, foram “interrogadas” por membros da facção criminosa, que registraram os depoimentos em vídeos, posteriormente compartilhados em redes sociais. O quarteto, segundo as gravações, seria do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), principal desafeto do PCC no estado de São Paulo, e somente por este simples fato teria sido executado – como é insistentemente afirmado durante os vídeos (assista abaixo).
A VICE conversou com a equipe que investiga o desaparecimento dos quatro homens e, segundo relatado pela chefia do Setor de Homicídios (SH), da Policia Civil de Guarulhos (Grande São Paulo), nenhum dos réus do “Tribunal do Crime” seria integrante do CRBC. Uma das vítimas nem contava com histórico criminal. Os quatro ainda estavam oficialmente desaparecidos, pelo fato das famílias terem registrado Boletins de Ocorrência de seus sumiços, até a conclusão desta reportagem.
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Os tribunais organizados pelo PCC são bem simples. Os réus são julgados por membros da alta cúpula da facção e, dependendo da gravidade da “infração” cometida, são submetidos a espancamentos, quebra de ossos e, na maioria dos casos, pena de morte – principalmente aplicada contra rivais. As investigações do SH indicam, no entanto, que erros também ocorrem na justiça paralela do crime, sendo eles irremediáveis.
Investigação desmente depoimentos
A VICE teve acesso a quatro vídeos, nos quais as vítimas afirmam, sob ameaças de um martelo e agressões, pertencer ao CRBC. Em um dos registros, um rapaz, que se identifica como Diguelinha, afirma ter matado dois rivais – “Babu” e “Erick” – que seriam do PCC. Com ambas as mãos amarradas por fios de varal, a vítima diz ao interrogador que grava a conversa estar na “caminhada” do crime há oito anos e que seus padrinhos no CRBC seriam “Diguela” e “Kong”.
O rapaz ainda afirma ser sobrinho de Diguela que, segundo apurado, está preso desde agosto de 2016, após trocar tiros com a Policia Militar em Sorocaba, interior de São Paulo. Kong também trocou tiros com a polícia no ano anterior, mas não teve a mesma sorte do comparsa e foi morto.
O Diguelinha das filmagens, porém, não seria o verdadeiro criminoso do CRBC que usa este vulgo, informou a chefia de investigações do SH. A verdadeira identidade do homem que aparece no vídeo veio à tona após a irmã dele registrar um Boletim de Ocorrência de desaparecimento, em novembro de 2017. O nome e idade da vítima, assim como a dos outros três homens – também já identificados pela polícia – não foram divulgadas por conta do andamento das investigações.
Muito papo e nada de verdade
Voltando ao registro audiovisual do PCC, há um sutil ar de constrangimento durante a fala do falso Diguelinha, pois ele não responde com convicção aos seus interrogadores, os quais afirmam, durante a gravação, que o “réu” será morto. A VICE apurou que a vítima afirmava ser o verdadeiro criminoso para “apavorar” as pessoas nas proximidades de uma boca de fumo – local que frequentava para comprar e consumir drogas em Guarulhos. Porém, a perna curta da mentira não foi descoberta a tempo e membros do PCC abraçaram o papo da vítima e a capturaram, juntamente com os outros três homens que, apesar de serem criminosos, também não seriam do CRBC.
Outro registro feito pelos supostos membros do PCC deixa clara a desorientação do falso Diguelinha. Questionado se teria afilhados no crime, ele responde afirmativamente ser padrinho de Kleiton e Diguela – de quem já havia afirmado anteriormente ser seu padrinho no crime, além de tio consanguíneo. A informação faz com que um dos interrogadores repita o nome Diguela com incredulidade. Porém, os supostos membros do PCC não se aprofundam no assunto – pois, como afirmam a todo momento, iriam matar as quatro vítimas.
A falta de atenção e cuidados dos criminosos que gravam os interrogatórios fica evidente em outro registro. Enquanto fazem perguntas e dão tapas na face do boliviano, uma mão tatuada aparece mais de uma vez. Quase ao final do vídeo, o provável agressor do estrangeiro pergunta ao “cinegrafista” se sua mão apareceu nas imagens. O cara que segura o celular, que muito provavelmente não conferiu o vídeo antes de compartilhá-lo, afirma que não. O registro termina com a frase cabreira do tatuado: “Vê direito, véi”.
Atenção: este vídeo pode conter gatilhos para algumas pessoas.
Caso ainda não virou estatística
O julgamento do quarteto, precedido do vídeo em que foi interrogado, ainda não é oficialmente considerado uma chacina, pois os supostos assassinatos das vítimas ainda não foram confirmados – pelo fato de seus corpos ainda não terem sido encontrados. A atual fase da investigação os considera desaparecidos – apesar de tudo indicar que os quatro homens tenham sido executados.
As imagens divulgadas pelos criminosos na internet teriam sido feitas em Guarulhos. A cidade liderou o “ranking” de tribunais do crime no ano passado. Foram 20 pessoas mortas em 16 ocorrências diferentes. Em todo o estado, foram ao menos 35 “julgamentos”, que resultaram no assassinato de 42 vítimas.
Segundo o delegado titular do SH, Wagner Terribilli, um inquérito foi instaurado para apurar os vídeos e o que teria acontecido antes, durante e depois do que foi registrado pelos criminosos. “As investigações focam em revelar o que aconteceu com as vítimas, além de identificar os autores e também a localização dos quatro homens”, ou de seus corpos.
A tatuagem que aparece no vídeo pode, literalmente, dar uma mão no andamento do caso.