Guia Noisey para curtir um Pearl Jam

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

O Pearl Jam já não é uma banda descolada desde o começo dos anos 90, e mesmo naquela época, eles não eram lá muito bem vistos também. Como disse Brendan Kelly do The Lawrence Arms ao Noisey em 2015, o Pearl Jam era “o segundo lugar meio bobão do grunge”. A dicotomia entre Pearl Jam e Nirvana rolava em 92, quando Nevermind chegou ao topo da Billboard e Ten morreu no segundo lugar. Juntemos isso a Kurt Cobain comentando “Sempre odiei a banda deles” quando questionado sobre o Pearl Jam e tudo ficou bem claro, por mais que fosse tudo meio armação midiática. Esta rivalidade sempre acabou pesando na obra do Pearl Jam, bem como o sem-fim de bandas horrorosas inspiradas por eles, o que não ajudava em nada.

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O vocal distinto de Eddie Vedder era meio que o cartão de visitas do Pearl Jam no começo dos anos 90, sendo copiado à exaustão por toda banda pós-grunge uma década depois. A forma de cantar de Vedder foi arruinada por vocalistas meia-boca ao ponto de ficar difícil separar o Pearl Jam das desgraças que o sucederam. Mas e se contra todas as probabilidades o Pearl Jam fosse mesmo uma banda boa? Parece não ter como, levando em conta todas as evidências apresentadas até aqui, mas deixando isso tudo de lado, o catálogo da banda vale sim o seu esforço.

Desde seu auge comercial, a banda se tornou uma espécie de versão grunge do Grateful Dead — e isso não é bom, que fique claro. A partir de Vitalogy de 1994, o Pearl Jam foi fazendo discos cada vez menos comerciais, se recusando a fazer clipes ou dar entrevistas. Mas foi o processo contra a Ticketmaster que jogou os caras pra escanteio de vez, o que impossibilitou de ver uma das maiores bandas dos EUA ao vivo durante sua época de maior sucesso. É difícil encarar uma banda que vendeu mais de 32 milhões de álbuns nos EUA e algo em torno de 60 milhões pelo mundo, como um ícone cult, mas desde meados dos anos 90, é isso que o Pearl Jam é.

Por meio de seus próprios atos, o Pearl Jam se isolou em seu mundinho, tornando-se uma banda de tiozões do rock por simplesmente não apelarem a um novo público, ao menos não ativamente. E é por isso mesmo que vale a pena ir atrás: os cara estão nessa há tanto tempo que já fizeram de tudo menos o que não queriam. Por pura força de vontade, o Pearl Jam seguiu adiante, provando que, no longo prazo, há muitas vantagens em ser o segundão.

Pearl Jam versão banda grunge clássica

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Ten, de 1991, colocou o Pearl Jam no mapa, tanto que seria babaquice colocar todos seus grandes sucessos aqui. Você já os conhece e já sabe se gosta ou não destes. Mas mesmo que tenha fugido do Ten como o diabo da cruz ao longo da vida, saiba que a banda também não é grande fã do que foi feito aqui. É notório que os caras odiaram a produção do álbum desde o início e por mais que o remix de 2009 conhecido como Ten Redux tenha melhorado o som, não compensava pelo material apresentado. A composição de Ten foi em grande parte feita pelo guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament, a dupla que fez o Pearl Jam deixar para trás o som glam do Mother Love Bone. Por mais que aquela influência glam tenha sempre ficado no entorno de Ten, as versões de Ten Redux para “Once” e “Release” mostram que a banda aos poucos deixava para trás suas ambições de hard rock anos 80, e com uma produção menos brega, acabam brilhando.

Os primeiros indícios de que o Pearl Jam estava criando seu próprio som vieram em “State of Love and Trust”, canção que a banda deu a Cameron Crowe pra trilha de seu filme Vida de Solteiro, equilibrando um refrão angustiado pronto pras rádios de rock alternativo com os riffs clássicos que Gossard e o guitarrista Mike McCready tanto gostavam. Esta sonoridade foi expandida com Vs., um disco cheio de composições enxutas e performances primais que pareciam uma resposta a quem duvidava da autenticidade da banda. “Leash” era um exemplo disto, com a banda usando trechos tortos de guitarra com bom gosto, transformando-as em um contraponto melódico a Vedder e seus “Get out of my fucking face”. Mas em meio todos os sons mais paulada, Vs. também conta com os momentos de calmaria que viriam a definir a banda. “Daughter” mostrava a capacidade da banda em deixar de lado sonoridades mais bombásticas, dando a Vedder espaço para mostrar versatilidade.

Vitalogy foi o último disco do Pearl Jam a fazer parte do zeitgeist da época, provavelmente o último a contar com grandes sucessos. O disco dava mais espaço para Vedder mostrar sua técnica e a banda rumava para uma sonoridade que borrava os limites entre rock veloz e baladas mais calmas, com “Last Exit” e “Corduroy”, criando um molde a partir do qual a banda expandiria ao longo dos próximos anos, uma tentativa deliberada de romper com a estrutura do grunge, partindo para algo menos definido pela cena que eles haviam ajudado a estabelecer.

Nos anos que se sucederam, o Pearl Jam faria questão de não mais oferecer canções acessíveis, fato percebido em No Code, e até mesmo na volta às raízes que foi Yield, mas mesmo nos discos mais complicados, a banda não deixava de oferecer mimos ao público. Faixas como “Given to Fly”, “Insignificance” e até mesmo “The Fixer” de Backspacer, lançado em 2009, soam como pérolas perdidas que nunca ganharam destaque nas rádios como o material da banda pré-95. Por mais que o Pearl Jam tenha passado uma década vagando por aí, eles seguiam capazes de compor canções que sempre deveriam ser tocadas dentro de grandes estádios.

Playlist: “Once” / “Release” / “Leash” / “Daughter” / “I Got Id” / “Last Exit” / “Corduroy” / “Hail, Hail” / “Smile” / “Given to Fly” / “In Hiding” / “Insignificance” / “The Fixer”

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Pearl Jam versão banda folk

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Uma das maiores reclamação quanto ao Pearl Jam é que eles são intensos demais, e por mais que as letras de Vedder sempre tinham tido um quê de angústia, é algo que veio da influência do rei da sinceridade emocional: Bruce Springsteen. Por mais que a banda sempre tenha apresentado influências de rock clássico, foi a veneração de Vedder de Springsteen — bem como Neil Young — que possibilitou as canções mais tranquilas e de pegada folk da banda. Além do que, tudo isso fez com que outra dimensão fosse adicionada ao som do grupo, que lhes faria muito bem no decorrer dos anos.

Canções como estas ganharam destaque pela primeira vez em Vs., com “Elderly Woman Behind a Counter in a Small Town” onde a banda abria mão de seus auspícios hard rockers, optando por algo que poderia muito bem tocar tanto adolescentes frustrados quanto seus pais. “Better Man” seguia na mesma pegada, apesar de ter uma sonoridade mais rock, carregando consigo a disposição do grupo em mostrar sua sensabilidade. Essa influência cada vez mais acompanharia Vedder ao longo do tempo, fazendo com que faixas como “Off He Goes” e “Thumbing My Way” possam entrar num disco sem soarem deslocadas.

Playlist: “Elderly Woman Behind a Counter in a Small Town” / “Better Man” / “Off He Goes” / “Around the Bend” / “Soon Forget” / “Thumbing My Way” / “Just Breathe”

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Pearl Jam versão banda punk

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Nos anos 90, Eddie Vedder passou uma boa parte do tempo falando sobre como ele adorava o Fugazi, mesmo que isso fosse prejudicial à banda em que tocava. Sua recusa de seguir as regras da indústria musical nos anos 90 acabou por afetar o Pearl Jam dramaticamente, em grande parte pela falta de visibilidade, mas também porque colocava Vedder no assento do piloto, tirando poder de Gossard e Ament, alimentando discórdias internas. E por mais que o Pearl Jam nunca tenha se posicionado como banda punk, os atos de Vedder decididamente mostravam um interesse pelo gênero.

“Spin the Black Circle” é um excelente exemplo, com Gossard e McCready destilando riffs velozes numa das mais rápidas faixas da carreira do Pearl Jam, dando a impressão de que poderia muito bem estar num lado B dos Dead Boys. Mas antes disso, Vedder já flertava com uma visão toda própria do punk. “Rearviewmirror” contava uma história estilo Springsteen sobre largar tudo em busca de algo mais, e apesar de a faixa não começar lá tão agressiva, seus últimos minutos eram de pé no acelerador, desenrolando-se furiosamente em seus segundos finais.

Se o Pearl Jam sempre fosse lugar pra Vedder lavar a roupa suja, uma faixa como “Lukin”, escrita sobre uma pessoa que o perseguia e enfiou o carro na sua casa, soaram o mais direto possível para seus padrões, arrebentando a voz nos versos de tal forma que faz muito sentido dar uma acalmada após um único refrão. Nos últimos 15 anos, o Pearl Jam continuou a apresentar músicas que poderiam bem estar em um disco do Menzingers, caso de “Comatose” ou “Got Some”, faixas simples de três acordes sem nenhuma gordurinha.

Playlist: “Spin the Black Circle” / “Rearviewmirror” / “Habit” / “Lukin” / “Grievance” / “Green Disease” / “Comatose” / “Got Some” / “Mind Your Manners”

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Pearl Jam versão banda de art-rock

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A partir do Vitalogy, o Pearl Jam começou a fazer discos para si mesmo ou só queria testar a galera que ia nos shows. Seja lá qual for a alternativa correta, a banda começou a enfiar umas músicas ali pelo meio que pareciam, por vezes, piadas internas, caso de “Bugs”, em que Vedder tocava acordeon e desafinava falando sobre os insetos que dão o nome da faixa. Na outra ponta do espectro, havia “Hey Foxymophandlemama, That’s Me”, uma colagem sonora de quase oito minutos que soava um misto de viradas de bateria, acordes de guitarra e gravações de pacientes em uma instituição psiquiátrica, o tipo de música que um fã da banda ouviria quem sabe uma vez ao ano, mas que serviam uma função vital para novatos, contextualizando o arco seguido pelo Pearl Jam nos discos seguintes.

Em No Code, de 1996, o Pearl Jam foi fundo nestas tendências, pegando os momentos mais polêmicos de Vitalogy e tentando fazer daquilo um disco por si só. Por mais que nada em No Code soe forçado como “Bugs”, o disco mostrava do que a banda era capaz quando se comprometia a fazer algo intimista e esquisito. “Sometimes”era um exemplo perfeito disso, com a performance de Vedder sendo uma das melhores em sua carreira. Uma canção deliberadamente tensa, dando a ideia de uma explosão que nunca chega.

Estas músicas mais diferentonas seriam exploradas nos discos Binaural e Riot Act, lançados nos primórdios dos anos 2000. Cada disco contava com composições calculadas e gravações mais ambiciosas, deixando de lado os clichês da banda. Por mais que ambos sejam considerados fracassos, em retrospecto, mais pareciam testes para um som que ainda não havia sido inteiramente codificado. Faixas como “Light Years”, “Sleight of Hand”, e “Help Help” já davam a dica do tipo de sonoridade que entraria na moda nos próximos anos, quase como um molde para a sonoridade que o The National faria ao final da década. Por mais que Binaural ou Riot Act não funcionem no todo, há bons momentos ali, alcançando um som que cabe bem à banda e que ela logo deixou para trás, como sempre fizeram.

Playlist: “Bugs” / “Hey Foxymophandlemama, That’s Me” / “Sometimes” / “Do the Evolution” / “Light Years” / “Of the Girl” / “Sleight of Hand” / “Grievance” / “Can’t Keep” / “Help Help”

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