Perturbadoras fotos de assassinatos na Nova York do começo do século 20

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Nos anos 30, o fotógrafo Arthur Fellig, mais conhecido como Weegee, revolucionou o fotojornalismo com seus retratos brutais de cenas de crimes urbanos — ele registrava assassinatos violentos e acidentes horríveis antes da chegada das autoridades. Mas o que o público não tinha como saber na época é que as verdadeiras inovações na reportagem fotográfica vieram nas décadas anteriores, e não da imprensa ou das artes — fotógrafos da polícia, que combinavam possibilidades documentais e exposição em branco e preto com outra ciência deram os primeiros passos no que hoje entendemos como patologia forense.

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Cento e cinquenta dessas fotos sombrias foram desenterradas recentemente durante a reforma do prédio que já hospedou o quartel-general da polícia de Nova York, e estão presentes em Murder in the City, New York, 1910-1920 de Wilfried Kaute, livro publicado em junho pela Thomas Dunne Books. O dossiê que reúne negativos abandonados (que estavam marcados para serem jogados no Rio Hudson) junta fotos de acusados, recortes da imprensa e vistas panorâmicas da cidade que passava por uma transição dos pequenos prédios para arranha-céus, carruagem para automóvel, a queda dos saloons e a ascensão da Lei Seca.

Mas o que vemos principalmente são cadáveres. O elenco de corpos registrados por Kaute aparece jogado em suas casas como manequins de showroom, caídos em suas salas numa postura que poderia ser lida como cochilando, se não fosse pela linha prateada de sangue no pescoço. Outros aparecem apoiados em enormes barris de vinho ou de cara para o chão, com um chapéu caído ao lado completando a composição macabra.

Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books.

Muitas das vítimas foram fotografadas duas vezes: primeiro de perfil, entre outros efeitos pessoais, segundo, de cima, olhando direto para a câmera que assume o ponto de vista de um arcanjo impessoal. Essas últimas fotos são o destaque do livro, cada uma delas conta uma história. Uma mulher num elegante chapéu é estrangulada até a morte no Hotel Martinique, na 32nd Street, depois de um telefonema misterioso. Dois ladrões no fundo do poço de um elevador, depois de fugir de um apartamento e cair cinco andares. Um relato do assassinato do pugilista que virou gângster Barney Solomon depois de uma trégua entre funcionários furando uma greve e sindicatos de costureiros, ao lado da foto de um homem — que pode ou não ser Barney — ainda agarrado a balaustrada da loja onde foi baleado.

Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books.

As narrativas — reportagens que frequentemente acompanham as fotografias — geralmente são mais oblíquas. “Johnny Spanish Morto por Assassino”, “O Amor por Crianças o Traiu”, “Aleijado, 80 anos, Mata para se Vingar de Zombaria”, “Polícia Caça Mulher de 130 Quilos Que Assalta Passageiros”, e meu favorito: “Homem se Gabava de Ser Especialista em Jiu Jitsu, Dizem”.

Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books.

Aqui, o trabalho de Murder in the City lembra o curioso Novels on Three Lines de Félix Fénéon, e, de fato, muitas das micronarrativas visuais de Kaute mapeiam marcos na evolução das forças da lei urbanas — o reinado do assassino que imitava o “Estripador”; a campanha da “Gangue Gopher” irlandesa, que comandou Hell’s Kitchen; a busca sensacionalista pela adolescente desaparecida Henrietta Bulte (que apareceu em LA, tendo decidido partir para Hollywood em vez de ficar no Harlem).


Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books.

Na imagem provavelmente mais estranha do livro, um esqueleto foi recoberto com cera para tentar identificar o morto. Há também fotografias perturbadoras de meninas desaparecidas (apenas algumas das 700 que sumiram na Grande Nova York em 1917), além de arrombadores de cofre que fracassaram, um deles deixando para a esposa um bilhete sucinto: “Estou com problemas. Adeus”. Na metade do livro, Kaute inclui um útil dicionário de gírias dos criminosos de 1915: “canhão” é uma pistola, batedor de carteira é “aliviador de moedas”, e “Lago Salgado” é a cadeira elétrica.

Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books.

Mas a principal coisa que encaramos nessas fotografias é algo independente de cerimônia, especificidade ou brilho. É a morte, vista com a neutralidade de um flash, despida e aleatória.

Veja mais fotos abaixo.

Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books
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Copyright 2016 Emons Verlag GmbH. US Edition, Thomas Dunne Books
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Murder in the City, New York, 1910–1920 de Wilfried Kaute está disponível pela Thomas Dunne Books.

Tradução: Marina Schnoor

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