Peter van Agtmael Não Nega a Estranha Sedução da Guerra


EUA. Carolina do Norte. 2011. Soldado “ferido” durante combate simulado de um curso de resgate que visa treinar soldados para tratar os ferimentos mais comuns em ação.

Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola, ou as férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, se tornar um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas.

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Até agora, a incrível carreira de Peter van Agtmael focou-se principalmente em documentar os efeitos das guerras norte-americanas pós 11 de setembro no próprio país e no exterior. Antes de viajar para o Iraque em 2006, ele cobriu algumas das questões que cercam os refugiados HIV positivo na África do Sul e o tsunami na Ásia em 2005. Depois de começar a trabalhar no Iraque, Peter ganhou vários prêmios, trabalhou no Afeganistão – tanto incorporado como não – e documentou soldados feridos e suas famílias. Conversamos com ele sobre a misteriosa atração do conflito e a realidade da censura e do tratamento aos soldados num país ferido.

VICE: Você se formou em história com honras em Yale. O que você estudou especificamente?
Peter van Agtmael: Estudei um currículo bastante geral, sendo essa a expectativa. Na época em que escrevi minha tese, decidi discutir sobre como a iconografia da Iugoslávia da Segunda Guerra Mundial, de se opor a forças como os chetniks e ustašes, foi renovada no conflito dos Bálcãs nos anos 90. Como isso foi usado para avivar o medo e explorado pelos donos do poder para promover uma guerra civil.


EUA. Wisconsin. 2007. O veterano ferido em combate Raymond Hubbard brinca de Guerra nas Estrelas com seus filhos Brady e Riley.

Você acha que sua formação foi o que acabou fazendo você ir parar numa zona de guerra como fotógrafo com apenas 24 anos?
Cresci nos subúrbios de Washington. Esses subúrbios são iguais os subúrbios de qualquer lugar. É fácil sonhar com lugares mais empolgantes. Quando eu era garoto, sempre gostei muito de livros de história pictóricos, especialmente aqueles sobre a Segunda Guerra Mundial. Eu achava tudo muito empolgante e romântico de certa maneira.

Mas claro, você envelhece e a realidade dessas coisas começa a se mostrar, mas o romance não desaparece, mesmo quando você é pego no meio disso, essa é a coisa mais estranha e assustadora. Tive experiências depravadas e assustadoras na última década, mas tive experiências belas também. O fato é que quando você é pego no meio dessas coisas, há um mérito indescritível em se sentir envolvido, de estar fazendo um registro para a história, é como satisfazer uma certa curiosidade natural – uma curiosidade com certos impulsos úteis e sombrios também.

Você acha que essa fascinação interna com conflitos se aplica também a maioria dos soldados?
Em Dispatches, Michael Herr coloca isso muito bem – apesar disso poder ser uma referência meio datada de certa maneira. Ele diz essencialmente que não dá pra tirar o romance da guerra. É meio que algo inato. É uma parte geneticamente conectada da experiência. Todos nós percebemos o horror e a brutalidade da guerra, mas também, para um monte de jovens – especialmente os homens – há essa atração, nem um pouco baseada em lógica ou no pensamento racional. Há milhões de maneiras de tentar intelectualizar, racionalizar isso e tentar quebrar a questão em pequeninos componentes. Mas no final das contas, há uma atração que não pode ser descrita ou explicada. Pelo menos não para mim. Eu invejo as pessoas que não se sentem atraídas pela guerra. Tive uma vida boa e interessante até agora, mas às vezes queria ter feito escolhas diferentes.


AFEGANISTÃO. 10 de agosto de 2009. Soldados da Companhia Fox,  batalhão 2/8, nadam num canal que atravessa a Base de Operações Avançadas da província de Helmand.

Suas fotos de pichações em bases militares parecem trair um declínio no entusiasmo pela guerra, ou por essas guerras pelo menos, entre os soldados. Você viu uma grande mudança na moral das tropas durante seu tempo no Afeganistão e Iraque?
Senti uma certa insatisfação desde quando comecei a cobrir essas guerras, o que foi no início de 2006, quando as coisas já tinham dado errado. Mas na verdade, o que achei mais notável foi a falta de curiosidade que muitos soldados mostravam sobre as ramificações do que estavam fazendo. Havia uma certa ostentação no que eles estavam fazendo, as pessoas estavam testando seus limites, fazendo isso por amor e para proteger seus camaradas, mas uma imagem geral? Não acho que o cara normal no campo de batalha estava muito curioso com isso.

Claro, alguns são extremamente engajados, outros nem um pouco. Lembro que em 2010 no Iraque, um cara veio falar comigo, porque ouviu dizer que eu tinha coberto tanto o Iraque quanto o Afeganistão por alguns anos. Ele queria que eu esclarecesse se as guerras tinham começado ao mesmo tempo. Fiquei espantado com a pergunta, obviamente há uma trajetória histórica muito importante relacionada a como essas guerras começaram. Perguntei quantos anos ele tinha, ele tinha 19. Aí percebi que ele tinha apenas 10 anos quando a guerra começou no Afeganistão, 12 quando a guerra no Iraque começou, ele se alistou no exército numa era de guerra e nenhuma dessas coisas tinha deixado nenhuma grande impressão nele.

Me refiro aos soldados em geral quando falo dessas coisas, porque o exército norte-americano é muito diverso em seções da sociedade, mas fiquei surpreso com uma falta geral de interesse em por que essas guerras estavam sendo travadas. Em termos de como essas guerras estavam indo – eu diria que o soldado comum era bastante cético.


IRAQUE. Mossul. 2006. Um iraquiano é jogado no chão para ser revistado após agir de maneira suspeita. Nada foi encontrado depois da busca, nem com ele e nem em sua casa.

Sua própria visão sobre essas guerras mudou?
Tento não tirar muitas conclusões depois de passar por essas situações. Apesar de trabalhar com a mídia, sempre tive um ceticismo saudável sobre isso. O problema é que é muito difícil interpretar o que está acontecendo de maneira ampla quando você está vendo as coisas ali, no dia a dia. Indo pra esses lugares aprendi muita coisa sobre eles, e mais especificamente por ter passado tanto tempo incorporado, aprendi muito sobre como os Estados Unidos conduz uma guerra. É uma coisa fascinante, a maneira como essa máquina burocrática militar gigante chega no local, constrói sua estrutura e depois dirige a si mesma.

Foi nisso que me foquei. Fiquei cansado de pessoas mal informadas, ou mesmo decentemente informadas, jorrando opiniões que geralmente são manipuladas pelo desejo de serem ouvidas. Quando você filtra todo esse barulho, acaba com pouquíssima coisa de valor. Acho que o resultado de eventos históricos é realmente determinado durante ou na sequência imediata deles, e neste ponto, sou muito cuidadoso sobre fazer julgamentos, estou na categoria “esperar pra ver”. Mas claro, é muito desanimador estar lá e ver o que está acontecendo. Fiquei com mais razões pra me preocupar do que pra ser otimista.

É sempre difícil trabalhar com os militares? Essa “máquina gigante” sobre a qual você falou?
Tenho ouvido alguns relatos de censura. Mas como estrutura geral, acho que estar incorporado ao exército é uma oportunidade incrivelmente aberta. Alguns comandantes de unidade podem até ficar preocupados com você e com o que você está fazendo, frequentemente por uma preocupação com seus homens por um certo medo de que a realidade escape. Mas você sempre pode mudar para uma unidade diferente. Nunca tive problemas com censura. Tenho podido registrar o cerne depravado desses eventos. Estou me referindo mais aos norte-americanos. Os britânicos e os alemães, por exemplo, dificilmente permitem qualquer acesso que seja – principalmente para suas operações de combate.

Ouvi, por exemplo, uma história sobre o fotógrafo britânico Jason Howe, que tirou uma foto de um soldado britânico ferido. O soldado em questão deu total consentimento para que as fotos fossem publicadas, mas o Ministério da Defesa tentou dificultar muito as coisas pra ele. Isso me pareceu nada democrático. Dito isso, sinto que a verdadeira censura, na minha experiência, vem das instituições da mídia mais do que de qualquer outro lugar. Há muita discussão sobre o que essas imagens icônicas dessas guerras são, mas imagens icônicas necessitam de muita disseminação e acho que muitas dessas imagens icônicas nunca tiveram oportunidade para isso.


IRAQUE. Mossul. 2006. Rescaldo de um ataque suicida que matou 9 pessoas e feriu 20. 

Você mesmo fez várias imagens bastante chocantes, você teve problemas diretamente em conseguir que elas fossem vistas?
Não me entenda mal. Não sou a favor de exibir imagens chocantes só por serem chocantes. Acho que há muitas imagens violentas e brutais que na verdade têm um efeito de distanciamento. Mas há muitas imagens violentas que realmente conseguem trazer o indivíduo para o assunto. Na verdade, minha foto de um soldado norte-americano segurando um sapato em frente a um muro ensanguentado logo após um ataque suicida, por exemplo, foi publicada numa revista norte-americana, mas só na edição pra a Europa. O artigo foi publicado nas duas edições, mas eles substituíram aquela foto por uma imagem genérica de helicópteros na edição para os Estados Unidos. Algo similar aconteceu com outra foto minha de um soldado ferido olhando direto pra câmera. Pra mim, isso mostra a relutância da mídia em expor os norte-americanos a esses fatos brutais da guerra. Guerras em que estamos todos incriminados pela nossa natureza democrática. Muita gente tenta se absolver dizendo: “Ah, votei contra o Bush. Eu fiz a minha parte.” Mas na verdade, nunca tivemos um movimento antiguerra propriamente dito aqui. Então acho esses gestos e afirmações um tanto vazios.

Além de fotografar essas guerras, você passou um bom tempo acompanhando soldados feridos tentando se aclimatar novamente à vida nos Estados Unidos. Quais as suas impressões sobre a situação dos veteranos que voltam ao país?
É uma pergunta interessante. O que vemos muito aqui nos Estados Unidos é o “apoie os soldados”, pelo menos na superfície. Depois da Guerra do Vietnã, isso foi muito além em direção à aversão pelos soldados, eles eram vistos mais como criminosos sanguinários do que como vítimas de uma política internacional muito mal trabalhada. Nessas guerras isso foi totalmente invertido, os soldados são quase fetichizados, mas de maneira muito superficial. As pessoas realizam todos esses eventos de Apoie Nossas Tropas, colocando fitas amarelas nos carros, demonstrações muito públicas. A ideia do soldado como alguém nobre que serviu a nação está lá. Mas o que descobri em termos práticos é que esse discurso é vazio. Muitos dos soldados que conheci que foram feridos – fisicamente ou emocionalmente – ninguém realmente liga pra eles além de um tapinha nas costas. O interesse nos soldados é aquele velho clichê –  “Você matou alguém lá? Você esteve em alguma batalha assustadora?” – esse tipo de interesse. Eu diria que o interesse empático nos soldados é extremamente limitado.


EUA. Nova Orleans. 2012. Um domingo com a Dumaine Street Crew.

No que você está trabalhando agora?
Ainda estou trabalhando com esses soldados. Mas meu foco está mudando para o outro lado. Os iraquianos e afegãos afetados pela guerra. A diáspora de refugiados por todo o mundo como resultado dessas guerras. Estive recentemente na Baviera, que tem leis de imigração muito restritas, para ver esses campos de refugiados onde afegãos estão essencialmente num limbo, confinados nessas barracas da época de Hitler por anos, com apoio limitado do governo local. As sequelas dessas guerras estão aí e vão continuar por muitos anos.

Além de zonas de guerra, você também trabalhou com situações civis, fotografando o cotidiano nos Estados Unidos. E também a revolução egípcia e o Haiti pós terremoto. Como seu estilo de trabalho muda nesses diferentes cenários?
Tento trabalhar de maneira consistente onde quer que eu vá. Me vejo atraído por coisas bem similares na maioria das situações. O que gosto na fotografia é que posso me abrir o máximo possível para o que o lugar tem a oferecer – claro que você não pode evitar ter um ponto de vista sobre a questão, mas você pode ser confrontado com coisa belas, novas, confusas e chocantes sem nenhum aviso. Isso pode acontecer numa zona de guerra ou em qualquer lugar. Acho que enquanto você tiver os olhos abertos, é basicamente a mesma coisa.

Clique abaixo para ver mais fotos de Peter van Agtmael.


AFEGANISTÃO. 8 de agosto de 2009. Soldados norte-americanos jogando um jogo que envolve acertar sacos de feijão num buraco enquanto um helicóptero aterrissa ao fundo numa nuvem de poeira.


AFEGANISTÃO. 17 de agosto de 2009. Um sargento do exército americano e um idoso afegão durante uma pausa na conversa na base militar em Mian Poshtay.


EUA. Carolina do Sul. 2011. Novos recrutas de Fort Jackson se preparam para embarcar num ônibus para suas barracas.


IRAQUE. Mossul. 2006. Um garoto é mantido separado para ser interrogado após uma batida.


AFEGANISTÃO. Nuristão. 2007. Um helicóptero pousando num heliporto improvisado construído do lado de uma montanha no posto avançado de Aranas.


EUA. Nova York. 2008. Comemorações da Semana da Frota em Manhattan.


IRAQUE. Rawa. 2006. Um soldado americano exausto monta guarda numa casa que está sendo revistada.


IRAQUE. Mossul. 2006. Mulher chora pelos parentes que estão sendo presos depois de uma batida que encontrou o esconderijo de armas de grande porte.


IRAQUE. Bagdá. 2006. Soldado especial Jeff Reffner, 23 anos, momentos depois de ser ferido por uma mina caseira na estrada.


EUA. Chicago. 2011. Anthony Smith, detendo da Cook County Jail, reclama com o xerife Tom Dart sobre o tratamento e a sentença que recebeu.

Anteriormente – Ian Berry Faz Fotos Incríveis de Massacres e Inundações

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