O drama da internet na Etiópia
Ilustrações de Shaye Anderson

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Tecnologia

O drama da internet na Etiópia

Uma trágica história familiar mostra como as autoridades etíopes usam a precária internet do país para vigiar, censurar e punir.

Nefkot Nega acha que os jornalistas são terroristas. Quando visitei ele e sua mãe, Serkalem Fassil, no apartamento pequeno na periferia de Washington, DC, no início de Janeiro, Nafkot, de 9 anos, murmurava sem parar e dava golpes com as mãos, fingindo ser um super-herói que luta contra criminosos.

Talvez alguns desses vilões imaginários fossem jornalistas como seu pai, Eskinder Nega, condenado à prisão por violar a lei antiterror da Etiópia em julho de 2012. Eskinder cumpre uma sentença de 18 anos.

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"Na cabeça dele, o jornalismo é um crime ou um ato terrorista por causa do que aconteceu com o pai", Sekalem me explicou por meio de um tradutor. "Não somente o pai dele, mas se você mencionar qualquer jornalista, ele vai gritar e dizer 'eu não gosto dos jornalistas!'"

A história deles reflete a maneira como a Etiópia, lar de 90 milhões de pessoas, se tornou uma nação digital solitária. E a forma como Nafkot passou a acreditar que o jornalismo é um crime equivalente ao terrorismo é um estudo de caso de como os governos usam a internet como ferramenta de repressão.

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A única forma de acessar a internet na Etiópia é por meio do provedor estatal Ethio, que detém controle unilateral sobre a indústria de telecomunicações. O país vizinho Kênia, que apresenta uma cena tecnológica em expansão no país, e que tem uma taxa de penetração de internet de 69,6%, recebeu a alcunha de "Savana do Silício". Na Etiópia, porém, o monopólio do acesso à internet criou um dos países mais desconectados do mundo.

Somente 3,7% dos etíopes têm acesso à internet, de acordo com os dados mais recentes, e o país tem uma das taxas de penetração mais baixas do mundo. Em comparação, o Sudão do Sul, que não dispõe de muitos serviços governamentais básicos, tem uma taxa de penetração de 15,9%. Há somente dez países com taxa de penetração mais baixa do que a da Etiópia, e a maior parte deles, como a Somália e a Coréia do Norte, sofrem com guerras civis há várias décadas ou estão isolados do resto do mundo.

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A Etiópia é uma das economias que crescem mais rapidamente na África e tem uma das culturas mais ricas do mundo. Sua falta de acesso à internet é, para qualquer analista, estarrecedora.

Ainda não se tem certeza de quantos etíopes têm acesso à internet. O que se sabe é que quem a detém deve conviver com o espectro da vigilância. O estado etíope é suspeito de ter utilizado spywares e outras ferramentas de hackeamento e vigilância a fim de monitorar indivíduos, incluindo ao menos um cidadão norte-americano. Por causa desses esforços de ciberespionagem, o governo etíope transformou uma ferramenta para o comércio e as informações em algo secundário e em um instrumento de vigilância.

Nafkot. Ilustração: Shaye Anderson.

Ex-diplomatas norte-americanos, membros atuais da agência de inteligência da Etiópia e especialistas em políticas internacionais me disseram que o governo etíope tem medo que opiniões dissidentes se espalhem pela internet, e arquitetou um serviço de inteligência, um setor de telecomunicações e códigos legais para se livrar dos dissidentes digitais.

Talvez a primeira vítima da cruzada pela internet no país seja o pequeno Nafkot, que acredita que o pai seja um terrorista porque ele é um jornalista. Os pais de Nafkot eram dois dos jornalistas mais conhecidos na Etiópia; Eskinder e Serkalem foram dois magnatas da mídia ganhadores de prêmios internacionais que começaram suas respectivas carreiras após a queda do regime comunista Derg em 1987, e com a formação de um novo governo em 1991. Após uma eleição parlamentar disputada, que acarretou em protestos violentos em 2005, Eskindir e Serkalem foram presos.

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Os dois não sabiam, mas Serkalem estava grávida.

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Os fatores proibitivos que causaram a divisão digital da Etiópia são diretos. O monopólio de acesso à internet deixou a conectividade extremamente cara e proibitiva. Interrupções no serviço deixam a conexão insegura. E para os etíopes que conseguem acesso à internet, há pouco conteúdo disponível em língua local, o amárico.

Independentemente de essas barreiras à internet serem resultado de um sistema projetado para difundir informações, ou um subproduto não intencional de uma galinha dos ovos de ouro monopolista, é tão obscuro quanto os acordos do país em relação à ciberespionagem.

"A Etiópia deseja manter o máximo de controle possível na internet, para ser possível evitar comentários internos críticos às políticas governamentais e minimizar o acesso a comentários críticos de fora da Etiópia", David Shinn, ex-embaixador norte-americano na Etiópia, me contou.

Um membro da Agência de Segurança de Rede de Informações, uma das agências de inteligência da Etiópia, também me contou que o monopólio limitou propositalmente o acesso à internet para preservar a segurança no país.

"Tudo relacionado à internet está limitado."

"É por motivos de segurança, e não acredito que haja outros motivos que não esse", afirmou o funcionário, que trabalha nas instalações técnicas e conversou em condição de anonimato porque não deseja falar sobre seu empregador. "Tudo relacionado à internet está limitado. Os empresários não conseguem criar suas empresas."

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A Etiópia está em meio a uma constelação de nações africanas compostas por uma colcha de retalhos étnica, e Bronwyn Bruton, vice-diretor do Centro Africano no Conselho Atlântico, me disse que o governo liderou o país por meio da limitação da liberdade de expressão.

"O Estado etíope é muito frágil", Bruton afirmou. "Ele foi construído com uma premissa de segregação que é, em teoria, separada e ao mesmo tempo semelhante, entretanto, na prática, é dominado por um grupo étnico, o Tigray. Os tigrays compõem somente 6% da população, mas dominam absolutamente todo o poder político."

Quando perguntei a Teressa Belete, chefe de empresas na Ethio Telecom, se a falta de acesso à internet era um resultado deliberado do governo de limitar a liberdade de expressão e dissidências, ele pareceu genuinamente confuso e descartou a ideia. A vantagem de um monopólio pelo governo, Belete disse, é que os etíopes rurais, que compõem a maioria da população do país, não seriam beneficiados por empresas privadas cujo único propósito é o lucro.

Ainda assim, a Ethio Telecom, fundada em 1952, obtém um lucro estimado de US$ 300 milhões ao ano, conforme relatado pela The Economist em 2012. E a Ethio Telecom usou capital excedente para financiar o desenvolvimento de estradas de ferro no país.

"O país está muito atrasado em termos de liberação do setor [de telecomunicações]", afirmou Lishan Adam, um consultor que já trabalhou no Banco Mundial com políticas de tecnologia de comunicações e informações. "Eles não fizeram parte da era da liberalização dos anos 1990 e houve um atraso na obtenção da internet."

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Adam me contou que a Etiópia só se conectou à internet em 1997. O atraso pode ser sentido ainda hoje. A taxa de penetração de internet na Etiópia foi de 3,7% em novembro de 2015. Os funcionários públicos da Etiópia discordam desse número, relatado pelo Banco Mundial. O argumento deles é que a taxa não está correta porque não leva em consideração os assinantes de telefones celulares. Os números do Banco Mundial incluem os assinantes de celulares, mas é provável que o número informado seja igualmente muito baixo, e Adam estimou que a taxa verdadeira de penetração da internet esteja entre 5 e 15% da população.

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Nafkot nasceu na prisão em 2006. Prematuro, não conseguia respirar em temperatura ambiente. Os médicos queriam enviá-lo imediatamente a um hospital com incubadoras, mas o único centro médico que poderia admiti-lo exigia um formulário de um de seus pais. Serkalem estava sob anestesia, e a polícia não levaria o formulário a Eskindir. Nafkot não conseguiria o tratamento de que necessitava. "Eles nem se importaram com a vida dele, mas pela graça de Deus, ele sobreviveu", Serkalem disse, sua voz aumentando com a raiva.

A criança ficou com os avós até que Serkalem e Eskinder fossem soltos. O casal não poderia continuar a trabalhar como jornalistas de mídias impressas; assim como a maioria dos jornais independentes do país, o deles foi fechado. Serkalem parou de escrever. Eskinder começou a escrever em um blog na internet, um dos primeiros no país a fazer isso.

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"Ele começou a escrever no blog porque todos os outros caminhos foram fechados", Serkalem afirmou. "Embora ele soubesse que não havia muitas pessoas com acesso à internet na Etiópia, ainda era melhor do que ficar calado. Ele sabia que não poderia fazer muito, mas ele precisava escrever."

Serkalem. Ilustração: Shaye Anderson.

A taxa de penetração de internet na Etiópia era de 0,2% em 2005 e especialistas em segurança na internet acreditam que a censura online feita pelo governo tenha começado em 2006, o ano em que Eskinder começou seu blog. Sites de oposição na Etiópia se tornaram inacessíveis naquele ano. Acredita-se que o governo está por trás da censura.

Antes das eleições parlamentares de 2010, o governo etíope introduziu uma lei antiterrorismo bastante vaga para evitar a contestação de outra eleição, contou Jeffrey Smith, especialista em direitos humanos internacionais em Washington, DC, nos Estados Unidos. A lei se tornou um pilar da censura do governo, rotulando qualquer um que "influenciasse o governo" de "terrorista".

"A Etiópia é um exemplo de regime que usa o termo 'terrorismo' como expediente político", Smith afirmou. "As preocupações com o terrorismo dentro do país são reais, mas elas foram além, e abusaram sistematicamente dos direitos humanos."

Com a Primavera Árabe no fim da década de 2010, havia o medo de que manifestações contra os governos que começaram na Tunísia se espalhassem para a Etiópia. Os textos de Eskinder no blog eram provocativos e agressivos naquela época. Em um artigo de 2011, ele incitava os militares etíopes a escolher o lado do povo, como os militares egípcios fizeram naquela época.

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"Cidadãos comuns tomaram a iniciativa por todo o norte da África e o Oriente Médio", Eskinder escreveu em outro texto, publicado em 2 de setembro de 2011. "Os resultados fizeram história. Eles são precedentes poderosos para o resto da humanidade. Enquanto palavras inspiradoras, análises moderadas e debates vigorosos são mais indispensáveis do que nunca, eles permanecerão como palavras se não forem traduzidos em ações. Para a Etiópia, isso significa arriscar o cerne de uma visão coletiva há muito desejada: a transição democrática para a democracia."

"Nada de escola para mim"

Em 14 de setembro de 2011, enquanto Eskinder buscava Nafkot da escola, o serviço de inteligência etíope cercou o carro do pai e o prendeu. Serkalem correu para o local. Ela encontrou Nafkot chorando, sem Eskinder. A esposa levou Nafkot à casa da avó e foi diretamente à prisão de Maekelawi, conhecida pela prática de tortura. Ela esperou por três horas até que Eskinder aparecesse. Mas ele nunca apareceu.

Isso porque Eskinder estava, na verdade, na casa deles, observando o serviço de inteligência fazer buscas pela casa. Serkalem se lembrou de que, quando ela voltou para casa, os oficiais da inteligência tentaram impedi-la de entrar lá, mas forçou a entrada até alcançar Eskinder. Em pânico, ela gritou para ele.

"Fique calma e seja corajosa!" Eskinder gritou de volta. E foi levado embora.

Mais tarde, Serkalem foi buscar o pequeno Nafkot, de 5 anos. O garoto estava visivelmente traumatizado com o testemunho da prisão de seu pai. No dia seguinte, Nafkot não quis voltar às aulas.

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"Nada de escola para mim", ele disse.

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O aparato de inteligência da Etiópia é um dos mais invasivos do mundo. Jornalistas etíopes exilados em Nairóbi, no Quênia, me contaram sobre perseguições e intromissões de agentes do governo que não faziam questão de esconder suas identidades. Um empresário etíope brincou e disse que não se surpreenderia se ouvíssemos alguém tossindo enquanto conversamos com alguém pelo telefone.

Felix Home, pesquisador da Etiópia no Human Rights Watch e autor de um relatório abrangente sobre a agência de vigilância etíope, me contou que o governo tem um programa de alcance nacional chamado de "cinco para um". É um sistema de vigilância total no qual cinco cidadãos são monitorados por um indivíduo. É como um nó em um sistema que se estende por todo o país com o objetivo de preservar o comando sobre muitos grupos étnicos.

"O governo etíope parece usar ferramentas de hackeamento para suplementar seu regime de vigilância regular", afirmou Bill Marczak, pesquisador no Citizen Lab. Os métodos de vigilância tradicionais do governo etíope são "eficazes para quem busca dentro da Etiópia, mas uma das características da Etiópia é que o país tem uma grande comunidade diaspórica espalhada por diversos países do mundo".

Washington, DC, tem cerca de 250 mil etíopes expatriados, e há uma grande presença deles na Europa. E não "há outra forma para hackear, cometer phishing e ataques a alvos para monitorar essas pessoas todas", diz Marczak.

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Eskinder. Ilustração: Shaye Anderson.

Quando Neamin Zeleke recebeu um e-mail em dezembro de 2014 alegando ter informações internas sobre assunto delicado na Etiópia, seu país de origem, ele reconheceu isso como uma provável invasão. Zeleke era o diretor administrativo da Radio e Televisão por Satélite da Etiópia (sigla em inglês ESAT), um dos maiores veículos midiáticos de notícias do país, dirigida por membros da diáspora. O site e o serviço de televisão foram banidos. Mas os Etíopes podem acessar o canal e o site por meio de satélites e servidores proxy.

Zeleke me contou que o serviço de satélite da ESAT já foi interrompido 20 vezes pelo governo. A última interrupção, contou, aconteceu alguns minutos antes de nós dois nos encontrarmos em janeiro. Ele encaminhou o e-mail suspeito para Marczak, do Citizen Lab, que reconheceu um bug do Hacking Team, um provedor de software de vigilância a governos no mundo todo.

Por meio de softwares como o Hacking Team, uma empresa italiana, e, provavelmente, a Gamma Group, uma empresa europeia, o serviço de inteligência da Etiópia mirou em jornalistas e opositores políticos com sistemas invasivos que permitem ao governo ativar remotamente uma webcam e microfone, gravar o que está sendo digitado e monitorar atividade on-line. A frequência desses ataques e outros métodos de vigilância fica obscurecida pelo sigilo inerente à espionagem, e os alvos desses hackers não sabem ou não querem compartilhar o fato de que foram infiltrados, o que torna difícil avaliar as ferramentas e as motivações das invasões, Marczak me contou.

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Zeleke é um jornalista e opositor político. Ele é membro do Ginbot 7, um grupo de oposição armado na Etiópia rotulado como organização terrorista pelo governo. Especialistas em segurança me contaram que não há evidências de que o Ginbot 7 esteja envolvido em atividades terroristas, e a organização não está na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado dos EUA.

Ginbot 7 é um grande conjunto de exilados etíopes que opera fora dos limites do país que eles desejam mudar. De acordo com um relatório da ESAT, o Ginbot 7 atacou soldados do governo, e Zekele confirmou essa informação.

Zekele renunciou ao cargo de diretor administrativo da ESAT no início de 2016. Ele não tinha mais tempo para a função e me contou que estava preocupado que não pudesse mais ser objetivo. Agora, ele é consultor da organização, embora ainda mantenha um escritório no pequeno estúdio da estação, repleto de premiações de prestigiadas organizações pelos direitos humanos.

Um dos prêmios foi dado a Eskinder Nega.

Zeleke me contou que a ESAT ganhou o prêmio no lugar de Eskinder e que ele "foi considerado um dos pioneiros da mídia independente na Etiópia".

No escritório da ESAT, e próximo ao prêmio de Eskinder na sala de Zekele, havia um retrato em tamanho grande de Andargachew Tsge, o fundador do Ginbot 7, em trajes militares. Acredita-se que Tsige esteja preso na Etiópia. Zekele intercedeu quando tentei tirar uma foto do retrato ao lado do prêmio de Eskinder.

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"Não acho apropriado para sua história", Neamin disse, afastando a foto do Tsige para a minha foto.

Mais tarde, perguntei a Zeleke se ele pensava que o governo etíope estava o monitorando por causa de suas opiniões dissidentes ou por que o governo via a organização como afiliada ao Ginbot 7. E se as autoridades não entendessem o limite entre as atividades políticas de Zeleke e suas atividades como jornalista? Isso não justificaria sua vigilância. Mas, como há poucos casos públicos dos alvos do governo etíope, a distinção poderia iluminar as motivações do serviço de hackeamento da inteligência – principalmente para deter o fluxo de informações, ou mirando ameaças políticas percebidas.

A agência do governo que coordena o hackeamento na Etiópia, o INSA, não quis comentar para este artigo.

A punição final não é o tempo perdido atrás das grades, é ver Nafkot sofrer sem um pai.

Zekele me contou que o governo etíope está monitorando a ESAT porque é uma organização política afiliada ao Ginbot 7, porém, é uma agremiação totalmente independente e os jornalistas estão do outro lado do espectro político.

"O fato de eu ser afiliado ao Ginbot 7 pode ser um fator, porém, se eu não estiver aqui, independentemente de quem seja o líder do ESAT, esses jornalistas serão atacados", ele me contou.

"Outros, muitos outros que não fazem parte do Ginbot 7, milhares de outros, estão sujeitos a ciberataques e à vigilância. Então, quero dizer, logicamente, você deve ver o contexto. Essa é uma prática rotineira da polícia, um estado autoritário para controlar a população, para controlar o fluxo de informações e para intimidar a mídia alternativa e dissidentes políticos."

***

Serkalem e Nafkot visitavam Eskinder na prisão todo sábado e domingo depois de sua sentença. Eskinder tentou convencer Nafkot de que ele estava na faculdade, não na prisão, para deixar o fardo de um pai ausente menos pesado a seu filho jovem. Nascido na prisão, Nafkot percebeu que seu pai não estava na faculdade.

"Não, você está na cadeia", ele disse ao pai.

Nafkot Nega acredita que a profissão de seus pais é um crime equivalente ao terrorismo. Indústrias inovadoras na Etiópia têm tentado evitar a preservação dessa filosofia, e aqueles que acessam à internet são alvos de hackeamento contínuo.

Quando eles o visitavam, Serkalem me contou que os carcereiros humilhavam os presos na frente de suas famílias. Eskinder ficou preocupada que Nafkot acabasse ficando insensível à brutalidade e crescesse ressentido com o mundo.

"Tudo bem ficar preso por aquilo em que você acredita, mas ver o impacto disso em sua família e seu filho era demais, ele não conseguia aguentar, e me pediu para levar nosso filho embora", Serkalem me contou. A punição final não é o tempo perdido atrás das grades, é ver Nafkot sofrer sem um pai.

Eskinder começou a perguntar à esposa e ao filho as mesmas perguntas todas as vezes que eles o visitavam: "Vocês já compraram as passagens?". Ele também pressionou outros membros da família e amigos que visitavam Serkalem e Nafkot a sair da Etiópia para que ele pudesse concluir sua pena com tranquilidade sabendo que sua família está segura.

A última vez que Nafkot viu o pai foi em 23 de julho de 2014. Serkalem comprara duas passagens para os Estados Unidos no dia seguinte, e Eskinder tentou animar seu filho durante a última visita. "A América está logo ali!", exclamou.

Serkalem me contou que deseja criar para Nafkot uma lembrança positiva do pai. Ela quer convencer seu filho de que o sacrifício do pai não foi em vão. A previsão de liberdade de Eskinder é 2030, quando Nafkot terá 23 anos – a mesma idade que Eskinder tinha quando fundou seu primeiro jornal na Etiópia.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri