Fotos da vida LGBTQ no Japão

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Fotos da vida LGBTQ no Japão

Falamos com Haruku Shinozaki e Michel Delsol sobre seu novo livro, 'Edges of the Rainbow'.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

O Japão é famoso por seu conservadorismo social e político. Família, no sentido tradicional, vem em primeiro lugar, e mesmo o partido da situação do país, o Partido Democrata Liberal, não é tão liberal assim; eles se opõem fortemente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse tipo de preconceito significa que os LGBTQ no Japão passam por algumas dificuldades — nem sempre homofobia descarada, como você vê no resto do mundo, mas o sentimento de que gays e trans são excluídos, o que os japoneses chamam de "o prego que fica aparente".

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Num novo livro de fotos, Edges of the Rainbow: LGBTQ Japan, o fotógrafo franco-americano Michel Delsol e sua esposa, a escritora nipo-americana Haruku Shinozaki, exploram as nuances da experiência LGBTQ no Japão. Acompanhando a vida de nove pessoas — incluindo um pastor episcopal gay, uma banda pop de homens gays chamada Apotheke e o fenômeno trans pop Ai Haruna, além de um centro chamado Akta, dedicado à conscientização sobre HIV/AIDS —, a dupla mostra como a cultura LGBTQ japonesa está emergindo das sombras.

Aqui, Michel e Haruku compartilham o que ele e sua esposa aprenderam sobre a transformação da cultura LGBTQ enquanto pesquisavam para o livro.

A parada gay de Kansai.

VICE: Para começar, o que te atraiu para esse projeto como fotógrafo, Michel?
Michel: Foi uma confluência de duas áreas de interesse para mim: sou um fotógrafo retratista, mas sempre me interessei por direitos civis, e gosto muito do Japão. Já estive lá pelo menos 15 vezes, fotografando astros pop e atores — além do teatro kabuki. Então, quando nos abordaram para fazer esse projeto, sentimos que era a comissão perfeita.

Vocês têm uma grande variedade de temas, considerando todo o espectro LGBTQ. Como vocês encontraram essas pessoas?
Michel: Sem ser muito mecânico sobre isso, queríamos ter uma variedade de casais de homens, mulheres, pessoas intersexuais, celibatários, uma variedade de idades e de várias origens da classe trabalhadora, pessoas que trabalham em escritórios, artistas e gente de ordens religiosas. Haruku tem muito amigos lá e começamos falando com eles. Fizemos pesquisas no Google, e quando estávamos no Japão, uma pessoa levou a outra. Muitas delas são ativistas, então se conheciam. A comunidade LGBTQ não é tão grande lá, mas está crescendo.

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Haruku: Algumas pessoas LGBTQ nos disseram que intersexuais não são realmente LGBTQ, mas queríamos trazer Tatsuki [uma pessoa intersexual apresentada no livro] para o projeto, porque ele diz que sempre pensou em quem era em termos de gênero desde que nasceu. Michel e eu não gostamos de categorizar pessoas, e acho que o charme desse livro é que as pessoas nele retratadas são definidas pela riqueza de suas vidas.

Casamento gay ainda não é legal no Japão. Quão comum são parcerias civis?
Haruku: Não é algo nacional. Isso é permitido em alguns distritos — e distritos são menores que cidades. Por exemplo, em Tóquio, Shibuya e Setagaya foram os primeiros [em 2015] a conceder certificados. No ano seguinte, a cidade inteira de Hokkaido passou a realizar parcerias civis, na ilha norte do Japão. O Japão é muito conservador, não há muitas pessoas realmente lutando pelo casamento gay ainda. Se você está num relacionamento com alguém do mesmo sexo, não é possível casar e é difícil ter filhos, parece que eles estão uns três ou quatro passos atrás disso na lei. Mas se um parceiro é transgênero, você pode se casar oficialmente, mesmo se a relação era entre pessoas do mesmo sexo no começo.

Tatsuki.

Tatsuki.

Então, se você é trans, é possível mudar seu gênero pela lei?
Haruku: Sim. No sistema japonês, quando nasce você tem um registro, uma história pessoal, como uma carta da cidade. Agora é legal para os governos aceitarem pessoas trans e mudarem esse formulário de identidade, se você faz a operação [de mudança de sexo].

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Ai Haruna em Harajuki, cercada de fãs.

Mas parece que pessoas trans são amplamente aceitas na sociedade japonesa, já que vocês fotografaram a celebridade trans Ai Haruna?
Michel: O país está chegando lá, sim. A vida pessoal dela é amplamente conhecida — Ai foi tema de um documentário de 90 minutos transmitido no horário nobre na televisão. Um dia fomos "fazer compras" com Ai Haruna em Harajuku, uma rua de Tóquio popular entre os adolescentes, e em menos de 15 minutos, ela estava cercada por uma multidão de fãs. Acho que as aparições dela na TV e no rádio fizeram muita gente entender mais sobre diversidade.

FOTO 6
Fuyumi e Makoto, membros da comunidade LGBTQ surda de Osaka, publicaram um panfleto sobre bullying nas escolas.

Por exemplo, a mãe de um dos temas do livro entendeu melhor a orientação sexual da filha depois de assistir o show da Ai-san, e ouvir outros pais de gays e lésbicas falarem sobre suas vidas. Ela disse que isso a fez sentir menos isolada. Além disso, Fuyumi e Makoto [que também aparecem no livro — Fuyumi se identifica como queer e Makoto é um homem trans] já foram entrevistados no programa dela, e no dia seguinte no trabalho, Makoto — que não tinha se assumido como trans no emprego — foi abordado por colegas perguntando se era ele no programa da TV. Ele disse que sim e seus colegas não o trataram diferente depois disso.

Cartazes na parede do Akta.

Quem são as pessoas que geralmente se opõem aos direitos LGBTQ no Japão?
Michel: Bom, historicamente sempre houve amor entre pessoas do mesmo sexo em ordens religiosas e de samurais, então isso está na cultura japonesa há muitos anos. Hoje, é o conservadorismo em geral que vai contra isso. Não é uma coisa da cultura ocidental ou da moralidade judaico-cristã; é algo mais social. É a quebra com a conformidade que é o problema.

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O clube epônimo de Mandy é famoso por espetáculos de dança só com homens e shows de drag. Mandy muitas vezes recebe os clientes usando um quimono feminino.

Mas há alguns espaços seguros. Vocês fotografaram uma área chamada Shinjuku – é um distrito gay?
Haruku: Sim, a vida noturna LGBTQ se concentra na área Ni-chome do distrito de Shinjuku. Claro, há alguns bares individuais em vários distritos — um café em Shibuya, por exemplo —, mas nenhum outro bairro como esse. Shinjuku tem 90% de bares gays e alguns bares lésbicos. A dona no clube de mulheres, Chiga, que também fotografamos, foi a primeira a abrir um bar lésbico no distrito, e todo mundo ficou chocado. Não é um mercado muito grande. Considerando a população, há muito mais homens gays.

Quais são as coisas mais urgentes pelas quais os ativistas que vocês conheceram estão lutando agora?
Haruku: Maika Muroi, membro do comitê diretor da Parada Gay de Tóquio, acha que a prioridade da comunidade deve ser criar redes de informações nas escolas e legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Akta, uma organização sem fins lucrativos, está fazendo uma campanha educativa nas escolas sobre HIV/AIDS através de performances dramáticas e musicais.

Apotheke.

Michel: Nori, o empresário/produtor da [banda gay] Apotheke, não está interessando em casamento ou na maioria dessas convenções "burguesas". As músicas do Apotheke, nas palavras dele, são como "um cavalo de Troia" para a sociedade, para questionar gênero e padrões sexuais, e também para questionar a estrutura política presente. Os temas que acompanhamos têm diferentes estilos de vida, de aspirações tradicionais de casamento e mobilidade social até gente mais radicalmente subversiva. Mas todos compartilham a crença e o conhecimento de que a sexualidade e a identificação de gênero são agentes políticos, e estão ligadas com as questões de classe, história, ecologia, paz mundial ou guerra.

Edges of the Rainbow está disponível pela The New Press na Amazon .

@MillyAbraham

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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