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Música

“O Buraka Som Sistema Atingiu a Maioridade”, diz Branko

Trocamos uma ideia com o produtor português que falou sobre o novo álbum da banda, ritmos periféricos e sua vontade de tocar logo no Brasil.

O produtor português Branko é uma espécie de embaixador mundial do kuduro. Ele e o seu Buraka Som Sistema foram os responsáveis por levar a sonoridade da periferia africana pros quatro cantos do mundo. Mas o cara adverte: "O Buraka não é um grupo de kuduro".  Isso porque o importante para Branko não é resumir seu som a um único gênero, mas agregar à sua música um número cada vez maior de culturas.

Tem sido assim nos últimos oito anos, tempo em que a banda estourou com "Yah!", tocou com a M.I.A e lançou o insensado Black Diamond. A ideia, conta Branko, é explorar cada vez mais. Para ele não há limites na hora de fazer música. Não por acaso o Buraka é capaz até mesmo de inventar novos ritmos, como o zouk bass. E é assim que esse bem bolado musical deságua em Buraka, o mais novo álbum do grupo, que acaba de ser lançado pelo selo Enchufada. Depois de três anos sem disco novo (Komba é de 2011), a boa nova vem acompanhada do clipe de "Vuvuzela (Carnaval)", o primeiro single desse último trabalho.

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Em outubro, Branko, Riot, Kalaf e Conductor caem na estrada numa tour pela Europa – há shows marcados em Berlim, Copenhagem, Amsterdam, Paris e Londres. No Brasil? Nada por enquanto, mas pra não deixar você na vontade dá uma lida na entrevista que fiz com o cara:

THUMP: Branko, você já declarou que não faz kuduro porque não viveu em Angola. Sendo assim, qual sua motivação para se tornar uma espécie de propagador do gênero?
Branko: Buraka Som Sistema nunca teve uma bandeira, nem nunca foi um grupo de kuduro. O grupo nasceu acima de tudo pela mistura de culturas presente em Lisboa e pela forma como crescemos com tudo isso presente e à nossa volta. Em 96 ou 97, na Amadora (arredores de Lisboa), tanto passava na rua um carro em que dava para escutar kuduro ou kizomba, como dois minutos depois um carro a ouvir a nova compilação de drum and bass da Metalheadz. É nesta realidade que nasce o Buraka, uma espécie de filho bastardo da cidade de Lisboa que pela originalidade se foi espalhando pelo mundo, e cada vez mais abrindo as fronteiras e incluindo outras realidades como o funk do Rio ou o tuki de Caracas.

Vocês fundaram o zouk bass, né? Explica pra nós como o gênero funciona.
Penso que quando nasce um gênero existe sempre um pouco de acaso envolvido. Depois de seis anos a explorar majoritariamente sonoridades em volta dos 140 BPM's, começamos a trabalhar em vários instrumentais inspirados principalmente na kizomba e na tarraxinha, que tal como tinha acontecido até agora, fundiam os universos da musica electronica de Londres com algo presente em Lisboa via África. Tínhamos uns cinco ou seis sons dentro dessa sonoridade e decidimos usar estes temas para abrir o set que fizemos para o Boiler Room em 2012. O Kalaf no microfone ia gritando "we call it zouk bass", e passado menos de uma semana começarmos a receber temas de outros produtores inspirados nesse início de set. Na realidade não sei bem como funciona, sei que por vezes vais de encontro a ideias que simplesmente fazem sentido para as pessoas e entram na nossa vida como se sempre lá tivessem estado.

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Aqui no Brasil tem uma nova leva de produtores da periferia que estão misturando EDM com o funk da favela. Você curte esse trânsito, não é? Que outros ritmos você gostaria de misturar à sua música?
Talvez por viver na Europa confesso que não entendo bem o que é ou deixa de ser o EDM. A mim soa-me majoritariamente ao que há uns anos era considerado Eurodance - e nesse sentido acho que é música feita com um intuito comercial e está presa em fórmulas estáticas. Acima de tudo, o que eu procuro é musica criada com acesso a instrumentos electronicos (computador, mpc, etc) que nasce num contexto urbano, criada por pessoas que fazem parte de uma cidade e de um universo único, que o vão usar para contar a sua história como o baile funk do Rio, o tuki de Caracas, o afro house que está a tomar conta de África, cumbia digital dos mais variados locais da América do Sul, etc. Criar cultura com música electronica. Claro que não tenho nada contra esses gêneros serem fundidos com uma linha de musica de dança mais formatada, acho mesmo que essa é a fórmula que por vezes traz algum reconhecimento, desde que seja com o intuito de enriquecer o universo da música, e não para vender em saldos um determinado conceito.

Qual é o limite para esse mix e até onde podemos chegar com esse crossover de gêneros?
Desde que faça sentido em qualquer contexto social, não penso que exista nenhum limite. O limite começa quando as pessoas começam a mixar sem qualquer tipo de razão, quando se passa de uma experiência social para uma experiência tecnológica. Aí a coisa fica meio como um bulldog francês que só existe porque alguém se lembrou de cruzar um bulldog com um chihuahua e transforma-se numa aberração que vai ter quatro ou cinco meses de vida em blogs.

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Você já gravou com a Deize Tigrona, já tocou no país várias vezes e o nome do seu clipe novo tem carnaval no título. Qual o som brasileiro você mais tem gostado de ouvir?
Tenho andado a ouvir bastante a nova sonoridade mais lenta do funk que chamam de rasteirinha, acho que surgiu no momento certo em que a cena precisava de uma lufada de ar fresco e ao mesmo tempo a meu ver criou uma ponte entre algo electrónico e uma espécie de pagode ou embolada que é bastante brasileiro e que ainda não tinha reflexo dentro do contexto electronico. Artistas como Omulu, Marginal Men, Comrade do Xão, Sistema Criolina, entre outros estão a fazer um trabalho fantástico.

Branko, você faz som e está nas pistas desde 1990, não é? Como é a cena por aí? Há outras pessoas fazendo kuduro em Portugal também, não?
A ideia que iniciamos com Buraka tem vindo cada vez mais a ganhar vida própria com outros artistas, acho mesmo que é um caso de felicidade em que Lisboa e, em casos específicos o Porto, ganharam uma nova linguagem que está presente um pouco por todo o lado. Desde DJs como o Marfox até grupos como Batida ou Octa Push estão a criar a sua própria linguagem e a ganhar o seu espaço na cena nacional e internacional. É brutal acompanhar essa evolução.

O que você diria para as pessoas que ainda não ouviram o disco novo, Buraka, que fosse capaz de convencê-las a ouvi-lo?
Diria que é o disco em que a banda atingiu o estado mais pleno de criação, daí o nome. Já trabalhamos juntos há oito anos e acho que temos mais do que nunca noção de qual é o trabalho de cada um de nós para o colectivo. Em resumo acho que é um disco em que atingimos a maioridade da banda e percebemos exactamente qual é a nossa missão musical no planeta.

E nós vamos poder assistir a um show de vocês por aqui em breve?
Gostávamos muito de tocar no Brasil com muito mais frequência. Ainda não temos data para voltar, mas sem dúvida que é uma das prioridades para 2015. Adorávamos fazer uma tour em clubes mais intimistas e conseguir chegar às pessoas que nos entendem bem como alargar o espectro a festivais, etc. Resta-nos ter os convites certos para conseguirmos realizar este sonho.

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Mais Buraka:
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