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FIGHTLAND

Perguntámos a dois especialistas o que aconteceria se o Irão tivesse armas nucleares

Seria o Irão mais uma força temperamental e desmiolada como a Coreia do Norte? Iriam a correr apertar o Grande Botão Vermelho? O que poderíamos temer?
Sam Taylor

Recentemente, os Republicanos do Senado norte americano enviaram uma carta aberta (estranha, por sinal) aos líderes do Irão, informando que qualquer acordo nuclear que façam com Obama será rasgado em mil pedacinhos pelo Congresso. Se não estiveres atento até podes pensar que os republicanos querem que o Irão produza armas nucleares. Não é assim, eles não querem. O que eles também não querem é que o presidente Obama faça um acordo que possa dar luz verde para o Irão, e, pelos vistos, a melhor forma que encontraram para que isso não aconteça foi "brincando com o fogo".

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Mas do que é que toda a gente tem medo? Seria o Irão mais uma força temperamental e desmiolada como a Coreia do Norte? Correriam para apertar o Grande Butão Vermelho e, automaticamente, mandar Tel Aviv pelos ares? Seriam capazes de puxar uns cordelinhos e negociar "amigavelmente" com os outros países da região para que nós [os EUA] ficássemos sem acesso ao petróleo? Ou, em vez de tudo isto, seria possível o Irão tornar-se num membro responsável da comunidade internacional, mesmo com um arsenal nuclear?

Para perceber melhor o que aconteceria se a República Islâmica do Irão possui-se um vasto arsenal nuclear, falei com dois especialistas sobre o assunto: William H. Tobey, catedrático na Harvard's Belfer Center for Science and International Affairs, em Harvard; e Kamran Bokhari, especialista em assuntos do Médio Oriente e da região Sul da Ásia, em Stratfor.

Representação de dois beligerantes em competição, não os nossos estimados especialistas.

VICE: Antes de avançarmos para o campo do hipotético, quais são as probabilidades de isto realmente acontecer?
William H. Tobey: Eles fizeram algumas coisas que causaram sérias preocupações para a Agência Internacional de Energia Atómica e para o o Tribunal de Segurança das Nações Unidas, portanto acho que não devemos descartar essa ideia. Mas também não há grandes certezas.

Kamran Bokhari: As armas nucleares são realmente o que eles mais querem ou, em vez disso, preferem poder geopolítico - que, em todo o caso, lhes seria mais conveniente? - para manter a sua influência na Síria. Ou ainda, conseguir que os Estado Unidos fiquem do seu lado, usando o Daesh [o verdadeiro nome do Estado Islâmico] como arma de ameaça? Certificar-se que o governo xiíta do Iraque continue no poder? Conseguir que o Hezbollah continue a ser a força dominante no Líbano? Fazer com que os houtis continuem a marcar pontos no Yemen? São estas o tipo de coisas que os iranianos consideram bem mais importantes que armas nucleares.

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Ok, mas imaginemos que as conseguem. E o que é que iria acontecer?
Bokhari: Muito provavelmente iriam adquirir o arsenal sorrateiramente, sem ninguém se dar conta, e testá-lo quando houvesse oportunidade. Ou então não iriam testar. Se eu fosse iraniano, por que raio iria eu testar, sabendo que só causaria indignação e mal estar por parte da comunidade internacional? Já tenho sanções suficientes. Já estou em negociações para me livrar dessas sanções e com isso só traria ainda mais penalizações. Seria um passo atrás depois de todos os avanços que conseguiram, especialmente com as negociações com os Estados Unidos que já duram há dois anos.

Tobey: O cálculos de risco do Irão mudariam completamente. Poderia funcionar como um disfarce para agirem de forma a desestabilizar a região. Iria criar, para o Irão, uma situação de domínio crescente para com os países vizinhos. Estariam mais próximos do extremismo, e teriam o poder para cometer - por exemplo - actos terroristas à sua volta.

Israel está sob ameaça?
Bokhari: Se olharmos para o tamanho de Israel, se houvesse um país inimigo que pudesse utilizar armamento nuclear contra eles, isso seria como uma espécie de Juízo Final para os israelitas, e não conseguiriam sequer suportar um único ataque. O que acontece é que neste cenário provável, Israel não se pode dar ao luxo de basear a sua política no que pode ou não um "potencial inimigo" fazer. Geralmente, os decisores políticos, num contexto de estratégia militar, assumem o pior cenário possível. Quanto muito, os israelitas assumiriam-no devido à fragilidade que atravessam.

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Tobey: Ouvem os iranianos dizer coisas do género: "Israel já é uma espécie de bomba-relógio" e temem que governos mais extremistas que o actual possam assumir o poder, guiados por algum tipo de crença teológica que diga que um apocalipse é, de alguma forma, benéfico. Estas são posições assumidas pelos israelitas, e é isto que está por detrás do argumento que diz que isto é uma questão existencialista para Israel. Se alguma arma nuclear atingisse Israel, a esperança média de vida dos habitantes iria baixar drasticamente. São armas absolutamente devastadoras.

O que é que um ataque nuclear causaria realmente a Israel?
Tobey: Os primeiros efeitos de que se tem falado seriam políticos e económicos. Os sobreviventes iriam sentir-se inseguros. Não é exactamente um país bomba-relógio. Uma arma nuclear não consegue destruir mesmo Israel, mas se abalarmos profundamente a economia e a política do país destruindo a ideia de segurança, Israel poderia sucumbir. Para nós é, certamente, inimaginável, mas infelizmente há pessoas que o imaginam. A queda de um país está mais dependente dos efeitos secundários de uma catástrofe ou ataque militar do que propriamente uma destruição territorial.

Bokhari: Desde sempre existe a ideia que, "Os israelitas vão atacar as instalações de armazenamento do arsenal nuclear dos iranianos". Debrucemo-nos sobre o que isso poderia realmente implicar: é necessário uma certa quantidade de aeronaves, combustível, capacidade de abastecimento durante o voo, rotas exactas, e existiriam armas suficientes para destruir a montanha de cimento que esconde, sabe lá Deus onde, o arsenal nuclear do Irão? Já para não falar que o Irão está a 1931,2 quilómetros de Israel. Se fizermos as contas, há questões físicas e de logística que devemos ter em conta antes de nos precipitarmos dizendo que Israel pode ou não atacar com sucesso o armazenamento de armas nucleares do Irão.

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Tobey: Penso que a ameaça real seria se Teerão ficasse com espaço suficiente para ser mais activo no apoio a grupos como o Hezbollah, e sentisse que a ameaça de retaliação tanto por parte dos Estados Unidos como por Israel seria menor, porque estavam na posse de armamento nuclear e isso iria dissuadir qualquer tipo de acção contra as suas forças. Hezbollah opera actualmente no Líbano e na Síria. Se imaginarmos um ataque [não nuclear] a Israel, seria a partir do norte.

Bokhari: Os Estados Unidos não estão dispostos a fazê-lo - e, novamente, não podemos ter certezas - mas ao negociarmos com o Irão, eles continuam a ser uma espécie de "bad guy". Não queremos atacá-los sabendo que iriam ganhar com a onda de simpatia que iria surgir em todo o mundo. Os chineses e os Russos tão-pouco vão negociar. E tenho a certeza que os Europeus ficariam chocados.

Tobey: Agora, os iranianos viriam com a típica conversa de que as suas fronteiras não mudaram ao longo de 300 anos - ou qualquer coisa do género -, e que o Irão não entra em guerras de agressão, mas se pensarmos nas invasões perpetradas aos países vizinhos no último século, penso que isso acaba por ser verdade. Mas o que o Irão fez até agora foi tentar utilizar a sua influência em grupos ou outros governos. Se pensarmos bem, a sua influência - à custa de regiões mais próximas, nomeadamente os chamados países sunitas - no Yemen, Iraque, Síria e Líbano é bastante forte. A propagação do xiísmo é um objectivo na estratégia iraniana, [apesar de] não ser exclusivo. Tenho a certeza que Teerão está muito mais satisfeito por ter, agora, um governo amigável em Baghdad, contrariamente, por exemplo, ao regime de Saddam, com quem travou uma longa e bastante dispendiosa guerra.

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Teria algum efeito económico em países como os Estados Unidos?
Bokhari: Penso que o maior impacto económico seria no próprio Irão. Ver-se-ia atolado em sanções.

Tobey: Existe uma guerra fria entre o Irão e a Arábia Saudita que já dura há algum tempo. Se a guerra aquecer, poderia ter consequências no fluxo de petróleo, talvez porque a produção ou refinaria de petróleo saudita sofreria danos, o que iria causar a oscilação de preços e, com isso, os nossos próprios interesses económicos. Apesar de que, agora, estamos menos dependentes disso, porque produzimos bastante petróleo, e que, aliás, o maior comprador deste combustível saudita é a China. Mas é preciso não esquecer que as transações económicas mundiais são tão interdependentes que uma possível recessão da China poderia afectar os Estados Unidos.

E o Irão saberia o que fazer com as armas nucleares ou faria algo muito estúpido?
Tobey: Se formos inexperientes e estivermos a dar os primeiros passos no mundo das armas nucleares, a possibilidade de acidentes ou lançamentos não autorizados é significativamente maior. Há um país novo com armas nucleares. Não sabemos qual é a sua doutrina de procedimentos, quase de certeza que iriam fazer inúmeras verificações - o sistema americano tem bloqueadores que tornam impossível qualquer lançamento não autorizado. O armamento iraniano terá este tipo de mecanismos? E mesmo que os tenham, como seria a estrutura de comando e controlo? Quem seria o responsável? Seria o líder supremo? O presidente? Qualquer pessoa poderia ordenar a utilização de armas nucleares.

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Bokhari: Uma pessoa pode até errar nos cálculos, mas não faria nada intencionalmente estúpido. [E mesmo quando o Estado Islâmico] matou aquele piloto, com tamanha brutalidade, tenho a certeza que houve uma determinada lógica por trás de tudo aquilo. Não é assim sem mais nem menos, tipo "Hey, sabes que mais, apetece-me fazer alguma coisa hoje. Vou só ali pegar fogo a um piloto". Não é nenhuma tolice desmesurada. Há um método por detrás de toda aquela loucura.

Existe alguma possibilidade - real - do Irão emprestar armas nucleares a grupos como o Hezbollah ou o Hamas?
Tobey: Há pessoas que estão preocupadas com isso, outras não acreditam, porque acham improvável que isso teria repercussões para o Irão, e as consequências seriam bastante severas - se, por exemplo, houvesse um ataque militar de retorno - e seriam imediatamente dissuadidos a fazê-lo. É uma pergunta difícil. Sabemos que o Irão apoiou ataques terroristas contra civis. Mas isso significa conceder armas nucleares a grupos terroristas? Não sei!

Bokhari: As armas nucleares não são como as flores num jardim, que podemos apanhá-las e oferecê-las a alguém. Não é assim tão simples. Elas estão desmontadas, a não ser que aconteça algo e tenham que estar preparadas. Em 2006 investigámos isso aqui em Stratfor. Fizemos um estudo gigantesco sobre CBRM (Mísseis Radioactivos, Químicos e Biológicos) e entidades não governamentais e, para dizer a verdade, é necessário uma infra-estrutura que torna quase impossível que qualquer organização mantenha o armamento nuclear. É necessário um espaço, recursos, tecnologia de ponta e instalações, por isso não é provável que o consigam. Isto é mais ou menos como aquela ideia de que um zé-ninguém talibã, no Paquistão, possa pôr as mãos numa arma nuclear, o que por si só já é uma ideia surreal.

E existe a possibilidade de que isto possa ter consequências menos, sei lá, horríveis?
Bokhari: Essa possibilidade não é de todo descartável. Existe a possibilidade de colocarmos o Irão contra o Daesh e os jihadistas. Não é descabido pensar que os Estado Unidos e o Irão possam vir a entender-se, de alguma forma. Já o fizemos no passado. Temos [EUA] um longo historial no que toca a chegar a acordos com os actores menos prováveis. Washington chegou a um consenso com Stalin para derrotar os Nazis na Alemanha. Funcionou com o acordo entre a China Comunista e a União Soviética. Derrubámos o regime talibã num conluio com o Irão, e também coordenámos e cooperámos numa mudança de regime contra Saddam. Não é tudo preto e branco.

Tobey: Não sei. Só espero que possa ser evitado.

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Ilustrações por Sam Taylor. Segue Sam no Twitter