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Tecnologia

Uau, parece que ainda não vivemos dentro dos computadores

A vida não é tão fácil como carregar no botão de restart.

Este é o professor Massimo.

Aqui há uns tempos

publicámos uma entrevista com um cientista da NASA chamado Rich Terrile em que ele defendia que, e resumindo a ideia numa frase, todos os humanos vivem numa espécie de videojogo do futuro. A teoria é popular essencialmente por três razões: é simples, apela à malta amiga da passa e, claro, ninguém quer morrer. Mas, na prática, as coisas (a vida, a morte) são um pouco mais complicadas do que acreditar que vivemos numa realidade programada por um coder do futuro. Aliás, essa coisa da simulação é uma espécie de versão moderna da teoria medieval que dizia que a humanidade (e tudo o resto) existia apenas na cabeça de Deus. Numa de vos complicar as ideias, achei que seria fixe tentar desmentir as ideias do Terrile e, assim sendo, nada melhor do que entrevistar o Massimo Pigliucci, autor do livro Answers for Aristotle e professor universitário de filosofia. Não sabemos nada. Parem de sonhar com a ideia de ligar o vosso cérebro a uma Playstation. Sejam sérios, a vida não é tão fácil como carregar no botão de restart. VICE: O que achas de teorias como a do Terrile?
Massimo Pigliucci: Não estou completamente familiarizado com o trabalho dele, em particular, mas é um conceito antigo. Em filosofia chamamos “idealismo” ao conceito da realidade ser uma manifestação da mente, ou seja, uma ideia. O George Berkeley desenvolveu uma teoria parecida, só que com Deus no lugar dos computadores. Mas é uma ideia interessante, claro, do ponto de vista filosófico. Só que é empiricamente não-testável, ou seja, não é ciência. O filósofo Nick Bostrom apresentou recentemente uma teoria parecida com a do Terrile, por acaso. E o que diz?
Bem, diz que se é possível simular a consciência humana com um computador, e se há uma civilização com esse grau de desenvolvimento e com essa vontade, é provável que o faça repetidas vezes. Como nós, não há uma cópia única do Sims, há milhões. Dessa forma, é possível que existam vários universos simulados e apenas um, ou um pequeno grupo, de realidades físicas. Ou seja, por essa lógica, é muito mais provável que estejamos a viver dentro de um universo simulado em vez de numa realidade física. E o Bostrom conclui com a ideia de que talvez estejamos dentro da simulação de alguém. É um ponto de vista inteligente. Então e quais são os pontos fracos dessa teoria?
O Bostrom — presumo que o Terrile também — aceita uma versão muito radical da chamada teoria computacional da mente, ou seja, o conceito de que a mente é como um software informático. Há alguns elementos dessa corrente de pensamento que são aceites por neurocientistas e filósofos, mas é algo que está longe de ser comummente aceite no seio da comunidade científica. A minha posição é mais próxima da do John Searle. Ele diz que a mente humana não é um computador simplesmente porque é uma actividade biológica, tal como a respiração. É algo que decorre do processo evolutivo. Não estou a dizer, claro, que não há nada de místico com a nossa consciência ou que é impossível reproduzir esse fenómeno de maneira artificial. Mas acho que não faz muito sentido dizer que poderíamos simulá-la com um computador, ou fazer o seu upload para um disco, por exemplo, de maneira a alcançar a imortalidade — como defendem os apoiantes do singularitarianismo. Parece haver uma enorme receptividade a estas teorias. Suponho que seja pelo potencial que têm em tornar as coisas mais simples.
Sim, é uma espécie de religião para nerds. O Grande Simulador, uma espécie de Deus sem as partes chatas do Antigo Testamento. É isso que eu acho mais incrível com todas estas especulações: os ateístas parecem adorar estas coisas do programador que criou a realidade em que vivemos. Outra coisa: um dos argumentos do Terrile para defender que a nossa existência é uma simulação é aquela ideia de que as coisas, quando vistas ao microscópio, aparecerem pixelizadas. Parece a gozar.
Não entendo exactamente o que ele quer dizer com isso. Acho que os cientistas não olham para os quarks e vêem algo pixelizado. Se queres algo de interessante para pensar vai ler o Every Thing Must Go do James Ladyman e do Dan Ross. É um livro em que eles traçam as linhas comuns a todas as teorias físicas importantes (relatividade, mecânica quântica, cordas, etc). Concordas que o cepticismo de pessoas como o Terrile possa ser apelidado de pseudo-cepticismo?
Não, não iria tão longe. O cepticismo radical — é assim que lhe chamamos em filosofia — tem um longo e interessante historial, um certo pedigree. Basta pensares no “penso, logo existo” do Descartes. A questão é que este cepticismo radical, por não poder ser lógica ou empiricamente refutado, é um beco sem saída. Penso mais nisso como uma espécie de atestado de humildade, do género “pois, não sabemos nada”. Um tipo grego fez as perguntas, o professor Massimo responde. Mais de dois mil anos depois. Mas não achas que teorias como as do Terrile se afastam do conhecimento genuíno?
O Platão dir-te-ia que a ideia de “conhecimento genuíno” é redundante. Ainda assim, acho que uma das melhores coisas que a filosofia tem é a capacidade de fazer experiências fora do campo empírico da ciência. Só acho que os entusiastas da teoria pseudo-científica da simulação do Terrile querem a todo custo fugir da inevitabilidade da morte.
Não usaria a palavra “pseudo-científico” com tanta ligeireza. O Terrile é um cientista a sério que faz ciência a sério. Quer dizer, pelo menos quando não está a falar de realidade pixelizada. É essa a diferença entre isto e, por exemplo, o conceito absurdo de “cura quântica” do Deepak Chopra. Os académicos têm responsabilidades acrescidas, sejam eles cientistas ou filósofos. Têm de perceber onde é que a ciência acaba e a especulação começa. Mas sim, não digo que o medo da morte não entre nas contas. Como é que estas ramificações científico-filosóficas mais esotéricas são tão populares?
Porque são mais divertidas. A imaginação humana gosta de descarrilar. É por isso que os livros sobre a teoria das cordas se vendem melhor do que os de mecânica Newtoniana. Os zombies são mais populares do que princípios de lógica. Os temas das franjas são sempre mais interessantes. Isso, por definição, não constitui problema algum desde que os autores sejam responsáveis, o que nem sempre acontece, infelizmente.