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Crescer em... Torres Vedras

Não, o vídeo não matou a estrela da rádio e música na cidade era sinónimo de Arcádia.
duas crianças na praia
O autor e a irmã na praia. Cortesia do autor.

Início dos anos 80, Largo da Graça. A minha velhota cada vez que pensava em dar uma volta por Torres tinha que passar na loja da moda, no então famoso Centro Comercial Barão. Dava uma vista de olhos na bombazina, enquanto eu, hipnotizado, olhava para uns botins com cara de sapo e sonhava com ser o rei das poças com eles calçados. Entrávamos e saíamos e não comprávamos nada, mas valia a voltinha e o balãozinho cheio de hélio que davam aos miúdos à saída. Isso é que eu ficava contente!

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Todos se lembram do Michael Knight, o Justiceiro, aquele gajo que nos anos 90 falava para um relógio, em brasileiro, e dizia: Kite, vem me buscar! Esse mesmo. Mas, nos anos 80 o gajo falava em inglês e, nessa altura, Kitt, o automóvel, veio a Torres, à antiga Banix, ao lado da discoteca Arcádia (e sim, ainda vou falar da Arcádia). Pagavas 200$00 para tirar uma fotografia ao volante do mítico Pontiac Trans-Am, o saltitante, falante e reluzente automóvel hollywoodesco que exaltou nesse domingo o espírito terceiro mundista que se vivia em Portugal e o invencível saloismo americano, na baixa torreense.


Vê: "A história do Pinball: da ilegalidade ao domínio mundial"


Dos 80s para os 90s existia uma febre cega de americanismo. Todos queriam ter o vídeo-gravador da Sanyo e alugar o Rambo, o Cobra e todos os filmes do Van Damme como se não houvesse amanhã. Eu não tinha nenhum Sanyo, mas passava regularmente no Videoclube Torreense para ver as capas dos filmes mais recentes… e como quem não quer a coisa, dar uma vista de olhos nas contra-capas dos filmes da secção porno.

Crescer em... Leiria

E não, o vídeo não matou a estrela da rádio e música na cidade era sinónimo de Arcádia, onde íamos nas horas livres da Madeira Torres, o liceu, ouvir Manowar, Metallica, Manic Street Preachers, entre tantos outros. Aquilo era muito à frente. Sentadinhos, a ouvir grandes sons, de olho nas miúdas do Liceu e da Técnica, que procuravam, compulsivamente, pelo ultimo CD dos New Kids on the Block. Agora que penso nisso, foram bons tempos. E, claro, foi na Arcádia que muitos torreenses compraram os seus primeiros álbuns. Uma mini catedral do som, onde a muito custo comprei o Angel Dust dos Faith No More, o meu primeiro álbum.

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Bejecas, tintol e papirussos, ou a triologia preferida de muitos dos grupos que existiam nas escolas de Torres, desde os metálicos aos góticos, dos matárros aos queques, dos jogadores aos marrões. Este triunvirato composto pela cerveja, o vinho, e o "xámon", era sem dúvida alguma o preferido do meio estudantil da cidade. Oito da manhã, chegávamos ao café O Segundo, pedíamos um bagacinho e uma caneca de imperial e bebíamos um submarino. Quem conseguisse ia à primeira aula.

Crescer na... Covilhã

O Verão em Torres praticamente não existia, a não ser pela feira de S. Pedro, onde em miúdo alucinava com os autocolantes e porta-chaves que nos davam ao passar pelas bancas e pelos stands, pelo algodão doce e pelas farturas que pedia incessantemente, mas nunca cheguei bem a perceber porquê, quase nunca comia. A minha mãe tinha uma obsessão doentia por dióspiros e cavacas das Caldas.

Mais tarde, em verões adolescentes e na companhia do triunvirato da praxe, conhecíamos Torres Vedras do sol da praia… e de noite, Santa Cruz. Muito antes da discoteca Faraó ter sido construída, o teen spirit do oeste acotovelava-se no Living Opera, no Cais, na Torre ou no Dali. Enchiam-se bares, esplanadas, areais e ouvia-se Nirvana, Pearl Jam, Smashing Pumpkins. Repetíamos a dose quantas noites conseguíssemos. Com uma grande jarda na cabeça, deitados ao abandono, cantávamos no areal em frente ao Dali: "I'm a loser baby, so why dont you kill me" e definíamos a geração rasca que nunca o foi.


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