Dia 25: Do calor do sol ao dos palcos

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Milhões de Festa

Dia 25: Do calor do sol ao dos palcos

Fortes cumprimentos também para quem não aguentou tanta emoção.

Depois de no ano passado as nuvens e a chuva terem ensombrado o festival, a organização do Milhões de Festa tomou as rédeas e fez a contratação mais sonante do defeso, em sentido inverso ao que se passa por exemplo com o Benfica, e fechou três dias de sol intenso e brisa agradável com S. Pedro.

Quer isto dizer que os dias que se alongam em redor da piscina com um mojito na mão estão de volta, e com eles os corpos sinuosos de bateria, as linhas desconcertantes das cordas e vá, não adiemos mais, os peitos, que Deus tão bem desenhou de tantos tamanhos e feitios. A vida é bela quando passada debaixo de água ou do cogumelo com formato fálico, a trabalhar o bronze na relva, ou bailando o delicodoce dos Dear Telephone. Melhor fica com o regresso a casa dos Riding Pânico, que não perdem uma edição há quatro anos consecutivos, desta vez formando um colectivo imponente e uma formação articulada de propósito para a festa. Ocupando o palco estavam quatro guitarras apoiadas pelo baixo do Makoto, com dois colossos (Hélio Morais e Miguel Abelaira) na bateria e ainda o Shela nas teclas, superbanda que deu pulso ao coração da deslumbrada piscina. Tempo ainda houve, antes e durante a janta, para um salto ao Palco Taina, levados pela curiosidade suscitada pelos Soccer96, power duo britânico e videojogo musical com gráficos incrivelmente realistas e jogabilidade rítmica alucinante, que entregaram a toda a gente ali localizada à beira-rio os seus beats intensos resultantes da óptima conjugação dos sintetizadores e da bateria. Os sons exigiam até passos dançantes, mas a situação na plateia não era a mais favorável: afinal de contas, o sol ainda brilhava nas faces e as mãos carregavam copos de cerveja ou malgas de sangria, e assim se entendia que grande parte da audiência optasse por se sentar na relva ou nos muros. Nada que fosse assim tão grave: nós curtimos o concerto e eles também. Existirão mais motivos de interesse nos sul-coreanos Jambinai para além do exotismo dos seus instrumentos (o Google diz-me que se chamam geomungo, piri e haegum — cada dia se aprende mais)? Claro que sim: e bastou ouvir o começo com o choro ameno das cordas que nos transportaram para bem longe das margens do rio Cávado e apenas parando algures em Seoul. Mas rapidamente esta acalmia se transformou no poderio bruto de "Time of Extinction", a segunda canção do concerto, e que definiu logo o estado de espírito que estaria presente até ao final. Foram isto os Jambinai: uma combinação da harmonia dos sons tradicionais do oriente com a potência dos riffs que escalavam até momentos de quase-caos. Referiram que no início do concerto (o que até originou um atraso que se manteve durante toda a noite) estavam apreensivos perante o pouco público que os esperava — “eram quase menos pessoas do que os membros da banda”, disseram — mas a rápida alfluência que logo se verificou fê-los soltar um sincero “obrigado”. Acabariam com "Connectionem nova nota melódica, já sem baterista e baixista em palco, tal como tinham iniciado o concerto. Subindo ao palco Vodafone FM, Missy (Ginger) e Daniel (The Ghost), australianos de naturalidade e com encantadores EP na bagagem, mostraram-se um pouco mais vazios ao vivo do que o mostraram ser em disco. Não que musicalmente tenham ficado em falta: ouviram-se ali as vozes fofinhas, os refrões cativantes e os ritmos que facilmente nos deixam a abanar a anca, ainda para mais complementados pelas danças enigmáticas de Ginger com o seu volumoso manto branco. Mas o palco pareceu enorme para o duo, demasiado confiante no seu jogo de samples, delays e backing tracks que faziam com que a voz e a guitarra aparentassem ter pouca substância no meio da mistura sonora, ainda que a espaços tudo resultasse da melhor forma ("Where Wolf", por exemplo, terá sido das que menos sofreu com isso). Mas, apesar de tudo, mostraram uma atitude bastante fixe e um entusiasmo óptimo pelo festival, como o demonstrou o cartaz que exibiram: “Nós somos os Ginger and the Ghost e vamos fazer Milhões de Festa”. Bonito. Já referimos algumas vezes o nosso entusiasmo desmedido pela Chelsea Wolfe, e em particular a expectativa acerca do seu concerto neste Milhões de Festa. E, apenas umas horas após ter subido ao palco Milhões nesta Sexta-Feira, só podemos sentir que esse entusiasmo foi extremamente bem direcionado e correspondido — mesmo com o atraso de meia hora no arranque devido (não só) à indecisão quanto às luzes de palco. Logo na segunda canção um grandioso momento, já que "Feral Love" arrancava com aquele ritmo incessante de como se de uma perseguição no bosque se tratasse. Perante um alinhamento generoso (mais de uma hora e um quarto), repartido principalmente por Pain is Beauty e Apokalypsis ("Demons", sempre a abrir, foi brutal), Barcelos ousou mergulhar na escuridão e aura fantasmagórica emanada por Wolfe (escuridão essa quase literal, já que a pouca iluminação em palco acabou também por ser uma tormenta para os fotógrafos) que criava uma atmosférica incrível e perfeitamente suportada pela bateria, baixo e violino que a acompanhavam. Espaço ainda para um encore, com Chelsea Wolfe sozinha em palco de guitarra em mãos para "Lone" e um final definitivo com "Echo". Encontra-la-íamos mais tarde na zona de imprensa, e por entre a sua simpatia tivemos a oportunidade de lhe dizer que só faltou "The Warden" para o concerto ser absolutamente perfeito. Mas nem sequer nos podemos queixar. De volta ao palco Vodafone FM, o rock dos The Cult of Dom Keller enfrentava demasiada competição: o óptimo concerto da Chelsea Wolfe a que acabáramos de assistir, a expectativa pelo primeiro concerto dos Boogarins que se seguiria e até o inegável apelo do stand de cachorros quentes, que fazia salivar um destes vossos escribas, que desde que metera os pés no Alfa Pendular ao meio-dia, não se fazia alimentar em condições. Mas, com toda a seriedade, há que dizer que foram competentes no seu concerto, tão competentes que a dada altura até colocaram dois membros da equipa de segurança do festival em entusiasmado headbang. Ficaram-se, no entanto, por aí: não acrescentaram o suficiente para que venham a ser recordados como algo mais do que um espaço no horário entre momentos tão aguardados. Mas demonstraram o poder do riff o melhor que puderam — e o riff nunca engana, amigos — e assim sendo não há que protestar com eles. Entram então em palco os Boogarins, com largos sorrisos marotos nas faces, para logo delinearem a ponte transatlântica musical e embalarem a plateia no seu rock alegre e jovial, que conjuga elementos clássicos ao espírito aberto e jogo de cintura do samba ou do funk. É música fresca, descontraída, acima de tudo dançável e fácil de agradar a quem agita a anca ou o pescoço. Na primeira que prevemos ser de muitas viagens futuras ao nosso país, mostraram reportório passado e novo, confirmando novo álbum para “logo”. Corrida rápida de volta ao segundo palco e somos recebidos com a promessa de um concerto orientado pela percussão, com bateria e bongós a ocupar o centro do cenário, e não saímos defraudados da expectativa de um serão dançado e saltitante. Os Fumaça Preta juntam um melting pot de influências sul-americanas e africanas a uma base de fuzz psicadélico e orgânico, qual tribalismo rasgado pelos gritos de ordem que catapultavam corpos no ar do lado da plateia. Naquele que era e foi tanto o apoteótico regresso como o provável ponto final na carreira de uns reconhecidamente envelhecidos Vicious Five, o frontman Joaquim Albergaria optou por espalhar mais acidez em discurso directo do que na actuação. A vontade de puxar pelo público e fazer daquele um concerto memorável, denotada desde logo pela energia frenética digna de uma aula de aeróbica aos gritos, rapidamente se transformou numa “espiga” que incluiu uma birra se não se fizesse silêncio, e “elogios” e dedicatórias às mães de determinados membros do público. Uma relação amor-ódio que fez faísca quando disse era mais punk que as pessoas para quem toca — o que a ser verdade significa que guardará o punk na barriga —, o que gerou uma resposta energética à chapada musical que deixará marcas em alguns corpos. Ritmo totalmente diferente trouxeram de Vila do Conde os Sensible Soccers, tecedeiros de malhas e harmonias alongadas ao infinito, repletas de expectativa num controlo quase animal de um aproximar de lábios que nunca se torna beijo. Desta intensa ambiência sobra o amor e os passos de dança minimais que partilham com uma plateia deles sedenta. Madrugada adentro, coube ao turco Baris K o último gongo, na muito própria remistura do rock ácido de temporadas históricas do seu país, com a electrónica delineada para o complementar e transformar numa essência de degustação alarve e pulsante. Para quem ainda se aguenta de pé, claro. Fortes cumprimentos também para quem não aguentou, em especial para o tipo que desmaiou para cima de uma tenda e até hoje de manhã ainda permanecia.

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