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Quem precisa da Ciência e da Tecnologia?

Apenas os países que ambicionem o desenvolvimento.

Anualmente, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), responsável pelo financiamento da ciência em Portugal, abre concursos para atribuição de bolsas individuais (doutoramento e pós-doutoramento), contratos de investigador e projectos desenvolvidos em universidades, centros de investigação e empresas. Na década passada, a aposta que foi feita pelos governos anteriores visava educar e formar pessoas, fazendo com que o país passasse da cauda da Europa para a linha da frente. O investimento aumentou progressivamente fazendo com que o número de doutorados e investigadores atingisse níveis comparáveis ao de outros países europeus. No entanto, desde 2010 que existe uma política de desinvestimento e os números recentemente publicados são avassaladores. O investimento na ciência e na tecnologia em Portugal é cada vez menor e isso que pode levar a um retrocesso de várias décadas. O trabalho da maioria dos centros de investigação está seriamente comprometido. A nova geração de investigadores está a sair dos centros de investigação para o desemprego ou estrangeiro e os que ficam, bolseiros ou com contrato de investigador que durem cinco anos, são muito poucos.  Se toda a massa culta do nosso país fugir, o que vai ser de Portugal? Se o sistema científico em Portugal ainda é frágil e não consolidado, tamanho desinvestimento fará com que o sistema seja completamente destruído. Para o país “crescer”, terá de haver uma aposta continuada para que o sistema científico se consolide e o conhecimento gerado seja transferido para a economia. A única hipótese economicamente viável é investir no conhecimento e tecnologia para promover o desenvolvimento de produtos e serviços únicos e de elevado valor que nos diferencie de grandes potências económicas. As políticas de austeridade no ensino superior e na investigação não só comprometem a recuperação da economia, como serão os principais catalisadores da desgraça nacional. A camada social mais bem formada e preparada em Portugal (doutorados, pós-doutorados e investigadores) vai ter que emigrar. O dinheiro que Portugal gastou para nos formar, será aproveitado por outros países, sem que isso tenha retorno. Portugal andou a investir na formação de pessoas para os outros. Sem forma de sobreviver ou de progredir na carreira, todos irão fugir daqui. Neste momento, provavelmente, alguns dos melhores já saíram e, num futuro próximo, irão também os menos bons, no entanto considerados muito bons fora deste país. A questão é saber quem fica. É normal haver mobilidade de cientistas, mas o que se vê agora é que a mobilidade é feita num só sentido. Será que isto não demonstra falta de visão política e sentido patriótico? Um país em dificuldades que dispensa a camada mais bem qualificada de todas as suas gerações é um país sem visão no futuro. As consequências serão desastrosas e já se começaram a sentir em alguns sectores exportadores e inovação tecnológica. A FCT tem visto a sua imagem a ser degradada permanentemente. São vários escândalos e casos de opacidade muito pouco recomendáveis. Porque é que o júri desta instituição se recusa a usar os critérios europeus de avaliação? Como é que a FCT recusa vários projectos de investigação para pós doutoramento, sendo esses mesmos projectos aceites para financiamento na União Europeia? E porque é que em Portugal nós, os cientistas, somos considerados estudantes quando já temos dois pós-doutoramentos (12 anos após o doutoramento)? Em todos os países da Europa, ter uma bolsa de doutoramento ou de grau superior significa ter um contrato de trabalho. Porque é que não acontece o mesmo no nosso país? É triste, depois de vários anos a trabalhar em investigação (em muitos casos superior a dez anos), dirigirmo-nos ao Centro de Emprego para nos dizerem que não temos direito a nada. O absurdo é que a própria Segurança Social insinue que o melhor a fazer é mesmo recorrer à ajuda dos nossos pais! Aonde é que este país vai parar? São vários os casos em que nos dizem termos qualificações a mais para um emprego. Como se pretende que permaneçamos no país? É triste constatar que há muitas pessoas que não acreditam na Ciência e no desenvolvimento do país. O próprio Ministro da Economia afronta a classe científica ao proferir que não se pode "alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real". Infelizmente, a ciência é agora vista como um desperdício de investimento. Para além de redutor, tal comentário é falso e ultrajante. Saberá o Ministro que, por exemplo, se hoje consegue falar ao telemóvel foi porque, há quase dois séculos, Maxwell estabelecera as leis do electromagnetismo? Saberá, ainda, que se hoje consegue dirigir-se até ao parlamento de carro, sem se enganar no percurso, usando o GPS, foi porque Einstein se deu ao trabalho de reformular a gravitação na sua Teoria da Relatividade? Pois bem, falamos de descobertas da ciência fundamental. Toda a política bem intencionada tem o dever de defender e fomentar a ciências em todas as suas vertentes, quer esta fundamental ou aplicada. Mas comentários de desprezo ou de pura demagogia por parte da classe dirigente não se ficam por aqui. Referindo-se às ciências do mar, o actual Presidente da República, o Primeiro Ministro e a Ministra do Ambiente e do Mar, anunciaram que o mar seria uma das prioridades do país. Onde é que estão os instrumentos de financiamento, públicos e privados para projectos inovadores de investigação prometidos por todos? Onde estão os resultados das promessas feitas na Conferência do Atlântico, realizada em Lisboa em Novembro de 2011 acerca da “Economia e Ciência Marítimas do Atlântico — para um Desenvolvimento Sustentável da Europa”? Como se explica o facto de Portugal ser um dos países europeus com maior extensão de costa marítima e ter a sua exploração concessionada a estrangeiros quando, de facto tem a massa crítica necessária e especializada de elevada qualidade? Não deveríamos ser nós a maximizar a exploração sustentável dos mares e oceanos? Não deveríamos ser nós a estabelecer plataformas de cooperação entre as universidades e as empresas para que sejam criadas soluções mais sustentáveis e competitivas nas cadeias de valor da inovação da economia do mar? Como sempre, não passam de intenções e nada tem sido feito ou será feito, para isso. Mais uma vez, vão ser os outros países que o vão fazer nas nossas águas e vão evoluir e crescer às nossas custas. O Reino Unido, a França, a Holanda, a Noruega, a Alemanha são alguns dos países que o fazem desde longa data. E porque é que é assim? Se, por um lado, as políticas obsoletas e desadequadas, resultantes do radicalismo ideológico, podem infringir graves consequências no colectivo nacional, por outro, os efeitos na vida de cada um dos cientistas não são menos importantes. A precariedade, a insegurança financeira e a falta de perspectiva de carreira constituem um autêntico flagelo para os cientistas. E, neste aspecto, a FCT tem especial responsabilidade. Foi o caso de Hugo Terças, doutorado em Física pelo Instituto Superior Técnico em Novembro de 2011 com a classificação de Muito Bom com distinção, que viu a sua bolsa de pós-doutoramento cancelada. Embora tivesse ficado classificado em segundo lugar no concurso para a atribuição de bolsa no estrangeiro no concurso que abriu no mesmo ano — e, portanto, francamente longe da linha de corte —, a FCT cancelou o financiamento devido ao facto da tese não ter sido submetida para defesa em data anterior à abertura do concurso. Mesmo após recorrer, a direcção dos recursos humanos da Fundação foi categórica, referindo irregularidades na candidatura. Facto é que a FCT, não assumindo a sua responsabilidade ao ter avaliado o projecto, fazendo assim acreditar que tudo estaria em ordem, obrigou Hugo Terças ao cancelamento da viagem, à anulação de um contrato de arrendamento na Alemanha e ao embaraço de ter de informar a instituição de acolhimento da sua desistência. Um outro caso recente foi denunciado por George Rupp, investigador do Centro de Interacções Fundamentais do Instituto Superior Técnico. A candidata, que submeteu o seu projecto de pós-doutoramento neste último concurso FCT, teria terminado o doutoramento com média de 18,5 na componente curricular e com um total de 11 publicações em jornais internacionais com arbitragem científica. Apesar de classificado como Excelente pelo painel de avaliação, o projecto não foi aprovado para financiamento. Casos como estes, que seguramente não são isolados, constituem um autêntico atentado à dignidade pessoal dos candidatos. É, por isso, urgente que se intensifiquem os critérios de transparência dos concursos, permitindo aos candidatos o escrutínio e a possibilidade de recurso. Há já muitos anos que a Fundação não dá resposta à real demanda científica do país, defendendo sistematicamente as suas decisões com argumentos legais e/ou refugiando-se nas directrizes nubladas do ministério. O que é facto é que o sistema científico nacional não se compadece de manobras políticas e não poderá sobreviver se as regras do jogo forem constantemente alteradas. A FCT arrisca-se a tornar-se numa instituição burocrática ardilosa, que em pouco ou nada serve os cientistas. Se a Fundação para a Ciência e Tecnologia não cumpre as tarefas para as quais foi concebida, que seja dissolvida. Na verdade, algo de muito mau se passa num país quando o destino da ciência está, quase exclusivamente, entregue nas mãos de uma fundação. E um governo que não protege o sistema científico, que não o financia e que não é transparente na gestão de ciência, não tem legitimidade para exigir aos cientistas que procurem financiamento privado. Teresa Amaro, Nélia Mestre, Sérgio Correia, Hugo Terças são investigadores em distintas áreas científicas. Fotografia por Precários Inflexíveis