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A República do Nagorno-Karabakh É Outro País Desconhecido com um Futuro Incerto

Será que os acontecimentos na Ucrânia vão desencadear uma guerra entre a Armênia e o Azerbaijão?

Tanques azeris em Nagorno-Karabakh. (Foto via.)

Desde que a crise estourou em Kiev, comentadores internacionais começaram a discutir o possível efeito cascata em vários “conflitos congelados” nos vizinhos da Rússia. Ossétia do Sul e Abecásia na Geórgia, e a Transnístria na Moldávia – todos envolvidos em conflitos em algum momento das décadas passadas – já chamaram a atenção, mas ninguém está falando de Nagorno-Karabakh (talvez porque ninguém tenha muito o que dizer).

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Hoje faz 20 anos desde que a guerra terminou em Nagorno-Karabakh (NK), um enclave armênio no Azerbaijão que reivindica independência mas, internacionalmente, não é reconhecido como tal. De 1988 até 1994, a Armênia e o Azerbaijão lutaram pelo terreno numa guerra que matou mais de 30 mil pessoas. Um cessar-fogo mediado pela Rússia foi assinado em 1994, mas soldados continuam estacionados na “linha de combate” e pessoas continuam morrendo; dezenas delas são assassinadas todo ano e centenas de milhares continuam deslocadas. Svante E. Cornell – diretor da Central Asia-Caucasus Institutechama o país de “a mãe de todos os conflitos não resolvidos”.

Recentemente, as tensões têm crescido. Em abril, o Azerbaijão começou a realizar exercícios militares em larga escala nas proximidades da fronteira com a Armênia. Também há a ameaça de que a anexação da Crimeia pela Rússia – festejada na Armênia, que apoia a independência do NK, e criticada no Azerbaijão, que não apoia – pode perturbar o equilíbrio e, ao fazer isso, desencadear uma guerra regional que vai arrastar os grandes protagonistas locais, como Rússia, Turquia, Israel e Irã. “No geral, eu me preocupo com o que isso significaria para o Sul do Cáucaso”, disse Katherine Leach, embaixadora britânica na Armênia.

De qualquer maneira, a Rússia – que, de maneira muito prestativa, fornece dinheiro e armas para os dois lados da disputa – parece destinada a ganhar com a situação, mesmo que seja apenas capitalizando com a insegurança regional. Ano passado, Vladimir Putin fez um discurso em Erevan, capital da Armênia, onde declarou: “A Rússia nunca vai deixar esta região. Pelo contrário, vamos tornar nossa posição ainda mais forte”.

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O território disputado de Nagorno-Karabakh.

Em janeiro, o Comitê de Inteligência escolhido pelo Senado dos Estados Unidos divulgou sua “Avaliação de Ameaça Mundial”, apontando que “Nagorno-Karabakh e territórios adjacentes continuam sendo um problema em potencial” e que as “perspectivas de uma resolução pacífica” eram fracas. Depois disso, em setembro, foi divulgada a avaliação do International Crisis Group, que descrevia uma acelerada “corrida armamentista” no Azerbaijão e um crescimento da “retórica estridente” nos dois países, usando “termos como 'Blitzkrieg', 'ataque preventivo' e 'guerra total'”.

No dia 7 de maio, James Warlick – copresidente da equipe de negociação regional da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) – fez o tão esperado pronunciamento sobre “As Chaves para um Acordo” no NK. Mas o discurso – que fez pedidos evasivos sobre “medidas ousadas”, “princípios fundamentais”, “expressão da vontade” e “participação do povo” – não trouxe nada de novo para a mesa diplomática. Algumas semanas antes, Warlick usou o Twitter para meditar: “Que Páscoa maravilhosa! Minhas orações vão para um acordo duradouro no #Nagorno-Karabakh”.

Mas o derramamento de sangue na Ucrânia vai inspirar mais do que um tuíte pedindo intervenção divina?

Hoje, Nagorno-Karabakh está em ruínas. Violações do cessar-fogo são comuns, assim como exercícios militares de aquecimento. Soldados são baleados e mortos regularmente, alimentando especulações de que o “conflito congelado” está prestes a “ferver”. Civis também morrem, às vezes ao pisar em antigas minas terrestres espalhadas pela região. Praticamente uma terra de ninguém legal, o NK é um ponto conhecido de contrabando de drogas, ocorrência de pequenos crimes e tráfico humano. Como é fácil adivinhar, as condições de vida são precárias; centenas de milhares de azeris continuam deslocados, muitos vivendo em condições miseráveis.

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Então, eis que aconteceu o que aconteceu na Ucrânia. No começo, o referendo na Crimeia inspirou um novo impulso para uma resolução no NK; em novembro, os presidentes do Azerbaijão e da Armênia se encontraram pela primeira vez em três anos – uma discussão na qual o secretário de Estado norte-americano John Kerry prometeu “estar engajado”. Mas, em janeiro, o otimismo já tinha acabado. O início do ano contou com um aumento nas infrações ao cessar-fogo, relatórios sobre morte de civis, mortes na “linha de contato” e a prisão, no Azerbaijão, de um suposto infiltrado armênio.

Quando os residentes da Crimeia votaram pela separação da Ucrânia e a anexação à Rússia, a ONU aprovou uma resolução condenando a ação. O Azerbaijão apoiou o documento, a Armênia não. Na República do Nagorno-Karabakh, autoridades teriam realizado uma celebração pública em homenagem à suposta libertação dos crimeios.

A bandeira da República do Nagorno-Karabakh.

E não é possível afirmar que fomos pegos de surpresa; as coisas vinham se deteriorando há algum tempo, mas nos últimos anos viu-se um salto nos gastos militares na região. O Azerbaijão, em particular, vem adquirindo recursos militares num ritmo vertiginoso e alguns temem que Baku, a capital do país, sinta vontade de testar seu arsenal duas décadas depois do conflito com a Armênia.

E é aí que a Rússia entra. Não é segredo que Moscou está jogando nos dois lados, apoiando oficialmente a Armênia e estacionando tropas em sua base no distrito de Gyumri no país. Em 2012, o Kremlin enviou tropas para quatro outras repúblicas pós-soviéticas para o maior exercício militar realizado ali. Ainda assim, Moscou vende muitas armas, equipamento e sistemas de artilharia para o Azerbaijão.

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“Com Putin de volta ao Kremlin, acho que o principal instinto é preservar o status quo”, disse Thomas de Waal, associado sênior do Carnegie Endowment e autor de Black Garden: Armenia e Azerbaijan Through Peace and War. “[Os russos] não querem a guerra, porque isso os obrigaria a levar seu exército para o lado armênio, mas não vejo nenhuma evidência de que eles queiram a paz também… No momento, a Rússia não está com humor para esse tipo de criatividade. O país deve escolher estancar as coisas e [manter] sua influência.”

Os dois lados competem pelo apoio de Putin, e isso está funcionando – especialmente na Armênia. Próximo do fim da guerra no NK, a Turquia fechou sua fronteira para a Armênia, deixando o país isolado, e a Rússia correu para ajudá-la. Então, não é surpresa que, no ano passado, a Armênia (assim como a Ucrânia) tenha anunciado que preferia fazer parte da nova união aduaneira com a Rússia em vez de tentar uma associação à União Europeia.

Se uma guerra em Nagorno-Karabakh estourasse, o conflito poderia se expandir rapidamente. A Turquia apoiaria o Azerbaijão, assim como Israel – que vendeu toneladas de armamentos e uma frota de drones para Baku, supostamente como meio de manter o vizinho Irã (que apoia a Armênia) em cheque. Uma mensagem diplomática confidencial dos Estados Unidos de 2009, vazada pelo WikiLeaks, cita o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e descreve sua relação com Israel como “um icebergue, com nove décimos dele abaixo da superfície”. Emaranhadas aliança regionais se juntam no NK.

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Uma possibilidade é que os canais diplomáticos locais desmoronem. As negociações da OSCE em andamento são dirigidas pelo chamado “Grupo de Minsk”, chefiado por Estados Unidos, França e Rússia. Mas alguns duvidam que o grupo sobreviva sendo tão dependente da cooperação entre Estados Unidos e Rússia. Se o grupo se desfizer, será um motivo de grande preocupação, segundo a embaixadora Leach, já que não há outra “alternativa viável” para o formato de negociação.

O primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev (centro); o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev (à esquerda), e o presidente da Armênia, Serge Sarkisian (direita), conversam durante seu encontro em Krasnaia Poliana, Rússia, em 23 de janeiro de 2012. Eles discutiram o conflito em Nagorno-Karabakh.

Claro, o gatilho sempre pode ser disparado de dentro do NK. Azerbaijão e Armênia podem ter exércitos consideráveis e a República do Nagorno-Karabakh tem sua própria força de defesa. Mas desde a anexação da Crimeia, as autoridades do NK estão especialmente ansiosas para ter suas vozes ouvidas em vez de deixar a Armênia cuidar de tudo sozinha. No começo do mês, o representante da República nos Estados Unidos, Robert Avetisyan, me disse: “É do nosso entendimento que a República NK deve ser considerada como a principal parte das negociações com o Azerbaijão”.

Alguns acreditam que a única solução possível é um referendo sancionado internacionalmente sobre a soberania do NK. Mas quem exatamente votaria nesse referendo ainda é controverso; os azeris, expulsos de seu território pelo conflito anterior, vão poder expressar seu voto?

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Paradoxalmente, como resultado da situação na Crimeia, os azeris precisam ser cautelosos. A crise na Ucrânia destacou a dependência que a Europa tem da energia da Rússia e acelerou a busca por alternativas. E o Azerbaijão pode ser exatamente o que o médico recomendou. “A região do Mar Cáspio, cujo eixo é o Azerbaijão, é a única grande alternativa à energia russa”, argumentou recentemente George Friedman, chefe da consultoria de risco político Stratfor. Atualmente, a Europa já está trabalhando para expandir os gasodutos do Azerbaijão através do continente. Em dezembro, Baku assinou um contrato de £27 bilhões (cerca de R$101 bilhões) de gás natural com um grupo liderado pela BP, tornando a Grã-Bretanha o maior investidor estrangeiro do país.

O brotamento dessa relação comercial pode explicar por que alguns países europeus estão fazendo vista grossa para os recentes desrespeitos aos direitos humanos em Baku – alguns deles relacionados ao NK. Recentemente, um jornalista e uma importante ativista pelos direitos humanos foram presos, acusados de serem espiões armênios. “No Azerbaijão, um dos resultados dos conflitos em Nagorno-Karabakh é essa mania de espiões armênios”, explicou Rachel Denber, especialista regional do Human Rights Watch. Nesses incidentes, o governo vem tentando “mobilizar o nacionalismo azeri contra qualquer resquício de empatia pelos armênios”.

Claro, é mais provável que nenhum dos lados queira a guerra. Mas como aprendemos em 2008, quando Geórgia e Rússia disputaram as regiões de Ossétia do Sul e Abecásia, coisas imprevisíveis podem acontecer quando tensão étnica efervescente, reivindicações revanchistas de terras, interesses russos e muitas armas colidem.

Por enquanto, a embaixadora Leach espera que “no contexto da Ucrânia e nessa questão das fronteiras internas da ex-União Soviética […] mais pessoas vão ficar conhecendo a situação” na região frequentemente esquecida de Nagorno-Karabakh.

@katieengelhart

Tradução: Marina Schnoor