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Eu Fui Atacado Sexualmente na Palestina e em Israel

Minha própria educação nas dinâmicas de poder em Israel foi bem mais pessoal, recebidas contra minha vontade e ocorreram nas mãos de dois homens e em duas circunstâncias muito diferentes.

O autor em Israel em 2011. 

No verão de 2011, quando eu tinha 20 anos e trabalhava para uma agência de notícias palestina, fui ver um dos famosos protestos no pequeno vilarejo de Bil'in. Esses protestos, que continuam até hoje, aconteciam toda sexta-feira contra a “cerca de segurança” que Israel começou a construir ao redor dos Territórios Palestinos em 2002, para supostamente proteger seus cidadãos do terrorismo. Hoje, essa “cerca” é um muro de concreto de 7,60 metros de altura que expropriou grandes faixas de terra palestina, e os palestinos e simpatizantes realizam marchas semanais de Bil'in até lá desde 2005; no decorrer desses anos, tanto moradores como soldados foram seriamente feridos durante as manifestações, e dois palestinos morreram.

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No dia em questão, marchei pelas colinas com moradores e ativistas internacionais até o muro, onde soldados israelenses já estavam esperando. Logo, um garoto acertou uma pedrada no teto de um jipe do exército. Em segundos, a cena se tornou violenta, outra sexta-feira de prisões e confrontos, grande parte disso invisível em meio ao gás lacrimogêneo.

Muitos estrangeiros que visitam Israel e a Palestina – viciados em conflito, na maioria das vezes – acompanham esses protestos e aprendem um pouco sobre a ocupação, movimentos de resistência e por aí vai. Minha própria educação nas dinâmicas de poder foi bem mais pessoal, além de ter ocorrido nas mãos de dois homens e em duas circunstâncias muito diferentes.

Um protesto de 2006 em Bil'in. Foto via usuário do Flickr michael loadenthal

À tarde a ação em Bil'in já estava esfriando: crianças e idosos já tinham ido para casa para lavar o gás lacrimogêneo do corpo, enquanto alguns jovens dedicados continuavam a antagonizar os soldados que permaneciam no muro. Eu estava fedendo a suor e cloreto, e precisava de um táxi para Ramallah, que ficava uns 16 quilômetros a leste. E bem ali estava um taxista, um homem de meia idade magrelo e calvo. Ele se apoiou no capô de sua van e disse que estava indo para Ramallah. Eu fui em direção ao banco de trás, mas ele disparou: “Não, na frente, o da frente está bom”. Eu dei de ombros e sentei no banco da frente.

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No começo, o cara parecia querer conversar, mesmo com seu inglês tão ruim quanto meu árabe. Mas, depois de um papo furado, as perguntas deram uma guinada:

“Você é muçulmano, ou cristão?”

“Cristão”, respondi, só para simplificar as coisas.

“Ah, cristão. Então, então…” O inglês dele tinha acabado, então ele partiu para o árabe, gesticulando muito. Eu não conseguia acompanhar. Ele ia começar a fazer proselitismo? Ele estava tentando descobrir o que eu pensava sobre política, se eu era pró-Hamas? Continuamos tentando nos entender enquanto o táxi saía das colinas verdes do vilarejo e entrava no trecho árido de estrada.

De repente, tenho uma má impressão, quando um dos gestos dele se torna claro: ele gesticulando imitando uma tesoura. Cortando. “Ah, Jesus”, entendi, “ele está perguntando se sou circuncidado”.

Sou um cara antiquado; esse não era um assunto que eu queria discutir com o taxista. Eu me mexi no assento e olhei pela janela, esperando que ele esquecesse o assunto, mas ele continuou nisso, mesmo depois que coloquei meus fones de ouvido. Eu ainda não entendia por que ele estava perguntando isso – então ele colocou a mão para cima, como se dissesse “Espere um segundo”.

Com uma mão no volante, ele usou a outra para tirar o pinto das calças. Sem conseguir acreditar no que estava acontecendo, sem ter para onde ir, continuei olhando diretamente para frente. De repente, ele colocou a mão na minha perna. Recuei e tirei a mão dele, mas ela voltou, apertando mais forte. Enquanto longos segundo se passavam, olhei pela janela. Quilômetros e quilômetros de terra indistinguíveis passavam. Percebi que eu não fazia a menor ideia de onde estávamos. Esse era o mesmo caminho que peguei para chegar a Bil'in no dia anterior?

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De repente, a mão dele estava atrás do meu pescoço. Senti que ele estava tentando puxar minha cabeça na direção dele, para baixo. Empurrei a cabeça dele com o punho fechado; ele gemeu e virou a cabeça para o lado.

O táxi estava indo a uns 100 quilômetros por hora, mas estávamos parando rapidamente, já que meu agressor não estava conseguindo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Naquele momento, eu já tinha aceitado que meu motorista estava tentando me estuprar, mas também estava preocupado que a briga fizesse o carro sair da estrada. Gritei para ele encostar, mas ele estava muito longe de ligar para o que eu queria. Ele tentou me acalmar e colocou a mão no meu ombro novamente. “NÃO!”, gritei.

Meus medos se multiplicaram: “As portas estão trancadas? Vou ficar preso no carro? Será que ele tem uma faca em algum lugar?”. Olhei para frente e vi uma parada de descanso na beira da estrada, uma mancha no meio da paisagem laranja infinita.

Num momento de clareza, percebi que só tinha uma opção: agarrei a maçaneta e abri a porta com força. O vento bateu no meu rosto – devíamos estar a 40 ou 50 quilômetros por hora. O taxista gritou quando agarrei minha bolsa e pulei para fora do carro.

Não sei quantas vezes rolei até chegar na terra, mas quando finalmente consegui parar, fiquei deitado lá pelo que pareceu uns dez minutos, com a cabeça girando. Eu me levantei cambaleando e vi a van à distância – ela tinha virado, estava vindo na minha direção.

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Disparei em direção à parada, o táxi me perseguindo com a porta do passageiro ainda aberta e batendo. Chegando sem fôlego ao prédio, vi três figuras paradas na frente dele: caras jovens, de terno, um deles numa cadeira de rodas.

“Preciso de um táxi! Um táxi para Ramallah!”, gritei. O cara mais alto acenou com a cabeça, confuso, mas prestativo, e tirou o celular do bolso. Eu me viro e vejo a van passando por nós, indo na mesma direção de onde tinha vindo.

Foi só aí que senti os cortes nos meus braços e pernas provocados pela queda. Esperei pela minha carona, com as mãos nos joelhos, alternando entre respirar fundo e rir histericamente.

Pichações no muro que separa Israel dos Territórios Palestinos. Foto do autor. 

Duas semanas mais tarde, no aeroporto Ben-Gurion em Israel, eu estava mentindo para um agente de segurança de olhar frio, o último obstáculo entre mim e um voo para minha casa em Londres. Eu estava dizendo a mesma coisa que sempre digo quando visito a região: fiquei em Tel Aviv com minha namorada judia o tempo todo, não fiz nenhuma visita aos territórios palestinos, muito obrigado. Infelizmente – meu interrogador achou que alguma coisa estava errada, e depois de várias perguntas tensas, me mandou para uma cela onde encontrei seu colega, um inspetor pálido e de cara redonda que estava pronto para revistar minhas cavidades.

Comecei a sentir uma náusea familiar. Eu já tinha passado por uma revista nu no Ben-Gurion antes, e isso não era a mesma coisa. Ele logo foi além das fronteiras aceitáveis e com horror percebi que estava preso num espaço confinado com um predador. O cara me teve todo para si por 20 minutos. Primeiro uma esfregada entre as minhas pernas aqui e ali enquanto ele verificava minha cintura e virilha, depois um toque muito mal disfarçado. Depois vieram apalpadas mais longas e propositais.

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Fiz uma descoberta naquele dia sobre dois tipos de assédio. Não perdoo nenhum dos homens pelo que fizeram, mas o taxista era um cara aleatório e desesperado que só tinha poder porque eu estava temporariamente preso no carro dele; o inspetor; devido à sua posição, me agarrou com a autoridade do estado por trás dele.

Não era só uma continuação do meu pesadelo naquele táxi – era uma sequência dos protestos que cobri em Bil'in, um eco das medidas de segurança de rotina que acrescentam um nível de perigo e paranoia a qualquer pessoa que vive sob a ocupação: os postos de controle, as batidas noturnas, os toques de recolher. Foi uma visão do lado mais feio de um indivíduo, e o lado mais feio de um sistema que concedeu poder a alguém assim.

Diferente da situação no táxi, eu não resisti. Teria sido inútil – meu avião estava partindo em questão de minutos e o assédio era tão sutil que o segurança podia argumentar que eu estava simplesmente exagerando para não ser revistado. Não tinha para onde pular dessa vez. Eles estavam com meu celular e meu computador; eles estavam no comando. Lembrei de histórias de amigos sobre detenções de nove horas, interrogatórios sem fim. Então fechei os olhos e fiquei calado até que eles me deixassem ir embora.

Sentado no avião, senti o mesmo arrepio de alívio que tive naquela parada próxima de Ramallah. Mas desta vez eu não ri. Só respirei fundo.

Brendan James é editor de home page do Talking Points Memo e tem consciência de que a morte se aproxima.

Tradução: Marina Schnoor