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Ex-extremistas contam como conseguiram deixar o fanatismo violento para trás

Conversei com ex-membros do IRA, Força Voluntária do Ulster, movimento nacionalista branco e um ex-jihadista para tentar entender como é possível se livrar da política extremista.

Matéria original da VICE Reino Unido.

Recentemente, o Reino Unido está passando por um debate sobre as melhores maneiras de combater o extremismo. David Cameron e seus amigos conservadores acham que a resposta é introduzir novas leis limitando as opções de emprego de extremistas condenados, calar certos indivíduos e fechar estabelecimentos que "promovam o ódio". Outros criticam essas propostas, dizendo que o termo "extremismo" é difícil de definir, e temendo que isso leve os islâmicos radicais ainda mais para o submundo.

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O problema é que as soluções geralmente são subjetivas: Alguns podem responder positivamente às mesmas táticas que só vão agravar o ódio de outros. Mas radicais de todos os tipos podem e realmente mudam suas perspectivas, passado de pensadores extremistas para membros produtivos da sociedade.

Eu queria saber como e por que ex-extremistas deixaram o mundo do fanatismo para trás, então entrei em contato com alguns deles: os ex-membros do Ulster Volunteer Force (UFV) Billy McCurrie e Martin Snoddon, o ex movimento nacionalista branco Matthew Collins, o ex membro do IRA Shane O'Doherty e Manwar Ali, que já esteve envolvido com a jihad violenta. Aqui vão as histórias deles em suas próprias palavras.

BILLY MCCURRIE

Minha decisão de me juntar ao UVF veio depois da morte do meu pai nas mãos do IRA quando eu tinha 12 anos, o que me deixou amargo e cheio de ódio. Aos 16, procurei o UVF, querendo me tornar membro do grupo e me vingar. Como você pode imaginar, era fácil se envolver com os paramilitares da Irlanda do Norte durante os anos 70. Mas ninguém me pressionou a entrar; fiz uma decisão consciente de me alistar ao grupo.

Em 1976, aos 17, me vi na prisão Maze depois de matar um membro do UVF que tinha se tornado informante. Enquanto aguardava o julgamento, fiquei numa parte da prisão dividida em compostos, com membros de diferentes grupos paramilitares detidos em cada um. Um membro mais antigo do UVF me disse que eu teria que passar por áreas republicanas e lealistas para chegar até a sala de visitas, e fui instruído a não dizer nada que pudesse irritar os republicanos. Uma trégua tinha sido intermediada, o que significava que nenhum lado deveria provocar o outro. O fato deles terem conseguido chegar a tal acordo foi um choque para mim. Pensei: se podemos fazer algo assim na cadeia, então é possível fazer o mesmo lá fora.

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Também comecei a notar muita hipocrisia dentro do UVF. Depois que fui condenado, fui transferido para uma parte mista da prisão, onde lealistas, republicanos e criminosos comuns coexistiam. Havia uma hierarquia severa lá dentro, com pedófilos e estupradores na base. As regras do UVF ditavam que qualquer um que cometesse esses crimes deveria esperar surras corretivas, mas quando o sobrinho de um comandante do UVF acabou na Maze por estupro, ninguém encostou um dedo nele. Pela minha percepção, você não podia ter uma lei para uma pessoa e outra para o resto.

Coisas assim fizeram com que eu me distanciasse da organização. Comecei a me conscientizar politicamente e me interessei por comunismo, o que entrava em conflito com as visões políticas do UFV. Fiquei amigo de pessoas de um grupo paramilitar republicano chamado INLA, que tinha visões marxistas. Quando o marxismo era aplicada ao problema da Irlanda do Norte, parecia que o conflito era produto do sistema de classes. Nenhum filho de banqueiro ou médico estava envolvido em grupos paramilitares; os membros eram todos de classe trabalhadora.

Naquele ponto, eu ainda tinha muito ódio dentro de mim. Minha radicalização apenas se voltou para a extrema-esquerda em vez de se dissipar. Aí, na véspera do Natal de 1980, me tornei cristão, e não sentia mais nenhum ódio. De repente tudo aquilo foi substituído por paz e amor.

Quando saí da prisão, meu círculo de amigos passou de membros do UVF para os outros frequentadores da igreja. O UVF vigiava de perto pessoas que diziam ter se convertido ao cristianismo e deixado o mundo dos paramilitares para trás. Eles queriam ter certeza que os supostos convertidos tinham encontrado Deus, que não estavam só tentando conseguir um passe livre do movimento. Minhas crenças eram verdadeiras, então isso não me incomodou. Fico feliz em ter mudado de vida e não voltaria atrás por nada no mundo.

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MANWAR ALI

Nasci em Bangladesh, mas passei a juventude na Inglaterra. Em 1971 a Guerra de Independência de Bangladesh estourou, o que levou à destituição da minha família e morte de 22 parentes, incluindo meu irmão mais velho. Eu estava no país na época e testemunhei as mortes, a fome e os animais se alimentando de cadáveres nas ruas. Isso me deu uma forte consciência de injustiça e vontade de consertar o mundo.

Enquanto estava na faculdade, me disseram que eu poderia canalizar esse desejo através do islamismo político. Fui atraído pela ideologia de retomar a supremacia que os muçulmanos uma vez tiveram, e também me tornar um mártir no campo de batalha. Isso me levou ao envolvimento com a jihad contra as forças soviéticas no Afeganistão. Eu acreditava que meu dever sagrado era proteger a população muçulmana contra os invasores, e assim me tornei um pioneiro da jihad violenta no Reino Unido. Recrutei e treinei outros, achando que estava fazendo algo positivo. Mas enquanto eu fazia isso, os islâmicos fascistas com quem eu trabalhava estavam usando a religião para justificar sua sede de poder, autoridade e controle mundial.

Me envolvi em conflitos no Afeganistão, Caxemira, Bósnia e Chechênia. Depois de um tempo, percebi que senhores da guerra mesquinhos estava manipulando jovens vulneráveis para matar uns aos outros. Às vezes eram muçulmanos matando outros muçulmanos, o que contradizia a ideia de que eu estava protegendo aqueles que compartilhavam minha fé. Isso fez com que eu refletisse se era certo recrutar pessoas do Reino Unido para tomar parte nesses conflitos, já que eles não podiam ser classificados como guerras santas.

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Em 2000, deixei a jihad violenta para trás. Depois de um exame de consciência, entendi que a percepção islâmica do mundo composto por "nós" e "eles" era falsa e injusta. Isso fez com que muitos colegas muçulmanos me rejeitassem, hostilizassem e desprezassem. As palavras e ações deles me deixavam desconfortável e magoado, mas sou grato pelo caminho melhor que escolhi. Tentei dialogar com quem consegui, mas a maioria me evitava. Alguns diziam que duvidavam da minha mudança, ou que eu estava apenas fingindo para desviar a atenção da polícia.

Minha decisão colocou minha vida e a da minha família em perigo, e corremos ainda mais risco agora que grupos como ISIS e a Al-Qaeda estão ganhando território. Também carrego um estigma pelo meu passado. Mas ignoro essas coisas, porque acredito que estarei melhor no Dia do Julgamento que meus detratores, que têm sido injustos comigo nesta vida.

Hoje percebo que a jihad não precisa envolver força. O conceito significa se esforçar ao máximo, além de força de vontade, espiritualidade, purificação e devoção. Isso encarna a transformação positiva através de aprendizado e sabedoria em Deus. Jihad pode envolver luta em algumas circunstâncias rígidas, mas os benefícios têm que ser maiores que os danos e as dificuldades que isso implica. Hoje acredito que não existe circunstância que atenda esses critérios e que a jihad violenta nunca é admissível.

MATTHEW COLLINS

Procurei a Frente Nacional porque queria pertencer a alguma coisa, e eles refletiam minhas visões racistas da época. Fui atrás deles por vontade própria — foi difícil encontrá-los no começo, mas acabei trombando com alguns membros em frente ao Upton Park. Eles pareciam ter repostas para todas as minhas perguntas e me deram um novo senso de compreensão de mundo. Logo, me tornei um membro em tempo integral e gostava de ser parte do que eu acreditava ser um grupo de elite.

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A FN não era como os grupos de extrema-direita de hoje, com membros que se comunicam pela internet mas não se conhecem na vida real. Era uma organização muito unida, e as pessoas envolvidas eram realmente próximas. Ser aliado deles me deu a sensação de pertencimento que eu estava procurando.

Comecei a questionar minhas crenças quando a FN e o Partido Nacional Britânico (BNP) fizeram um ataque contra um grupo reunido na Welling Library. O único crime dos participantes era o envolvimento em manifestações contra o BNP. O fato de que os membros do FN, que eu considerava e em que confiava, estavam dispostos a ferir seriamente gente completamente inocente me aterrorizou. Isso me fez perceber que havia um lado escroto neles que eu não tinha notado antes.

Também comecei a questionar a dedicação dos outros membros à causa. Muitos deles não eram tão comprometidos quanto tentavam fazer parecer, o que sugeria que suas crenças talvez não estivessem construídas sobre uma fundação forte. Conforme o tempo foi passando, percebi que a organização era baseada numa ideologia idiota e cheia de ódio, com a qual eu não queria mais ser associado.

Numa tentativa de mostrar ao mundo a verdade sobre o chamado movimento nacionalista branco, fiz parte do documentário Combat 18, transmitido pela World in Action em 1993. Logo depois disso, pessoas do C18 foram acusadas de contrabandear armas, e vários membros acabaram presos. Eu não queria estar por perto para ver o resultado disso, então fugi para a Austrália, o que me permitiu começar de novo. Atualmente estou no Reino Unido, mas vou voltar para a Austrália em breve.

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Ainda carrego um pouco do estigma de ter sido da FN, mesmo que isso tenha acontecido 20 anos atrás, e que agora trabalho numa organização antirracista chamada Hope Not Hate. Mas hoje a maioria das pessoas me conhece como um antifascista. Quando penso nas minhas crenças do passado, é quase como se elas fosse de outra pessoa.

Hoje, acho que as visões de organizações como o BNP e da Frente Nacional não são apenas perigosas e ofensivas, mas extremamente infantis e bobas. Dito isso, entendo por que certos indivíduos se sentem atraídos por elas, porque às vezes as pessoas acham que o mainstream não fala por elas e são equivocadas o suficiente para ver grupos políticos extremistas como a solução para seus problemas. Felizmente, consegui perceber meus erros e transformar minha vida.

MARTIN SNODDON

Cresci em Suffolk, sudeste de Belfast, um pequeno enclave protestante cercado de áreas católicas. Nossa comunidade era alvo de ataques sectários quase todo dia, em forma de brigas, troca de tiro e até atentados a bomba. Aos 16 anos, colocaram uma arma na minha mão e pediram que eu ajudasse a proteger a comunidade. Eu não sentia que o governo estava fazendo o suficiente por nós, e tinha medo que alguma coisa acontecesse com a minha família, então disse sim. Me juntei ao grupo querendo ajudar aqueles ao meu redor, não por ódio pelo outro lado. Como muitos participantes do conflito, lutar não era algo que eu queria fazer; era algo que eu achava necessário.

Aos 18, me envolvi num incidente em que uma bomba destinada a uma unidade do IRA explodiu antes da hora, o que me rendeu uma sentença de prisão perpétua. Fui mandado para a prisão de Long Kesh, que era segregada, com cada organização paramilitar ocupando sua própria área. Durante meu tempo lá, tive a oportunidade de fazer um curso da Open University. A área de estudos era aberta tanto para protestantes como para católicos, o que significou que pude ter uma conversa séria com o outro lado pela primeira vez.

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Enquanto estudava, conheci um membro do IRA e percebi o quanto tínhamos em comum. Éramos de comunidades de classe trabalhadora e crescemos com remendos nas roupas e pedaços de papelão tapando os buracos dos sapatos. Logo ficou aparente que nossos adversários eram muito parecidos conosco.

Com o tempo, percebi que a violência não ia resolver nada. O comandante da UVF Gusty Spence sempre dizia que devia haver um jeito melhor, e acho que muitas pessoas se desiludiram com a ideia de que podemos alcançar nossos objetivos através da força. Lentamente, ficou claro para mim que era melhor encontrar maneiras de respeitar nossas diferenças e se relacionar uns com os outros por outros meios que não fossem bombas e balas.

Quando fui libertado, a Irlanda do Norte estava ainda mais dividida que antes. Um guarda da prisão me disse: "É hora de se reintegrar à sociedade". Pensei nisso e cheguei à conclusão de que não queria me encaixar numa sociedade como essa; eu queria mudá-la. Outros membros do UFV se sentiam da mesma maneira e se comprometeram a encontrar soluções não-violentas.

Não sou mais um combatente da UVF, e faço o melhor possível para canalizar a energia dos jovens para construir a comunidade, e trabalhar para uma sociedade justa e inclusiva. Aprendi com minhas ações passadas, e estou totalmente comprometido em abordar a diferença de um jeito não violento. Me arrependo profundamente das minhas ações que feriram outros, e vou continuar a usar minha experiência de vida como fonte de mudança positiva, sempre que a oportunidade surgir.

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SHANE O'DOHERTY

Shane, aos 17 anos, quando estava fugindo da polícia e do Exército da Inglaterra.

Na comunidade em que cresci, os membros do IRA eram considerados heróis e patriotas. Acabei me juntando às fileiras da organização, querendo continuar o trabalho do grupo que lutou na Guerra da Independência Irlandesa contra o poderoso Império Britânico no começo de 1900, e conseguiu a liberdade de 26 dos 32 condados da Irlanda. No entanto, depois de um tempo, comecei a duvidar se a violência era mesmo a resposta. Parecia que isso criava mais injustiça do que resolvia.

Eu estava cumprindo 30 prisões perpétuas, mais 20 anos, por enviar cartas-bomba quando a mudança realmente aconteceu. Depois de passar 15 meses nu numa solitária em Wormwood Scrubs, li o versículo 23 do capítulo 5 do livro de Mateus, em que reconciliação é exigida antes de qualquer prática religiosa. Isso me fez perceber que o que eu estava fazendo não tinha nada de heroico; eu só estava acrescentando sofrimento ao mundo. Saí do IRA e escrevi cartas me desculpando com as vítimas, porque senti que tentar consertar o quanto pudesse do mal que causei era uma parte necessária do meu processo de arrependimento.

Minha decisão de sair do IRA fez muitos dos meus antigos camaradas me darem as costas. No entanto, eu tinha uma grande sede de me libertar de todas as organizações e ser eu mesmo, o que me deu muita força. Alguns prisioneiros importantes queriam me matar para evitar que eu me tornasse um informante. Felizmente isso não aconteceu.

No começo, só algumas pessoas da igreja acreditaram que eu tinha realmente mudado. Os outros achavam que eu estava tentando sair mais cedo da prisão para continuar os ataques. A transição pela qual passei foi tão revolucionária que a mente estreita da maioria das pessoas não conseguia aceitar. Os homens de uniforme mostraram apenas cinismo com a ideia de que eu poderia deixar a vida paramilitar para trás.

Não faço segredo da minha vida passada, mas essa era a pessoa que eu era na época, não quem sou agora. A violência política é vendida aos jovens como um sabão em pó que vai lavar toda a injustiça do mundo. Eu pude perceber que isso está muito longe da verdade. Meu conselho para os jovens que estão considerando se envolver com o extremismo é que eles estão prestes a cometer o maior erro de suas vidas, e trazer o horror para pessoas inocentes. Antes de tentar se tornar o herói de filme ou o mártir da sua imaginação, considere isso: O maior violador de direitos humanos que você vai encontrar na vida está te olhando do espelho.

Matthew Collins e Shane O'Doherty escreveram livros sobre suas jornadas, intitulados Hate e The Volunteer respectivamente.

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Tradução: Marina Schnoor