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Estas cinco pessoas vão ter um bebê juntas

A Djaantje é casada com a Dewi. O Jaco é casado com o Sjoerd, e ambos amam Sean. Os cinco terão um filho ainda esta semana.
Noor Spanjer
Amsterdam, NL
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Em sentido horário, de cima: Dewi, Sjoerd, Jaco, Sean e Daantje à frente. Todas as fotos por Reymond van Mil.

A ideia de "família nuclear" (cerquinha branca, um filho ou dois e um cachorro simpático) está caindo já faz um tempo. Não ficamos mais chocados com histórias de pais postiços ou meios-irmãos; além disso, crianças criadas por pais do mesmo gênero estão se tornando cada vez mais comuns. Mas uma estrutura familiar nova e menos conhecida tem emergido: a família com multipais – criar uma criança com dois ou mais pais legais. Por exemplo, um casal lésbico e um casal gay criando uma criança juntos como uma única família, mas em casas separadas.

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Essa é mais ou menos a unidade familiar que dois casais (Jaco e Sjoerd mais Daantje e Dewi) escolheram. Os quatro se conhecem há dez anos e consideram a possibilidade de ter um filho juntos há seis. E isso está prestes a se tornar realidade nesta semana quando Daantje der à luz.

Os dois casais são casados, mas o relacionamento de Jaco e Sjoerd também envolve uma terceira pessoa: um australiano chamado Sean, que é parceiro deles há três. "Três anos e meio", grita Sean da cozinha ao me ouvir perguntar a Sjoerd há quanto tempo eles estão juntos. Sean é tão parte da relação deles que vai ter um papel igual na criação do futuro filho da galera.

"Jaco e eu estamos casados há oito anos. Infelizmente, não podemos casar com o Sean também, ou faríamos isso num piscar de olhos", diz Sjoerd.

Da esquerda para a direita: Sean, Jaco, Daantje, Dewi e Sjoerd.

"Cinco pais com direitos e responsabilidade iguais, divididos em duas casas – esses são os termos do acordo que todos assinamos", informa Dewi. Eles tiveram de fazer isso porque, legalmente falando, a Holanda ainda não está preparada para a multipaternidade. Uma criança pode ter no máximo dois pais legais no país – e, num casamento, esses pais geralmente são a mãe biológica e seu marido ou esposa.

No entanto, a mãe biológica pode apontar mais alguém como o segundo pai legal.

As leis acerca de direitos de paternidade melhoraram significativamente para pais gays na Holanda nos últimos anos, mas a questão da multipaternidade ainda é complicada. No caso dessa família de cinco pais, Jaco tomou o papel de pai legal número dois – substituindo Dewi, que inicialmente tinha a posição por seu casamento com Daantje.

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"Queríamos que houvesse pelo menos um pai legal em cada casa, porque vamos dividir a criação igualmente", explica Dewi.

"A vantagem é que podemos levar nosso filho para viajar sem que as autoridades nos parem porque, legalmente falando, ele não é nosso", concorda Sjoerd. "Se Daantje e eu viajarmos com nosso filho, vamos precisar de uma permissão de Jaco, pois o bebê vai ter o sobrenome dele", acrescenta Dewi.

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"As leis não são feitas para pessoas como nós, que estão sempre buscando maneiras de fazer as coisas funcionarem para os cinco. Às vezes, isso pode te fazer um tanto oportunista", me conta Sjoerd. "Não tenho qualquer ligação legal com meu filho; então, não tenho direito à licença paternidade quando ele nascer. Mas quero estar lá; logo, tenho uma declaração da Daantje e do 'pai', que diz que tomo conta do filho 'deles', o que me garante uma licença adotiva, mesmo não sendo um pai adotivo. É muito complexo para todos os envolvidos e não é ideal para nenhum de nós. Digo isso legalmente, porque, na prática, acho nossa situação ideal."

"Basicamente, foi assim: Daantje e Dewi estavam em um quarto, e nós estávamos no outro. Em certo ponto, Dewi gritou 'Sim, estamos prontas!', e nós entramos lá com um pote de sêmen."

Quando pergunto se foi difícil chegar a um nome com que todo mundo concordasse, Dewi responde que não, mas salienta que preferem manter o nome só entre eles. "Já tínhamos um nome desde antes da gravidez."

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Sjoerd e Dewi.

Os aspectos legais da multipaternidade são complicados o suficiente por si, mas e quanto ao lado prático? Quem teve de transar com quem?

"Ah não, não queríamos fazer isso", fala Sjoerd quando pergunto se Daantje fez sexo com o pai biológico (que prefere se manter anônimo). "Basicamente, foi assim: Daantje e Dewi estavam em um quarto, e nós estávamos no outro. Em certo ponto, Dewi gritou 'Sim, estamos prontas!', e nós entramos lá com um pote de sêmen."

Dewi explica: "Lemos em algum lugar que, por causa do muco e da contração do colo do útero, o esperma entra mais facilmente se a mulher tiver um orgasmo durante a inseminação. Chegamos a usar uma pipeta de cozinha que ganhamos no nosso casamento, mas ela era muito grande. Havia muito ar nela, e o sêmen acabou indo parar em todos os lugares errados."

"Aquela primeira vez foi mais um desastre que um sucesso", ri Sjoerd.

"Durante aquele primeiro período de ovulação, os caras passavam aqui, e, depois de cada tentativa, tomávamos uma xícara de chá enquanto a Daantje ficava deitada no sofá com as pernas para cima. Felizmente, levou só dois meses para ela engravidar, porque me lembro de pensar 'Imagine ter de fazer isso um ano inteiro: todos esses potes de sêmen, pipetas e tudo mais?'", elabora Dewi.

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"Ejaculação pode se tornar uma coisa muito física e prática", concorda Sjoerd. "Ouvi de muitos casais héteros que o sexo para de ser divertido quando eles estão tentando engravidar. Acho que eles deviam tentar do nosso jeito – assim, o sexo continua sendo sexo, e não uma tarefa."

A vasta família (o bebê vai ter cinco pais, 11 avós entusiasmados e 21 tios e tias) parece pronta para qualquer problema que surja na criação do filho. "Estamos ridiculamente bem preparados", disse Sjoerd. "Escolhemos até as escolas. São principalmente as pessoas à nossa volta que esperam problemas, mas aquele mito – de que, quanto mais pessoas envolvidas, mais difícil é tomar uma decisão – não é verdade. Com a gente, não há espaço para ser irracional – se são apenas duas pessoas, você pode facilmente ficar preso numa discussão emocional que os dois queiram ganhar. Porém, quando há cinco pessoas, você é forçado a chegar a um consenso razoável."

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Dewi nos conta que ficou surpresa com as críticas que eles vêm recebendo da comunidade LGBT. "As pessoas dizem coisas para Daantje e para mim como 'Vocês não deveriam ter envolvido homens' e para os meninos: 'Tenha cuidado com essas lésbicas, elas vão tirar a criança de vocês'. É tudo uma questão de posse, medo e ego."

"E sobre as visões estereotipadas de homens e mulheres: que os homens vão estar lá apenas para a parte boa, os dias divertidos com o papai, e que Daantje e Dewi vão estar sempre transbordando com hormônios e vão se transformar em mães superprotetoras. Não acho que as coisas vão ser assim", defende Sjoerd.

Outro problema que amigos e a família veem versa sobre a questão do que vai acontecer se Daantje e Jaco (os pais legais) morrerem num acidente de carro, por exemplo. Sjoerd argumenta: "Mas, se isso acontecer, seria um problema menor para nós do que para uma família tradicional. Eu gostaria que todos tivessem uma rede de proteção como a nossa. Se eu perder meu emprego de repente, nosso filho ainda vai poder ter aulas de violino ou qualquer coisa assim. Não entendo por que mais casais não têm filhos juntos. Você vê jovens pais lutando para sobreviver ao primeiro ano. Eles não conseguem dormir e nunca têm tempo para ver os amigos. Ainda vamos ter energia para sair com nossos amigos e falar sobre outras coisas que não bebês alguns dias por semana".

Os amigos realmente conseguem ver o lado positivo de poder dormir de vez em quando, além dos benefícios que cinco influências diferentes vão ter na criança. "Temos ioga, acrobacia, música, política e educação na nossa piscina de talentos", enumerou Sjoerd. "Somos todos muito diferentes, porém essa é nossa força."

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A criança deve nascer nesta semana, e todos os pais planejam estar presentes no parto – durante a entrevista com Sjoerd e Dewi, Jaco e Sean tinham acabado de montar a piscina de parto na casa de Daantje e Dewi. Dewi diz que Daantje demorou um pouco para aceitar a ideia de todo mundo estar presente no nascimento. "Foi um processo para ela se abrir, e para todos nós, de certa maneira – é o corpo dela, afinal de contas. No entanto, ela quer todo mundo aqui e se sente confortável o suficiente com nós cinco agora."

Todo mundo recebeu uma tarefa no parto: Sjoerd vai preparar lanches e bebidas, Sean e Jaco vão fazer massagem quando for necessário e Dewi vai principalmente dar apoio à parceira.

Quando pergunto se eles leram sobre a teoria do apego em crianças pequenas, Sjoerd me respondeu que uma amiga escreveu uma tese de doutorado sobre o tema. "Ela diz que o principal é a consistência da família, e isso é algo que podemos oferecer."

"O mundo de um bebê vai crescendo com o tempo, mas no estágio inicial ele pode se apegar a cinco pessoas – então, isso funciona perfeitamente para nós", completa Dewi.

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