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Um Especialista em Munição Pondera Sobre os Ataques Químicos do Mês Passado em Damasco

Uma entrevista com o perito em munições independente Eliot Higgins, conhecido como "Moses Brown".

Corpos enfileirados depois do ataque químico a Ghouta.

O regime sírio de Bashar al-Assad é acusado de cometer um dos priores crimes de guerra do século XXI: jogar gás sarin num subúrbio controlado pelos rebeldes em Damasco no mês passado. As evidências contra o regime são grandes, mas — como os membros do movimento 9/11 Truth, que ficavam espalhando links de torrent para o filme Zeitgeist — as pessoas estão compartilhando informações equivocadas como se fossem a mais pura verdade.

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É provável que este debate se extenda por muitos anos pelos analistas de sofá, quer uma ação militar seja tomada ou não. Mas, por enquanto, achei melhor entrar em contato com o especialista independente em munição Eliot Higgins, também conhecido como Brown Moses — que, desde o início do conflito, tem investigado e verificado as evidências de crimes dos dois lados em seu blog. Eliot não está operando diretamente do território sírio — na verdade, ele trabalha em sua casa em Leicestershire e, se ele tem sofá, não duvido que ele esteja trabalhando sentado nele. Mas é aqui que ele se diferencia dos outros cavaleiros de teclado solitários: ele é altamente respeitado entre jornalistas e especialistas em armamentos e tem usado sua habilidade forense para identificar munições encontradas nos campos de batalha da Síria. Isso já o levou a escrever artigos para os sites da Foreign Policy e do New York Times e ser entrevistado pelo Channel 4 News, CNN e o Guardian. Ele é descrito muitas vezes como alguém que usou a internet e as redes sociais para se tornar um “especialista acidental em armamentos”.

Eliot montou um caso particularmente convincente apontando o regime como o responsável pelos ataques com sarin, o que corrobora as informações reunidas por ONGs e agências internacionais dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. Falei com ele para saber mais sobre sua pesquisa.

Um dispositivo suspeito de lançar o gás sarin.

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VICE: Oi, Eliot. Você pode dizer como aprendeu tanto sobre munições?
Eliot Higgins: Sou autodidata. Primeiro, usei os recursos disponíveis on-line, depois, conversei muito com especialistas em armas e fui aprendendo pelo caminho. Eu assistia a um vídeo, via algo novo e depois aprendia o máximo possível disso. Há muita informação on-line sobre os armamentos soviéticos usados pelo governo sírio e a oposição.

Você já apresentou diversas evidências que sugerem de forma contundente que o governo sírio está por trás dos ataques recentes com sarin. Fale um pouco sobre essas conclusões.
Uma coisa que se espera encontrar depois de um ataque químico é os restos de munição usada. Diferente das munições convencionais, as ogivas dessas armas não explodem, apenas dispersam o agente químico usando métodos diferentes — por exemplo, uma pequena carga de dispersão que se abre. Então, em vez de explodir em pequenos pedaços, é possível encontrar o que restou dessas munições em bom estado.

No caso dos ataques a Damasco, os ativistas encontraram dois tipos de munição. O primeiro é um foguete M14 de 140 mm disparado por um lançador múltiplo soviéticos BM14. Uma ogiva desse tipo carrega 2,2 quilos de sarin e os restos da munição registrados pelos ativistas estavam em condições muito boas, sugerindo que essa pode ter sido a ogiva usada.

O segundo tipo de munição é bem mais interessante e muitos exemplos disso chegaram a ser filmados nos ataques de 21 de agosto, assim como em supostos ataques químicos anteriores. Essas munições são únicas no conflito; os vários especialistas em armamentos e armas químicas com quem falei não reconheceram isso de nenhuma outra parte do mundo.

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Juntando as evidências que encontrei, entendi algumas coisas. Eu chamo essa munição de MNILSAQ — munição não-identificada ligada ao suposto ataque químico — e, na verdade, são dois tipos de MNILSAQ, um tipo altamente explosivo e outro tipo que carregava uma substância desconhecida, que só aparece nos locais dos supostos ataques químicos.

Outro dispositivo suspeito de liberar gás sarin.

E essas munições, aparentemente, estão somente em poder do regime?
Todas as evidências que vi ligavam elas ao regime. Temos fotos e vídeos delas sendo disparadas pelo regime, vários vídeos dos ativistas, nos quais eles afirmam que o regime disparou isso contra eles, e nenhuma evidência de que a oposição na Síria tem esse tipo de munição. Uma coisa a se considerar é que essas munições têm entre 3 e 3,5 metros de comprimento, são incrivelmente pesadas e necessitam de lançadores enormes para serem lançadas — não é uma coisa fácil de transportar ou esconder.

E há evidências sugerindo que essas armas foram disparadas de áreas controladas pelo regime para áreas controladas pela oposição?
Bom, uma coisa que fui capaz de fazer com uma das munições foi encontrar sua localização exata usando mapas por satélite, além de vídeos e fotos. Essas coisas indicam que ela veio do norte, onde estão as maiores bases militares do governo. Há também um vídeo mostrando uma dessas munições sendo lançada de uma área governamental num ataque anterior:

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Os lançadores de foguete de que você está falando são feitos no Irã. Você já viu, em algum momento nos últimos dois anos estudando esse conflito, esses modelos em particular ou as munições que eles carregam em posse de outros grupos envolvidos no conflito que não o Exército Sírio?
Não, só vi essas munições e lançadores de foguetes com o Exército Sírio, ou depois que elas foram disparadas contra a oposição.

Você já se deparou com qualquer evidência de que os rebeldes estão usando armas químicas ou que eles têm esse tipo de arma?
Não. Várias partes afirmaram diversas coisas — muitos “possivelmente” e “talvez” — mas evidências reais? Não que eu tenha visto e, acredite em mim, se eu visse qualquer evidência disso, eu postaria a história no meu blog tão rápido que meus dedos pegariam fogo.

Você verificou suas descobertas com outros especialistas em munição independentes?
Sim, falei com vários especialistas em armamentos e armas químicas. Essas munições parecem ser únicas no conflito e unicamente do governo sírio. Há muito mistério envolvido nisso; estamos tentando juntar as peças para descobrir o que eles estão usando por meio de fotos e vídeos. Tipo um “CSI: YouTube”, se você preferir.

Com todas as evidências reunidas até agora, por que algumas pessoas ainda dizem que “não há evidências”?
Porque as pessoas não estão realmente prestando atenção nas evidências, e é por isso que estou trabalhando para colocar tudo isso junto em meu blog.

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Por que as pessoas se recusam a ver as evidências disponíveis e, em vez disso, acreditam em especulações?
Acho que as pessoas ficaram muito desconfiadas dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido depois do Iraque. As pessoas foram traídas e essa é uma reação natural. Sinto que as pessoas na internet são tão viciadas em teorias da conspiração que não sabem mais em que acreditar. As pessoas sempre me dizem que a oposição está manipulando os vídeos. Tem gente que consegue reunir só um punhado de exemplos de 500 mil vídeos, mas ainda assim insiste que todos os vídeos disponíveis são falsos, mesmo não conseguindo explicar o motivo. Uma coisa é enrolar uma atadura na cabeça de alguém para fingir que a pessoa está ferida; outra coisa é falsificar um enorme ataque químico.

Em sua opinião, qual é a ação apropriada da comunidade internacional nesse caso?
Se os resultados da ONU mostrarem que foi mesmo um ataque químico, e ninguém surgir com qualquer evidência do envolvimento da oposição, acho que a única ação apropriada é uma resposta militar. No entanto, acho que é importante ver a resposta ao ataque químico como algo diferente de uma intervenção militar. Uma intervenção militar é totalmente diferente de ataques de alguns dias ou semanas em resposta ao ataque com armas químicas.

Uma mãe e um pai choram diante do corpo do filho, morto por sarin.

Que impactos os ataques aéreos norte-americanos poderão ter nas forças militares de Assad?
Depende da escala e do que eles atingirem. É muito difícil prever qualquer coisa nesse estágio. Um ataque limitado pode se focar somente nas armas químicas relatadas na área, o que poderia impedir ataques químicos no futuro, mas que não muda nada no local do conflito para a oposição. Se, por outro lado, eles acabarem com a força aérea, isso vai fazer uma grande diferença. Mesmo a destruição da frota de helicópteros de transporte isolaria bases que impedem o avanço da oposição, já que elas dependem dos suprimentos jogados pelos helicópteros.

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Você acha que esses ataques mudarão o curso da guerra?
Sessenta dias de ataque aéreo podem mudar. Acredito que eles vão visar a rede de defesa aérea em primeiro lugar, incluindo a força aérea e, em seguida, partirão para uma variedade de alvos militares. Mesmo assim, o conflito pode continuar por anos. Só nos resta esperar para ver o tamanho dos danos que os ataques podem causar.

Você consegue pensar em algum motivo para que o regime tenha usado esses armamentos num subúrbio de Damasco enquanto os inspetores de armas químicas estavam no país?
Há muitas teorias, mas pode ter sido somente um grande erro. Ataques anteriores ligados a essas munições aconteceram em áreas fronteiriças pouco povoadas e não provocaram tantas mortes. Dessa vez, eles as lançaram contra uma grande área cheia de refugiados — uma tempestade perfeita para o máximo de baixas.

Parece que foram muitas ogivas, disparadas contra uma área muito grande, para sugerir que tudo tenha sido um erro.
Sim, pode ter sido um comandante saindo da reserva, por assim dizer.

O que você acha da teoria de que os rebeldes liberaram o gás em si mesmos acidentalmente?
Não acho que exista nenhuma evidência confiável disso. Minha pergunta para isso é: como um acidente assim afetaria uma área geográfica tão ampla e não locais entre essas áreas?

OK, obrigado por falar comigo, Elitot.

Veja mais do trabalho de Eliot aqui e siga o cara no Twitter: @Brown_Moses

Siga o Oz no Twitter: @OzKaterji

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