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Por Que Jornalistas Estão Sendo Presos No Egito?

Desde o levante no país em 2011, jornalistas têm sido detidos, espancados e assassinados num esforço do governo egípcio em silenciar simpatizantes da Irmandade Muçulmana.

Jornalistas se reúnem em Nairóbi para demonstrar apoio a Peter Greste, um dos jornalista da Al Jazeera presos no Egito.

Abdullah Elshamy, um correspondente da Al Jazeera, está preso há 175 dias no Egito, e entrou em greve de fome há duas semanas.

“Perdi alguns quilos. Só recorro a líquidos. Qualquer esforço já me deixa tonto”, escreveu ele numa carta contrabandeada de sua cela, onde caneta e papel são proibidos. “Mas é o que me sinto obrigado a fazer para conscientizar sobre a importância da liberdade de expressão.”

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Abdullah – que foi preso em agosto do ano passado, quando a polícia desocupou violentamente um acampamento de protesto de simpatizantes do ex-presidente Mohamed Morsi – é um dos quatro jornalistas da Al Jazeera, na prisão atualmente, detidos por acusações vagas enquanto os promotores preparam os procedimentos formais. Eles estão entre dezenas de repórteres presos no Egito, pessoas que foram espancadas e detidas nos últimos seis meses. Nove outros foram mortos desde o começo do levante em 2011.

Essas prisões são sintomáticas do que o país se transformou desde que o exército depôs o presidente afiliado à Irmandade Muçulmana no último verão. O governo interino do Egito está fazendo tudo que pode para silenciar simpatizantes da Irmandade, esmagando os movimentos de rua revolucionários do país através de uma lei que efetivamente proíbe qualquer forma de protesto público.

Num país tão volátil quanto o Egito, o controle da narrativa pode ser facilmente traduzido em controle das ruas e controle das ruas significa poder político. Nos últimos três anos – apesar de ter sido removida recentemente – uma metralhadora de artilharia era uma presença desconfortável no centro de imprensa internacional no prédio da TV estatal, um lembrete de que o poder de transmissão é um recurso de segurança. Assim, jornalistas que fornecem uma plataforma para que simpatizantes da Irmandade deem sua versão dos fatos, dificilmente são bem vistos pelas autoridades.

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Os serviços de língua árabe ligados à Al Jazeera são vistos como defensores da Irmandade Muçulmana, em linha com a política estrangeira de seus donos no Catar. E essa visão tem alguma razão; os governantes do Catar apoiaram fortemente as finanças do Egito no período de um ano em que Morsi e a Irmandade Muçulmana ficaram no poder. No entanto, a Al Jazeera árabe não é maior partidária que o resto da mídia do Egito – a questão é que eles detêm um viés um pouco diferente.

Durante o referendo mais recente, por exemplo, “a mídia se tornou quase uma campanha unificada de mobilização [pelas emendas constitucionais criadas pelo governo militar], com a única resposta diferente oferecida pela Al Jazeera Egito”.

O vídeo da invasão ao hotel Marriott, com trilha sonora um pouco dramática demais para um filmagem de computadores e hard drives.

Os três colegas de Elshamy da Al Jazeera, que trabalham para o serviço inglês, foram presos na invasão a um estúdio improvisado no hotel Marriott do centro do Cairo, no dia 29 de dezembro. Em um comunicado, o Ministério Público disse que a equipe estava produzindo “filmagens fabricadas” para ajudar “o grupo terrorista [a Irmandade Muçulmana] a influenciar a opinião pública”. (Depois que o governo interino subiu ao poder, a Irmandade Muçulmana foi oficialmente designada como organização terrorista apesar da total falta de provas no caso.)

O Serviço de Informação Estatal do Egito afirma que a equipe estava trabalhando sem permissão de transmissão, fornecendo uma cópia de uma carta de inscrição da Al Jazeera que lista três membros de equipe, mas nomes diferentes daqueles dos detidos. Uma fonte próxima da operação Al Jazeera Egito disse que, depois de uma invasão a seus escritórios em agosto do ano passado, ficou claro que as permissões oficiais não seriam garantidas à rede e ficou decidido que eles trabalhariam sem isso. No vídeo da invasão, no entanto, um jornalista pode ser visto afirmando em árabe que uma inscrição tinha sido feita.

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Peter Grest, ex-correspondente da BBC e outro jornalista da Al Jazeera detido atualmente, conseguiu contrabandear duas cartas para fora da prisão. “Nossa prisão parece não ter nenhuma relação com o trabalho”, ele escreveu. “Parece ser uma demarcação do que o governo considera normal e aceitável. Qualquer um que aplauda o estado é visto como seguro e merece liberdade. Qualquer coisa diferente disso é tratada como ameaça.”

Greste estava sendo mantido numa cela vizinha a vários ativistas seculares, mais vítimas colaterais da repressão à dissidência pública. Eles conseguiram trocar livros e revistas enviadas de fora, mas, na segunda-feira –  de acordo com familiares de um dos ativistas presos – ele foi mudado de cela. Seu paradeiro agora é desconhecido e, no tedioso e lento sistema judicial egípcio, o acusado pode ser mantido em condições precárias por meses enquanto os promotores preparam o caso.

O encolhimento gradual da arena da mídia livre não é um problema só da Al Jazeera. Um dos poucos jornalistas críticos a escrever uma coluna regular num dos maiores jornais do país se demitiu esta semana depois que um de seus artigos foi censurado pelo editor; o cineasta Hossam Meneai foi levado de seu apartamento sob acusações preliminares de “espalhar notícias falsas” e uma jornalista holandesa teve que fugir do Egito depois de ser acusada de fazer parte da operação Al Jazeera, apesar de sua única conexão ter sido se encontrar uma vez com um dos jornalistas detidos.

Na primeira de suas cartas da prisão, Elshamy descreve a cena em sua cela: “São três horas da manhã. Enquanto todos na cela estão dormindo, uma brisa penetra o teto cheio de barras de ferro […] 16 pessoas dividem um espaço de 12 metros […] Não há vida aqui”.

No entanto, apesar da situação sombria em que se encontra, o repórter da Al Jazeera parece ter consciência de que sua prisão não passou despercebida – que, para a comunidade internacional, isso é a representação perfeita do cobertor de repressão sobre a dissidência e do sufocamento da liberdade de expressão infligidos pelo governo interino egípcio.

“Não me arrependo de nenhum dia neste lugar”, ele escreveu. “Somos testemunhas da liberdade e sempre seremos lembrados por isso.”

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