ABC dos Trotes Violentos
Ilustrações por Juliana Lucato.

FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

ABC dos Trotes Violentos

Reunimos as maiores ruindades praticadas nos trotes das universidades brasileiras e suas consequências.

Vamos logo admitindo que algumas tradições são tão merdas que deveriam desaparecer por completo. É por causa delas que você aguenta aquele tio racista nas festas de Natal e seus colegas de trabalho homofóbicos. Essa tal de "tradição" também serve pra te fazer engolir pinga-bosta e aceitar ser zoado por um bando de frustrados quando você entra na faculdade.

Talvez por isso as denúncias de agressões e estupro que rolam nas festas universitárias tenham sido ignoradas década atrás de década. Você achou ruim ter de estudar pras provas finais da faculdade? Poderia ser pior. Muito pior. Imagine levar pasta de dente no ânus sem reclamar (rito de passagem da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz), ou imagine acordar de uma festa no dia seguinte com a informação de que você foi estuprado sem saber (o que aconteceu numa festa da Faculdade de Medicina da USP). Também pode rolar de você sofrer "suicídio social" pelos seus coleguinhas, porque você abriu o bico para reclamar e a faculdade não interveio por considerar que o problema não é dela.

Publicidade

Não que seja uma novidade. O Brasil tem problemas com o trote violento desde 1831 , quando foi registrado o primeiro relato de morte. Também é possível contar nos dedos se houve alguma atuação positiva para evitar que mais desastres acontecessem. Por isso, não é nada surpreendente ver babacas racistas pintando calouras com tinta preta para zoar com a escravidão (trote violento e escravidão: o mash-up de algumas das piores tradições brasileiras) e também ver que as instituições seguem caladas em frente à denúncias escabrosas com a desculpa de que o trote é proibido dentro dos campus.

Após uma denúncia sobre trotes na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), um dos cursos mais seletos e dos mais escolhidos pela elite brasileira no ano passado, uma promotora de justiça abriu um inquérito civil público. Em 9 de dezembro, foi instaurada a CPI do Trote Universitário para investigar violações de direitos humanos em diversas faculdades de São Paulo. A comissão está acontecendo agora na Alesp e é presidida pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT).

É bem simples: quando a sua zoeira se torna preconceituosa e violenta, você só se torna mais um babaca. Em homenagem à CPI, fizemos um pequeno "hall da fama" com as maiores ruindades praticadas nos trotes e as suas consequências.

Em 1999, Edison Tsung Chi Hsueh foi jogado em uma piscina olímpica durante uma festa da Faculdade de Medicina de São Paulo; dez anos depois, foi a vez de o calouro Vitor Vicente de Macedo Silva morrer afogado no Rio de Janeiro durante um trote do curso de Física. Os veteranos que jogaram Edison foram absolvidos por falta de provas e, hoje, são médicos praticantes.

Publicidade

O que acontece quando alguém não quer participar do trote? Perseguições, zoeiras e nada de amigos durante todo o curso.

O calouro deve tirar suas roupas e correr pelado pela cidade. Pode parecer engraçadinho, mas, se a polícia pegar, pode dar muita treta e detenção.

Autoexplicativo: enfiar a cabeça do calouro dentro do vaso sanitário e puxar a descarga para que ele tenha momentos gostosos de refrescância e quase afogamento.

Diversas festas universitárias foram palco de abusos sexuais de mulheres. A maioria dos casos envolveu estupro de vulneráveis, pois as vítimas estavam em estado avançado de embriaguez. Até agora, a Faculdade de Medicina de São Paulo figura como primeiro lugar no ranking de abusos sexuais denunciados na CPI do Trote.

Com a desculpa de conseguir amigos e se dar bem no curso escolhido, muitos veteranos obrigam os calouros a participarem de atos violentos.

Dar um drink adulterado com xixi, gorfo e afins para o seu calouro beber. A Faculdade de Medicina da PUC está ligadíssima no que estamos falando, especialmente nos trotes dentro das repúblicas.

Todo mundo sabe que a maioria dos babacas gosta de andar em bando. Portanto, nada mais justo do que existirem uns babacas superiores (que costumam ter mais tempo de curso) exercendo seu poder e suas frustrações do trote passado nos coleguinhas que acabaram de sair do vestibular.

Os responsáveis pelos trotes mais violentos costumam ser jovens brancos e, possivelmente, membros de famílias ricas. Será que eles vão responder pela violência nos trotes?

Publicidade

Humilhações, vídeos vazados na internet e muita tiração de sarro dos veteranos que praticam ou são espectadores dos trotes. Ninguém parece achar isso sério, é apenas uma brincadeira. (kkk)

Quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 13 de maio de 1888,provavelmente não imaginou que isso teria outro significado nas faculdades brasileiras. Esse é o dia em que cessam as zoações com os calouros, liberando-os para viverem suas vidas acadêmicas em paz. Para mais um exemplo de apropriação racista, veja a letra "X".

Durante o trote de Medicina da PUC de Sorocaba, que envolvia passar em cada república estudantil para beber a maior quantidade de álcool possível, o calouro Rodrigo Favoretto Peccini deitou no sofá de uma república e seu corpo foi ateado com fogo por seus colegas. Rodrigo sobreviveu com 24% do seu corpo queimado. Os seus colegas envolvidos consideraram isso apenas uma "brincadeira".

Em situações vexatórias em trotes universitários, a nudez é uma das armas mais recorrentes para se humilhar os calouros. Caso tenha dúvidas, volte à letra "C" ou dê uma olhada no Google com os termos "nudez" e "USP de São Carlos".

Embora os trotes violentos já sejam parte da tradição das faculdades do país, são poucos casos nos quais a própria instituição ou os centros acadêmicos interferem na prática. Será que isso vai mudar com a CPI do trote?

Publicidade

Uma combinação terrível de pasta de dente e seu ânus, além de rito de passagem na AAAOC. O resultado? Veja a letra Q.

Na UFVJM, em 2008, onze calourous sofreram queimaduras por conta de uma mistura de creolina, ácido e suco de limão. Em outro caso, duas calouras sofreram queimaduras de segundo grau na Fundação Educacional de Santa Fé do Sul por conta de uma mistura bacana de creolina e tíner jogada por uma veterana. Uma delas estava grávida.

Trote que rolou em 2010 na UNESP de Araraquara. Consiste em agarrar mulheres gordas e tentar ficar em cima delas o máximo de tempo possível. Classudo. Pelo menos 50 alunos participaram, até que finalmente foi abolido.

No trote da turma de Agronomia da UnB, os veteranos obrigaram as meninas a fazerem sexo oral numa linguiça com leite condensado. Outro exemplo de sexismo é o Show de Medicina da Faculdade de Medicina da USP, que veta a participação de mulheres, cuja função se restringe a costurar as fantasias da apresentação. O evento da FMUSP foi bastante comentado no ano passado, porque os organizadores, para divulgar a festa, foram vacilões e atropelaram um monte de pixações e grafites na Avenida Rebouças. Denúncias de abuso sexual e violência em geral assombram a reputação do show e também das festas organizadas pela Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC).

Em 2005, os veteranos do curso de Agronomia de uma faculdade federal de Uberlândia fizeram um calouro deitar no formigueiro. Resultado? Mais de 100 picadas e uma internação no hospital.

Publicidade

Em 2013, foi noticiado que uma piscina com xixi e mais um monte de coisa nojenta era montada pelos veteranos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (UFRJ) para os calouros fazerem sabe Deus o quê. No ano seguinte, um aluno abandonou o curso de Medicina da Famerp após ter sido obrigado a beber sem parar e receber dos coleguinhas urina e vômito.

Pontapés, socos e as mais diversas agressões assombram algumas histórias de calouros que não aceitaram participar do trote. Há até mesmo agressões que faziam parte do próprio trote.

Os estudantes da Cásper Líbero fizeram as calouras praticarem sexo oral em diversos vegetais na Avenida Paulista. No mesmo trote, chegaram a amarrar um calouro no poste. Em outro caso WTF?, abandonaram um aluno sujo e inconsciente no meio de uma praça, no Rio Grande do Sul. O que esse povo tem na cabeça?

Trote escroto de um aluno de Direito da UFMG que pintou uma caloura de preto e usou uma corrente para puxá-la durante as celebrações. Além disso, rodou na net uma foto de outros imbecis vestidos de Hitler fazendo uma saudação nazista. Tudo isso no mesmo trote de 2013, o que resultou na expulsão de um aluno.

Se essas pessoas entendessem o Kanye West, isso não rolaria. Jesus wept.

Afinal, a zoeira não tem limites, né? Ou não.

Siga a Marie Declercq no Tumblr. Ilustrações por Juliana Lucato.