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cenas

O Relvas também bate pulso

Perdemos 5000 estágios, mas ganhámos um palhaço.

Miguel Relvas é um salafrário da pior espécie, mas o facto de ter tirado um curso pela porta do cavalo é o menor dos seus crimes. Esse é só o refrão fácil de decorar, talvez por ser mais espalhafatoso do que o lápis azul da censura que empunha em pleno século XXI. O mesmo se passa com a notícia que gerou burburinho no dia de ontem: a de que

Miguel Gonçalves, o visionário que defende uma PME em cada lar português

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, irá ser o embaixador de um novo programa de estágios para jovens empreendedores portugueses — o Impulso Jovem. Percebe-se que esta notícia tenha obscurecido a outra — a de que o Governo vai ditar o fim dos programas de estágios INOV, entre outros. Afinal, o cenário está composto com os dois mais execráveis Miguéis da nação, casados sob o espírito santo da punheta de diversão.

É fácil distrairmo-nos com os dois palhaços que dançam no campo minado, mas o que a máquina de propaganda não previu foi o dramático aumento da apetência dos cidadãos para a matemática. Os lorpas que deveriam ficar boquiabertos com a inspiração

empreendedorística

têm, afinal, passado muito tempo a fazer contas. Contas de subtracção e de divisão, sobretudo, o suficiente para conseguirem deduzir que o fim de mais de 5000 estágios no sector privado não será propriamente compensado por 2000 estágios na função pública. Já existe uma adequada agilidade na álgebra para detectar que esta equação é falsa, que os portais para a indústria que os programas INOV iam estabelecendo não podem ser substituídos por mais algumas portas giratórias na administração local.

Não podemos pedir muito, é certo. Estamos a falar de cosmética a ser aplicada no rosto de um cadáver. Quando já se ouvem os estertores de morte do executivo é compreensível que a sua prioridade seja correr para os botes e não pedir à banda que toque algo com sentimento enquanto o cruzeiro se afunda. Ainda assim, seria de rigor ter algum decoro no momento fúnebre que atravessamos. Mas com Miguel Gonçalves não temos sequer decoro, e muito menos texto decorado. Quando questionado sobre o aumento do desemprego apesar do crescente apoio ao empreendedorismo, Miguel responde: “Estais a tentar apanhar-me de um lado e do outro. Eu não sei. Faz perguntas importantes, as pessoas têm pouco tempo, as pessoas que estão em casa têm de perceber ‘olha uma boa ideia, rapaz!'”

As pessoas em casa não têm de perceber isso. Nem têm de perceber ginásticas surrealistas como o auto-retrato verbal de Miguel Gonçalves: “Sei bem o que fazer para agarrar a maçã com força e dar a volta por cima.” As pessoas em casa estão demasiado ocupadas a pensar no mês seguinte, a pensar nos filhos emigrados que não vêem há um ano, a pensar no pouco dinheiro amealhado em instituições bancárias que cerram os dentes. Nada de novo, enfim. Apenas mais alguns “facistas” — aqueles que dizem “faço isto, faço aquilo”.