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bicicletas

Tudo anda sobre rodas

Pelo menos em Guimarães.

Chama-se Irena Übler, é austro-alemã e tem 27 anos (apesar nunca se revelar a idade de uma senhora). Vive em Portugal há três anos, um mês e alguns dias. Quando chegou, nunca pensou ficar por tanto tempo. Irena trabalhava, na altura, na sua tese, que acabou por dar origem a um trabalho inserido na programação da Capital Europeia da Cultura, e agora anda a deixar marca por paredes e chão de Guimarães. Sim, aquela cidade que é património mundial. Como conseguiu convencer o pessoal a intervir nas paredes sagradas? A ideia foi cruzar o design industrial com o turismo criativo, para criar uma ligação entre design, cidade e cultura. Portanto, esquece aquela ideia de chegar à cidade e fazer o tour no autocarro turístico de rabo alapado. A proposta é calcorrear a cidade a pé, ou até de bicicleta, em percursos que obrigarão o turista, ou o autóctone, a ver a cidade com outros olhos. Recentemente, a Irena conseguiu juntar cerca de 70 ciclistas, que possuíam quatro mapas diferentes, onde iam marcando a sinalética em papel ou digitalmente, com os smartphones. Uma verdadeira caça à sinalética, com comes e bebes pelo meio. A finalidade? Descobrir Guimarães! VICE: É curioso ser uma estrangeira a desenvolver um projecto chamado "Descobrir Guimarães". É o quê e porquê?
Irena Übler: Inicialmente, era o "working title" da minha tese. Passei muito tempo a andar a pé na cidade para descobrir os “pontos chaves” e os “pormenores" da cidade. Foi um processo mesmo importante. Cada um descobrir a sua cidade para criar uma ligação pessoal com ela é fundamental. Eu já fiz este exercício e quero que todos façam o mesmo. É uma experiência mais interessante, do que passar o tempo a fazer um turismo “normal”. É um processo que nunca pára. Ainda hoje, ao fim de tantos dias em Guimarães, ainda consigo descobrir imensas coisas novas! VICE: É curioso ser uma estrangeira a desenvolver um projecto chamado "Descobrir Guimarães". É o quê e porquê?
Inicialmente, era o "working title" da minha tese. Passei muito tempo a andar a pé na cidade para descobrir os “pontos chaves” e os “pormenores" da cidade. Foi um processo mesmo importante. Cada um descobrir a sua cidade para criar uma ligação pessoal com ela é fundamental. Eu já fiz este exercício e quero que todos façam o mesmo. É uma experiência mais interessante, do que passar o tempo a fazer um turismo “normal”. É um processo que nunca pára. Ainda hoje, ao fim de tantos dias em Guimarães, ainda consigo descobrir imensas coisas novas! VICE: Foi um trabalho desenvolvido a sós?
O projecto todo é baseado na minha ideia da tese final e resultou de um trabalho que está integrado na área da "Cidade", na programação da Capital Europeia da Cultura - Guimarães 2012. Mas, tive inspiração de várias áreas e, claro, trabalhei em parceria (oficial) com Câmara de Guimarães, o Posto de Turismo e a equipa da área CIDADE, as empresas de produção e de uma forma informal, mas igualmente importante, tive a ajuda dos amigos que me mantiveram motivada e inspirada. Mas sou responsável por quase tudo… das primeiras ideias às peças nas paredes e stencils no chão. Passo, de um momento para o outro, de ser “chefe” para a “unpaid intern" que faz os trabalhos chatos. Ando sempre a correr e vai ser maravilhoso chegar ao fim do ano 2012. Não imaginas as horas de trabalho envolvidas. Mas, no fim, sei que a experiência será óptima. VICE: Recomendas algum calçado específico, tendo em conta os altos e baixos da cidade? Tacão agulha?
Sou uma miúda de ténis e, sinceramente, não acho que seja boa ideia andar de salto alto na calçada antiga vimaranense. Mas, para quem não lhes resistir, sugiro que leve um calçado extra para o percurso "Paisagem Secreta". O importante é ir a Guimarães e perder-se na atmosfera. Não é importante fazer o circuito inteiro. Cada um vai até onde pode. Outra das possibilidades é usar a bicicleta. Já andamos a testar essa opção. VICE: Tens vários circuitos. São temáticos? Em algum deles é possível descobrir o vinho tinto e a bola de sardinha?
Há cinco circuitos diferentes. Os “Lugares Criativos”, a “Paisagem Secreta”, o “Outras Histórias” são os permanentes e sempre sinalizados na cidade. Há ainda o circuito temporário do Pop Up Culture e o Expressões, que vai ser progressivamente implementado até ao fim do ano. Todos eles são representados individualmente por uma peça que, por sua vez, se divide em nove partes, servindo cada uma delas para sinalizar os vários pontos de interesse. O padrão de azulejos em grande é quase sempre um mapeamento criativo de Guimarães. Mas posso levantar o véu e revelar-te que, no circuito dos lugares criativos, há uma tasca com vinho tinto caseiro, que ajudará bastante a criatividade. Os restantes segredos da restauração (comida e bebida) deixo para que se descubra seguindo a sinalética. VICE: Parece-me interessante para quem vem de visita… Mas e quem vive cá, vai redescobrir a cidade?
Claro, também é um projecto para os habitantes de Guimarães redescobrirem a cidade. Se calhar, é a parte mais importante: a motivação para o pensamento sobre a sua cidade e o voltar questionar o que é a sua cidade e o que pode ser. No dia-a-dia, e com a rotina, acabamos por não olhar bem para a cidade. Deixamos de ver e esquecemos os pontos marcantes. Uma pequena mudança salta à vista ou passa despercebida?!  Eu quero surpreender as pessoas com uma mudança pequena na cidade, para que comecem a questionar porque há azulejos novos nas paredes. Espero que isso provoque interacção entre a cidade e as pessoas. Fiz um teste em Londres: coloquei lá uma das minhas peças e funcionou. Uma ou duas semanas depois o meu azulejo já tinha um "amigo" ao lado. Adoro esta interacção e estou curiosa com o que se segue. E proponho que, em vez de me roubarem as peças, me sugiram coisas para deixarmos marca em locais especiais (descobrir.guimaraes@guimaraes2012.pt). É uma acção informal, todas as dicas valem: do mais estranho ao mais curioso. A ideia é criar uma rede narrativa com memórias da cidade e marcar os sítios das pessoas em Guimarães. Há sempre uma nova coisa para descobrir porque a vida na cidade nunca pára! VICE: A sinalética é diferente. Às vezes no chão, outras nas paredes, acrílico, azulejo… Dá vontade de levar para casa. Em que te baseaste?
Os circuitos são sinalizados por peças que evocam azulejos — visualizadas em diferentes materiais e códigos de cores, produzidas a partir de diferentes processos de fabrico — e por stencils que reproduzem o pavimento. Cada circuito tem uma categoria e por causa disso também o design e material muda. Este conceito de design estabelece uma ligação lógica e metódica, reflectindo os diferentes valores e várias facetas da cidade. Por exemplo, a sinalética da "Paisagem Secreta" é feita em acrílico e cortiça, material muito português, que tem a ver com a paisagem de Portugal. Este circuito leva as pessoas aos trajectos por um lado menos conhecidos e outro lado ligado à natureza. Os materiais estão em conformidade com os percursos e têm inspiração na topografia real de Guimarães. VICE: O que descobriste tu de Guimarães ao fazer isto? Alguma surpresa?
Sim, relativamente aos locais tive muitas surpresas, mas acho melhor não relevá-las para não perder a possibilidade que os outros também se surpreendam. Descobri que uma boa atitude e um sorriso simpático ajuda a trazer o grafitti e arte urbana até ao centro histórico da cidade. Descobri alguns segredos com os artistas de streetart/ graffti: com uma escada pareces profissional e com autoconfiança nem os polícias perguntam o que estás a fazer. VICE: O projecto tem data de validade? Um dia acaba e retiras tudo das paredes?
Ainda não tenho a certeza do que vai acontecer depois de 2012. Espero poder deixar tudo em Guimarães. Seria uma boa memória e até agora não encontrei ninguém que tenha nada contra a colagem da sinalética. Até já me pediram para colocar também um dos meus azulejos na casa deles. Tenho curiosidade em como o projecto de arte urbana vai ser tratado depois da Capital Cultura. *fazer figas*