Polícia Civil do RS faz operação contra anarquistas

Suspeitos de integrar uma organização anarquista são alvos de investigação na Operação Érebo, liderada pelo delegado da Polícia Civil Paulo César Jardim, conhecido por investigar e deflagrar grupos nazistas. Materiais de leitura, garrafas de plástico e outros objetos considerados subversivos foram apreendidos pelos policiais. O delegado considera o grupo “do mal” e também os acusa de estar por trás de atentados e atos de vandalismo desde 2013. Para a Federação Anarquista Gaúcha (FAG), a ação da Polícia Civil representa uma “criminalização das ideias”.

A operação começou na manhã de quarta-feira (25) em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Segundo a polícia, estudantes universitários são suspeitos de coordenarem ações criminosas e atentados à concessionárias, carros luxuosos, uma igreja católica e até contra a polícia. O delegado Jardim chegou a apontar a apreensão de uma cartilha chamada “Bem-vindo ao Inferno”, título de material de leitura feito na época dos protestos do G-20, como uma evidência de que se trata de ‘quadrilheiros do mal‘. Até o momento nenhum suspeito foi preso, mas o delegado diz que as provas reunidas são suficientes para uma ordem de prisão.

Videos by VICE

Sem especificar qual grupo ou os nomes dos estudantes acusados de praticar os atentados, o delegado também disse à imprensa que os suspeitos “tentam causar pânico na cidade” e “repudiam qualquer autoridade e poder constituídos”. Uma das poucas informações sobre os acusados é que alguns são alunos do curso de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nas apreensões foram recolhidos panfletos reproduzindo ideais anarquistas, além de garrafas de plástico e máscaras de fantasia. Para a polícia, as garrafas de plástico são para produção de coquetéis molotovs, embora nas fotos todas elas apareçam preenchidas com sacos plásticos e pedaços de jornal.

Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido na Cidade Baixa em Porto Alegre na sede da ONG chamada Instituto Parrhesia Erga Omnes. A organização é conhecida por se unir a movimentos de direitos humanos e já foi premiada em 2013 e 2015 pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). Após a entrada da polícia na ONG diversos panfletos, livros e materiais de reciclagem foram levados e catalogados como prova. Segundo Lorena Castillo, militante e secretária de relações da Federação Anarquista Gaúcha, o mandado de busca e apreensão relacionava erroneamente a Federação com a Parrhesia. Tanto a FAG quanto a Parrhesia afirmam não serem relacionadas entre si.

Em uma pesquisa rápida, é possível entender que a FAG e a Parrhesia são organizações distintas e que atuam em áreas diferentes, embora tenham semelhanças no quesito de respeito aos direitos humanos. “Nossa organização está dentro de sindicatos, movimentos sociais e nunca precisou se esconder de ninguém. Temos mais de 20 anos de existência”, defende Lorena.

Criada em 1995 na capital gaúcha, a FAG possuiu um espaço físico com endereço divulgado para qualquer um que tenha acesso à página do Facebook. Embora tenha sido mencionada no mandado de busca e apreensão na sede da ONG Parrhesia, Lorena conta que nenhum militante da FAG ou o seu espaço chegaram a ser alvo da Polícia Civil e que a federação já foi alvo anteriormente da polícia em anos anteriores.

“Nossa organização está dentro de sindicatos, movimentos sociais e nunca precisou se esconder de ninguém. Temos mais de 20 anos de existência” — Lorena Castillo

A secretaria também afirma desconhecer qualquer relação da Federação com os atentados mencionados pela polícia e critica o desconhecimento do delegado Jardim sobre os anarquistas e as diferenças entre cada organização. “A gente quer que o Jardim volte a trabalhar investigando os grupos nazistas e neonazistas. Para nós, parece que ele não sabe do que se trata. Além disso, os meios de comunicação fazem essa confusão propositalmente. Chamaram a gente de nazista no [programa] Balanço Geral e no SBT, o que é uma ignorância total e de um mau-caratismo enorme.”

A intenção da operação, segundo Castillo, é criminalizar a existência por si só de grupos anarquistas. “Essa operação está sendo feita para construir um grande espantalho com a justificativa para tentar criminalizar ideias”, diz. “Ela é também bem midiática, o que para nós é extremamente perigoso porque é um precedente grave não só para os anarquistas, mas para qualquer movimento social da esquerda, ainda mais no contexto social-político que estamos vivendo hoje.”

Em repúdio à operação da Polícia Civil, a Federação Anarquista Gaúcha organizou um ato públicomarcado para sábado (28) a partir das 18:00hs em Porto Alegre.

Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter e Instagram.