Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly .
Na última segunda-feira (14), o Human Rights Watch informou que a polícia russa deteve 11 mulheres que estavam indo para um acampamento de verão feminista, e as fez assinar documentos alertando contra realizar “atividades extremistas”.
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O acampamento de uma semana numa praia do Mar Negro na região de Krasnodar, sul do país, deveria ser um espaço seguro para mulheres aprenderem sobre feminismo num ambiente livre de “sexismo, homofobia, transfobia e qualquer tipo de xenofobia”. Em vez disso, as organizadoras receberam ameaças e as convidadas acabaram detidas pela polícia.
Pessoas que se identificaram como Cossacos mandaram “mensagens ameaçadoras nas redes sociais, dizendo que o feminismo quer destruir a sociedade russa e que as únicas pessoas que simpatizam com o feminismo são degeneradas”, disse Tanya Lokshina, diretora do programa russo do Human Rights Watch. Lokshina está em contato com o grupo de mulheres, que falou sobre o tratamento recebido pela polícia.
Cossacos são um grupo étnico e cultural da região que formaram milícias e tropas paramilitares durante a atual crise na Ucrânia. O Washington Post descreveu os caras como “guerreiros culturais” defendendo valores conservadores russos — um papel assumido por eles que levou grupos da milícia cossaca a bater no Pussy Riot durante seus protestos nos Jogos Olímpicos em Sóchi.
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As ameaças levaram as organizadoras a cancelar o evento um dia antes do início marcado, em 13 de agosto, mas várias mulheres já estavam a caminho da região e decidiram continuar a viagem.
Às 6h40, homens invadiram a cabana onde cinco das mulheres estavam hospedadas, as acordando, segundo relatos passados ao Human Rights Watch. Um dos homens teria se identificado como policial e disse que as mulheres seriam interrogadas numa delegacia sobre acusações de desordem pública. As mulheres — uma delas acompanhada pela filha de oito anos — foram detidas na delegacia por cinco horas e depois liberadas sem acusações.
Depois de liberadas, as cinco foram se encontrar com outro grupo de feministas que pretendiam ir ao acampamento. Antes de chegar ao seu destino, o grupo original foi confrontado por Cossacos que queriam ver seus documentos de identidade. “Eles [os Cossacos] estavam usando linguagem agressiva e obscena”, disse Lokshina. “Eles disseram que as mulheres estavam planejando atividades ilegais, que queriam causar desordem pública e que não deveriam estar ali.”
Quando policiais apareceram e pediram às mulheres que os acompanhassem até a delegacia, elas ficaram aliviadas e acharam que poderia dar queixa de assédio contra os Cossacos.
“Mas quando as mulheres chegaram à delegacia, os policiais começaram a tratá-las como suspeitas, não vítimas”, disse Lokshina. As mulheres foram revistadas, tiveram que entregar seus celulares e preencher declarações sobre o motivo da viagem.
“A polícia as deteve por horas, as liberando só quando já tinha escurecido”, acrescentou Lokshina. “A polícia deu a entender que acreditava que essas mulheres planejavam se envolver em atividade extremista, sem alegações mais específicas.”
As seis amigas com quem elas deveriam se encontrar também foram detidas e trazidas para a mesma delegacia no vilarejo de Dzhubga para serem interrogadas, segundo o Human Rights Watch. No total, 11 mulheres ficaram detidas por várias horas. Apesar de nenhuma ter recebido acusação formal, elas foram obrigadas assinar documentos alertando contra atividades extremistas. (A Administração Geral MIA do Território de Krasnodar não quis comentar o caso em nome da polícia de Dzhubga. Até o momento, o Ministério Russo de Assuntos Internos não respondeu nossos pedidos de comentário.)
“Não era uma questão de acusar essas mulheres”, Lokshina disse. “E sim detê-las e intimidá-las por horas, e se certificar de que elas não conseguiriam realizar seu encontro feminista.”
As mulheres disseram ter sido liberadas entre 21h30 e 22h, e pegaram um trem noturno para sair da área. O Human Rights Watch disse que a maioria delas pretende dar queixa oficialmente.
Ativistas dizem que a Rússia vem fechando o cerco a dissidentes e limitando a liberdade de expressão antes da eleição presidencial de 2018, incluindo uma ação altamente criticada que proíbe o uso de serviços de proxy de internet e de mensagens anônimas. Em julho, mais de mil manifestantes de todo o país foram detidos por participar de protestos contra o Kremlin.
Mas interromper uma reunião privada de mulheres tentando discutir feminismo parece ser um caso inédito até agora, segundo o Human Rights Watch.
“Parece que antes da eleição presidencial de 2018, as autoridades — especialmente autoridades locais do sul da Rússia — estão cada vez mais paranoicas e fazendo o máximo para impedir qualquer atividade que considerem subversiva”, disse Lokshina. “Tenho certeza que se eles perguntassem ao Kremlin ‘Vocês acham que é perigoso para a Rússia ter um grupo de feministas se reunindo numa praia no Mar Negro?’, os oficiais de alto escalão do Kremlin diriam ‘Quê?’
“Mas eles não perguntaram. E acabaram decidindo que deter essas mulheres era a coisa certa a fazer.”