O filósofo Luiz Felipe Pondé se tornou uma espécie de caça-cliques ambulante, escrevendo semana após semana textos de opinião onde se opõe a assuntos ligados à esquerda em tom sarcástico e com fraca argumentação. Na coluna publicada hoje (21), parece feliz em demonstrar sua nova descoberta: os MGTOW, sigla para Men Going On Their Own Way, uma subgrupo antifeminista que simpatiza com diversos espaços virtuais hostis e misóginos. Em tradução livre, são os homens que seguem seu próprio caminho, sendo contrários a se relacionar com mulheres ou expressar qualquer coisa remotamente respeitosa a elas.
Pondé não nasceu ontem, e sabe muito bem o que está fazendo para conseguir se safar das próprias opiniões. Não toma qualquer posicionamento na coluna, escrita de forma aparentemente neutra, expondo as razões dos homens héteros sem qualquer preocupação de inserir um contraponto. Se o leitor discordar, a suposta neutralidade se torna uma forma fácil de o colunista negar que concorda com o que foi exposto. O problema é de quem se incomodou, pois entendeu errado. Uma espécie de covardia intelectual bastante disseminada nas redes sociais, onde a culpa é sempre de quem leu, não de quem escreveu.
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A filosofia do MGTOW pouco difere da dos celibatários involuntários, e muito menos é novidade ou está distante da misoginia casual presente na identidade brasileira desde que nos entendemos enquanto país. A simpatia pelo grupo, indiretamente expressada por Pondé, demonstra como a naturalização da misoginia segue uma tradição intocada até nos meios mais intelectuais.
Ao longo dos anos e das polêmicas inevitáveis que parece gostar de alimentar, Pondé sempre defendeu posicionamentos antifeministas e abertamente condescendentes contra qualquer mulher que se preste a ser algo além de uma “bela mulher”, isto é, todas que não o admiram nem concordam com suas opiniões. Vendido como um dos maiores filósofos do país, o colunista faz uso de sua autoridade acadêmica para validar a misoginia de seus seguidores. Sem eles, Pondé talvez recorresse a outra polêmica, mas como parte de seus admiradores se mostram frustrados com qualquer avanço social referente às mulheres, é a isso que o filósofo dedica seu tempo.
Na sua última coluna, Pondé generaliza o comportamento feminino da mesma forma que anônimos de chans e grupos virtuais ao justificarem por que não estão conseguindo uma namorada. Os homens, segundo a coluna, devem ser vistos como vítimas de uma lógica cultural que os demoniza apenas por serem héteros. Não há qualquer meio-termo. Para ele, a liberdade conquistada pelas mulheres incomoda e inferioriza o homem, e para ambos é impossível buscar o equilíbrio. A ideia de uma guerra dos sexos, no entanto, não é uma pauta feminista, mas algo defendido pelo próprio Pondé.
Seu pensamento de que o mundo é chato demais por causa das feministas, e bunda-mole em demasia por causa de homens que não são machões, é perfeito para o presente. Justifica, inclusive, o pensamento do governo Bolsonaro, em que a ministra responsável pela elaboração de políticas públicas para mulheres diz que crianças são estupradas no norte do país por não usarem calcinha e que feministas odeiam homens e querem acabar com a família tradicional. Pondé se presta assim ao papel de intelectualizar os absurdos reproduzidos pelo governo, quase como um papagaio de pirata de bico empinado.
É interessante Pondé falar da polarização política, colocando mulheres e homens em pólos opostos, como é feito com a esquerda e a direita. Parece impensável para o colunista que, para dizer que existe uma polarização entre homens e mulheres, seja necessário que as mulheres estejam ao menos em pé de igualdade. E não estão. Esse texto não vai mencionar dados sobre feminicídio, as mortes por aborto clandestino, a desigualdade salarial e muito menos a dupla jornada das mulheres, porque o filósofo escolheu há muito tempo negar todos esses fatores, tratados como mera histeria ou frescura de mulheres chatas que pedem demais. Admira que o escritor ainda não tenha publicado alguma coisa repensando o voto feminino ou o direito das mulheres ao ensino superior.
Vivendo dentro de sua redoma de cristal, blindado de qualquer elemento que considere tedioso do mundo externo, Pondé exerce sua função de normalizar o ódio às mulheres ao apresentar um grupo de extrema-direita como se fosse uma mera curiosidade, e não a exposição descarada dessas ideias em um dos jornais mais importantes do país. O curioso é que nem foi preciso se debruçar sobre grupos online para entender como operam: de imediato, Pondé se encontrou em um ambiente pautado pela desumanização da mulher.
Talvez o ressentimento embasado na coluna reflita o próprio ressentimento de Pondé, e não só dos MGTOW.
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