O populismo na Europa só está começando

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Politică

O populismo na Europa só está começando

Se você achou que vivemos o auge do populismo em 2016, você ainda não viu nada.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Para quem estava esperando que 2016 fosse só uma exceção bizarra, temos más notícias. Uma série de eventos futuros parece propícia para intensificar a revolta populista: por toda Europa, uma variedade de candidatos radicais estão se preparando para uma nova onda de eleições, cada um podendo acrescentar pressão à União Europeia e sobre os liberais progressistas sofrendo para conter políticas nacionalistas e exclusivistas. Basicamente, se você achou que 2016 foi o auge do populismo, você ainda não viu nada.

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O futuro é tão brilhante que ela tem que usar óculos escuros. Marine Le Pen experimenta óculos de sol num mercado francês. (Foto: Michel Euler AP/PA.)

Na primeira parte de 2017, a atenção vai se voltar para as eleições da França e na sorte de Marine Le Pen, líder do partido populista de direita Frente Nacional. Apesar de historicamente a FN nunca ter chegado nem perto de ganhar, o partido, fundado em 1972, tem buscado usar a eleição presidencial para atrair manchetes e novos recrutas. Em 2002, o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, chocou o mundo quando ficou em segundo lugar na primeira rodada da eleição, recebendo quase 17% dos votos entre um campo fragmentado de candidatos. Apesar de Le Pen ter sido esmagado depois na rodada final pelo candidato de centro-direita Jacques Chirac (com uma margem de 82% para 18%), aquela primeira votação foi vista como um impulso importante na vida da Frente Nacional. Também foi um momento que cimentou as preocupações na Europa com uma direita radical começando a sair das margens para o mainstream, muito antes de qualquer conversa sobre Donald Trump.

Leia também: "Membros da "direita alternativa" norte-americana esperam um país mais branco"

Agora há uma nova dinâmica. Diferente do pai, que era visto por muitos como um extremista, desde que se tornou a líder do FN em 2011, Marine Le Pen vem trabalhando para "desintoxicar" o movimento, abaixando o tom do antissemitismo estridente e racismo biológico que caracterizaram a era do pai. Em vez disso, Marine Le Pen tem enfatizado a chamada "defesa dos valores franceses", a suposta ameaça do Islã e protecionismo econômico, argumentando que a França deve abandonar a moeda única do Euro e lutar contra a globalização desregulada que prejudica os trabalhadores comuns.

Depois das atrocidades terroristas em Paris e Nice, o clima político na França também mudou. As preocupações com segurança estão em ascensão e intelectuais franceses começam a falar sobre uma "insegurança cultural" que está se espalhando entre os eleitores e os afastando dos partidos estabelecidos. Também há evidências de que Le Pen está fazendo incursões entre grupos que evitavam seu pai, como mulheres e jovens. Desde sua chegada, a FN ganhou eleições para prefeito em várias cidades, principalmente do sul do país, e em 2014 venceu as eleições para o Parlamento Europeu com apoio de um em cada quatro eleitores.

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Le Pen e eleitoras no começo do ano. (Foto por Michel Euler AP/Press Association Images.)

O amplamente impopular presidente socialista Francois Hollande não vai concorrer de novo, e parece improvável que outro candidato de esquerda consiga chegar ao segundo turno. Enquanto isso, na centro-direita a indicação foi para Francois Fillon, um ex-primeiro-ministro amplamente visto como um discípulo de Thatcher e conservador católico. Pesquisas sugerem que Le Pen vai chegar à rodada final, o que apresenta um dilema sério para os eleitores de esquerda: apoiar Fillon que defende políticas que eles odeiam, apoiar Le Pen, ou ficar em casa? A eleição será decidida por exatamente quantos eleitores de esquerda — alguns podendo se identificar com o protecionismo econômico de Le Pen — vão "tapar o nariz" e votar em Fillon. A FN espera que uma participação reduzida dos liberais de esquerda seja a chave para outro terremoto político.

E a eleição presidencial da França não é o único evento para assistir. A França também vai ter eleições para sua assembleia legislativa em 2017, significando que mesmo se Le Pen não conseguir uma posição séria na corrida presidencial, a FN vai ter uma segunda oportunidade de exercer influência em junho. Essas corridas eleitorais acontecem depois da eleição nacional na Holanda, onde o populista anti-Euro e anti-islâmico Geert Wilders está tendo um impacto visível. Recentemente, o parlamento holandês votou uma proibição parcial das burcas, visto como uma tentativa de cortar o apoio a Wilders (ele respondeu com um tuíte pedindo uma proibição completa). Agora ele espera capitalizar ainda mais sobre as preocupações do público com a imigração, a crise dos refugiados e a falta de crescimento econômico.

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Quase metade dos eleitores de 22 países europeus concordam com afirmações como 'a imigração está fazendo meu país mudar de maneiras que não gosto'.

Como outros populistas, Wilders — que recentemente foi considerado culpado por "insulto público e incitação à discriminação", depois de fazer comentários sobre reduzir o número de marroquinos na Holanda — vem lucrando com um novo clima político, no qual preocupações de identidade entre os eleitores se tornaram muito mais fortes. Segundo uma grande pesquisa recente feita pela Ipsos-MORI, quase metade dos eleitores de 22 países europeus concordam com afirmações como "a imigração está fazendo meu país mudar de maneiras que não gosto".

Desde a eleição de 2010, que viu Wilders atrair mais de 16% dos votos e 24 cadeiras, ele continuou a polemizar, pedindo que a Holanda se retire da União Europeia, reduza o número de migrantes muçulmanos e alertando sobre a "islamificação" das sociedades ocidentais. Como Le Pen, agora ele espera que seu apoio a Trump encoraje uma reação similar entre os holandeses.

Um protesto iniciado pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD). (Foto por Jens Meyer.)

Alguns meses depois em 2017, nossos olhos vão se voltar para as eleições nacionais na Alemanha, que vem lutando recentemente não só contra o movimento de rua anti-islâmico "Pegida", mas também contra a ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido populista de direita fundado em 2013 por economistas e líderes empresariais, que se opunham à moeda única do Euro e a como o governo estava lidando com a crise na Eurozona. Desde então, a facção mais abertamente nacionalista se tornou mais influente dentro do partido. Liderado por Frauke Petry, as prioridades políticas do AfD agora estão se opõem ao Islã (usando o slogan "O Islã não é parte da Alemanha") e atacando o modo como Algela Merkel vem lidando com a crise dos refugiados, enquanto também desenvolve laços com a Rússia e outros partidos de direita da Europa.

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Merkel, que recentemente pediu uma proibição da burca "que for legalmente possível", está claramente sentindo a pressão. Como a extrema-direita tradicional da Alemanha, o AfD está sendo apoiado principalmente nos estados do leste como a Saxônia, e durante 2014-2015 garantiu representação no parlamento de cinco estados (incluindo um do oeste do país). Embora Merkel provavelmente vá continuar com o poder nas pesquisas, o AfD está terminando 2016 em terceiro lugar, normalmente recebendo por volta de 12% dos votos, e vai esperar aumentar a ansiedade do público com a crise dos refugiados e terrorismo para abastecer seu apoio. Segundo um estudo recente pela Fundação Friedrich Ebert, um em cada três alemães acha que há muitos "estrangeiros" na Alemanha. A mesma proporção concorda com a declaração "Às vezes me sinto como um estranho em meu próprio país".

Foto por Jens Meyer.

Essa insurgência dos partidos de direita é uma tendência se repetindo por toda a Europa. A Noruega elegeu seu parlamento pela última vez em 2013. Naquela época, uma coalizão de partidos de direita — incluindo o populista Partido do Progresso — tomou o poder. Desta vez, a performance do Partido do Progresso será uma maneira útil de entender a força da direita populista na Escandinávia, onde a Noruega continua a debater o legado do terrorista Anders Breivik e a Suécia rumina sobre a reversão de sua abordagem liberal no acolhimento de refugiados.

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Eleições parlamentares devem acontecer em 2017 na Áustria, onde a atenção vai se voltar para a performance do Partido da Liberdade. O partido radical de direita, com ligações fortes com Le Pen e que se opõe aos refugiados, imigração e Islã, pode vencer as eleições de cara. O partido atualmente está confortável no primeiro lugar nas pesquisas e em dezembro de 2016 levou 46% dos votos numa corrida presidencial amplamente coberta pela imprensa. Diferentemente de outros partidos radicais da Europa, o Partido da Liberdade austríaco é uma força séria desde o meio dos anos 80 e tem muito apoio entre eleitores jovens (alguns anos atrás, uma pesquisa sugeria que o partido contava com o apoio de 42% dos jovens austríacos).

Eleições em 2018 também acontecem na Suécia, Itália e Hungria, onde uma variedade de movimentos populistas de direita provavelmente manterão ou ganharão apoio, indo dos Democratas Suecos à Liga do Norte e o Cinco Estrelas na Itália, e o movimento anticigano e antirrefugiados Jobbik na Hungria. As eleições em países do Leste Europeu, como a Hungria, provavelmente vão testemunhar um apoio forte aos conservadores radicais que, desde 2015, se definiram como oposição à posição mais liberal da Alemanha na questão dos refugiados. Um apoio forte a esses grupos vai minar ainda mais a solidariedade europeia.

A ascensão desses partidos pode ter ainda mais implicações para o futuro da UE. Na primavera de 2019, eleitores da Europa vão às urnas na próxima rodada das eleições do Parlamento Europeu. Contra um fundo de crise econômica, aumento da desigualdade entre países-membros do norte e do sul e uma crescente animosidade entre o oeste e o leste com a crise dos refugiados, os eleitores europeus terão outra oportunidade para chutar o establishment e mandar um número ainda maior de eurocéticos, nacionalistas e populistas para o coração da UE. Aí as democracias do Ocidente também estarão a um ano da próxima eleição presidencial dos EUA e uma possível reeleição de Trump. Então, se 2016 trouxe o populismo para a frente do debate, os próximos anos podem incorporar essa força no tecido da nossa vida política.

Como você interpreta esses eventos vai depender da sua visão do futuro. Otimistas vão apontar para o fracasso da direita populista em conseguir uma coalizão de eleitores que a carregue para acima da linha dos 50%, e sua toxidade entre as mulheres, eleitores financeiramente seguros e minorias. Por esse ângulo, os países do Ocidente estão se tornando diversos demais para que essa marca de política consiga triunfar. Pessimistas — e depois deste ano, há muitos por aí — vão apontar para a maneira como o apoio à direita populista está crescendo, e como mesmo nos EUA, que vem experimentando um rápido crescimento da diversidade nos últimos anos, um candidato com Trump conseguiu cruzar a linha. Ano que vem descobriremos qual dessas interpretações estava correta.

Matthew Goodwin é professor de Políticas e Relações Internacionais na Universidade de Kent.

Tradução: Marina Schnoor

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