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A maconha tem um número sem fim de usos e seu emprego medicinal data de quase quatro mil anos atrás — é dos registros mais antigos no mundo. Esse foi o assunto abordado em diversas das conferências na Expocannabis 2017, em Montevidéu, no Uruguai. O evento também tinha como atração um consultório de Cannabis Medicinal, onde eu me consultei duas vezes — uma para essa reportagem e outra porque tive uma emergência médica e esse era o único atendimento disponível.
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Na minha primeira consulta, com o objetivo de apurar informações para esta matéria, falei com o Dr. Mariano Velázquez e contei para ele um pouco dos males que me afligem, sendo a ansiedade a mais expoente de delas.
O consultório da Expo não era muito diferente daqueles que estamos habituados a visitar, a não ser pela improvisação do espaço, que ficava no começo da feira, logo perto da entrada, com divisórias de plástico e um quadro não muito bem fixado que despencou no meio da consulta.
Eu perguntei ao Dr. Mariano como seria se eu procurasse um médico para tratar a minha ansiedade, o que ele me receitaria e como seria o tratamento.
A comunidade médica coloca bastante ênfase na proporção de CBD e THC dos produtos feitos à base de cannabis. Isso acontece porque os dois compostos agem de formas distintas e que dependem de uma concentração maior de um ou outro.
Enquanto o THC, componente responsável pelos efeitos psicoativos da planta, confere efeitos desejados pelos usuários, como a sensação de euforia, por exemplo, ele também aumenta a pressão arterial, os batimentos cardíacos e, em cerca de 6% dos usuários, pode causar um episódio de psicose temporário. Já o CBD age de outra forma, um pouco mais aceita pela comunidade médica em geral e também pela mídia. Ele é o responsável pelo alívio da dor, por exemplo. Assim como a morfina age sobre o sistema que regula as endorfinas, a maconha age no sistema endocanabinoide.
Todos nós temos esse sistema no corpo, e às vezes ele fica desregulado. É aí que entram os tratamentos à base de CBD, utilizados também em pacientes com transtornos neurológicos, como epilepsia, artrose reumática e o Mal de Parkinson. Já os pacientes com AIDS, aqueles em tratamento de câncer que alteram o apetite, e dores crônicas se beneficiam mais dos efeitos do THC, já que ele aumenta o apetite, ameniza a dor e proporciona uma distração bem-vinda.
O médico disse que, caso eu optasse por um tratamento à base de cannabis, deveria procurar um produto ou planta cuja proporção de THC e CBD fosse 1:1, ou com ainda mais CBD do que THC — o que seria mais desejável para o meu quadro de ansiedade. No Uruguai, além das flores, eles vendem na farmácia extratos produzidos na Alemanha e na Suíça, sob controle rigorosíssimo de produção e dosagem.
Sendo brasileira não residente no Uruguai, não pude sair da consulta com uma receita (ou sequer anotações do médico feitas no bloco de papel usado como receituário). Os médicos não estão de brincadeira com essa coisa de maconha medicinal — ainda que a maconha vendida nas farmácias do Uruguai sirva também para fins recreativos, somente pessoas com RG uruguaio podem comprar a planta.
Foi da pior forma possível que aprendi que a maconha não é, necessariamente, o melhor tratamento para o medo paralisante que surge de repente numa crise de pânico, quando tudo se torna uma ameaça.
Minha segunda visita ao Consultório da Cannabis foi durante uma crise de pânico. Sorte minha que todos os profissionais ali são pessoas de renome e que pesquisam em diferentes áreas os efeitos da cannabis no corpo humano.
Quem me recebeu desta vez foi a Dra. Julia Galzerano, que atua na área há mais de dez anos. Ela me ouviu com empatia, consultou meus sinais vitais para ter certeza de que se tratava, de fato, de uma crise de pânico e me assegurou que tudo ficaria bem assim que meu organismo entendesse que não havia nenhuma ameaça iminente à minha vida.
Ela repetiu aquele papo da proporção entre CBD e THC, disse que eu poderia usar algo com uma concentração mais alta de CBD, caso eu fosse residente no Uruguai, e me deu uma balinha de mel para que eu me distraísse com algo sensorial. Ela também me perguntou como eu chamava o caramelo de miel em português.
As consultas, no geral, servem mais para informar o público interessado do que para, de fato, receitar remédios ou a planta. A maioria dos pacientes era de brasileiros curiosos, muitos com dores crônicas e condições que eles já tratavam com a maconha, prensada ou não. Ficou claro que o fácil acesso à cannabis no país não significa que os médicos receitem remédios à base da erva de forma indiscriminada. Na própria feira, havia um stand representando pacientes com epilepsia, uma condição que afeta entre 1 e 2 em cada 100 brasileiros.