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Por dentro do Rancho Skinwalker, um centro paranormal para pesquisa de OVNIs

Bryant "Dragon" Arnold

As longas mesas vermelhas da Bacia de Uintah de Utah nos recebem enquanto meu motorista, um magnata imobiliário e investidor de tecnologia americano, se aproxima de Forte Duchesne. Olhando pela janela, estamos finalmente fora das montanhas e dentro do vale. Estou perdido em pensamentos sobre as lendas daqui, a suposta maldição que agora assombra essas terras, e os homens e mulheres que experimentaram a maldição em primeiro lugar. Tenho monstros na minha mente. Bom, na verdade só um: o Skinwalker.

Uma guinada rápida pra direita me tira do meu torpor.

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“Estamos quase chegando”, me diz o motorista. “Está empolgado?”

Ele tem um sorriso quase infantil no rosto. Viajamos por quase três horas de Salt Lake City. Uma tempestade de neve interrompeu nossa jornada pelas montanhas, nos cegando e cobrindo a estrada com um lençol de gelo.

Seguros no vale, o céu está azul, um contraste marcante com os céus cinzentos das maiores altitudes. O sol ilumina a mesa que se tornou uma área famosa para viciados no paranormal e entusiastas de OVNIs. O folclore local fala de luzes estranhas pairando sobre a área e criaturas bizarras vagando pelo mato. Um conto fala sobre os Utes, uma tribo indígena do vale e sua aliança instável com os Navajos. Se aliando ao exército americano no final do século 19, os utes ajudaram a forçar os navajos a sair da área. O folclore sugere que então os navajos invocaram um Skinwalker, um mostro que mudava de forma e possuía peles de animais.

Dois enormes bloqueios de concreto com placas de “Não ultrapasse” e “PARE” ficam no final da estrada. Passando por eles, um portão de aço preto nos recebe. Do outro lado, um guarda carregando um fuzil. Ele nos cumprimenta com a cabeça e o portão abre lentamente.

Meu guia sorri: “Bem-vindo ao Rancho Skinwalker”.

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Imagem: MJ Banias

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Não estávamos planejando dirigir. Meu guia, que comprou o rancho do magnata de hotelaria e da indústria aeroespacial Robert Bigelow em 2016, planejava me mandar para o rancho num helicóptero particular.

Desde que ele comprou o rancho, ele não o abre muito para o público, mas isso está lentamente mudando. Uma equipe do History Channel está filmando um documentário que vai ao ar este ano. Ele concordou em me deixar visitar o local sob a condição de não revelar sua identidade nesta matéria. Poucos jornalistas já estiveram no rancho, e como um repórter que cobre anomalias e notícias estranhas, fazia tempo que eu queria visitá-lo.

Enquanto decolávamos com o helicóptero, o dono do rancho começou a filosofar sobre por que o comprou.

“Sabe, encarar a realidade da sua mortalidade é muito triste. As anomalias do Rancho Skinwalker, as coisas relatadas que acontecem aqui há décadas, ou até séculos. Elas parecem confirmar que vivemos num universo estranho. E talvez não estejamos sozinhos”, ele disse. Salt Lake City desapareceu ao longe enquanto nos aproximávamos das estreitas passagens nas montanhas.

“Talvez exista algo mais do que os olhos podem ver. A natureza da nossa existência, nossa realidade física. Tudo isso é mais complexo. A natureza da nossa consciência e nosso lugar no cosmos. É engraçado pensar que as pessoas ainda fazem as mesmas perguntas sobre a nossa espécie há milhares de anos”, ele me disse.

“Acho que a oportunidade de ter um laboratório vivo como o rancho, um lugar que parece ser o centro de gravidade de muita coisa inexplicável, é uma experiência única”, ele disse. “Posso liderar um esforço que acredito que é o maior projeto científico de todos os tempos.”

Entrando na região das montanhas, a tempestade tornou a viagem insegura. Tivemos que dar meia volta e pegar a estrada.

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Imagem: MJ Banias

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O Rancho Skinwalker tem uma história longa e sórdida bem catalogada pelo pesquisador Ryan Skinner. É muito difícil entender o que é real e o que não é.

A Bacia Uintah sempre foi lar de histórias estranhas de luzes, sons e visões esquisitas. Nos anos 1950, Joseph “Junior” Hicks, um professor de ensino médico local, começou a catalogar as histórias das pessoas sobre a bacia. Com o Dr. Frank Salisbury, Hicks publicou um livro sobre o assunto em 1974. Avistamentos de criaturas estranhas e OVNIs continuam na área, e a mitologia acabou se enraizando.

Décadas mais tarde, as coisas atingiram um pico quando os rancheiros Terry e Gwen Sherman compraram a propriedade em 1994. Como documentado no livro Hunt for the Skinwalker, os Shermans diziam que suas vacas eram mutiladas com precisão cirúrgica em plena luz do dia, e que a família era caçada por objetos aéreos estranhos e bolas de luz flutuantes. Eles ouviam vozes sem corpo, experimentaram atividade poltergeist, testemunharam monstros horríveis emergindo de portais e diziam ter encontrado um lobo que, apesar de atingido por várias balas de rifle a queima roupa, não morria.

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Topo: Um zoom da localização do Rancho Skinwalker no oeste de Utah. Abaixo: A linha vermelha mostra os limites do Rancho Skinwalker.

A história deles se tornou pública no verão de 1996, e o Rancho Sherman ganhou os holofotes do paranormal. Semanas depois, o bilionário da indústria aeroespacial e aficionado pelo paranormal de Las Vegas Robert Bigelow comprou o rancho dos Shermans. O National Institute for Discovery Science (NIDS) e o Bigelow Advanced Aerospace Space Studies (BAASS) passaram mais de duas décadas estudando as estranhas anomalias que aconteciam na propriedade.

Em 2017, o New York Times deu a história de um programa secreto de OVNIs do governo, comandado pelo agente de contrainteligência do Pentágono Luis Elizondo. Segundo a matéria, em 2007, um oficial da Agência de Inteligência de Defesa visitou o rancho, e pouco tempo depois, se encontrou com o senador Harry Reid em Nevada. Segundo o New York Times: “Reid disse que encontrou oficiais da agência [AID] depois de seu encontro com Bigelow, e descobriu que eles queriam começar um programa de pesquisa de OVNIs”. O Programa de Aplicação de Sistemas de Armas Aeroespaciais Avançadas foi dado a Bigelow com um contrato do governo. A empresa dele recebeu US$ 22 milhões para estudar e gerar relatórios de ciência exótica, OVNIs e outros fenômenos anômalos. Os eventos estranhos no rancho, além de outros locais com supostas anomalias paranormais, estavam envolvidos no estudo, segundo o New York Times. O programa foi cancelado depois de dois anos, em 2011, e o financiamento do governo para Bigelow acabou. Tentativas de garantir mais dinheiro para a pesquisa foram negadas. Enquanto isso, o programa de investigação de OVNIs do Pentágono, o Programa de Identificação de Ameaças Aeroespaciais Avançadas, ou AATIP em inglês, continuou buscando encontros espaciais com o desconhecido no exército americano.

https://www.youtube.com/watch?v=Gqd_VYI_LB8

Bigelow não disse o que ocorreu no rancho enquanto ele era o dono, e rumores variavam do rancho ser um local de testes de armas secretas do governo até o esconderijo de uma base alienígena subterrânea. Histórias sobre monstros que mudavam de forma, portais interdimensionais, avistamentos de OVNIs e poltergeists continuam até hoje. Em 2016, Bigelow vendeu o rancho para uma empresa chamada Adamantium Real Estate Holdings. Em 2018, o repórter e pesquisador de OVNIs de Las Vegas George Knapp e o cineasta Jeremy Corbell lançaram um documentário sobre o rancho que só acrescentou enigmas ao caso.

O documentário chamava o local de “o ponto mais cientificamente estudado na história do paranormal”.

Mas só porque esse lugar é infame para caçadores de OVNIs e paranormal, não significa que todo mundo acha isso, ou mesmo sabe sobre ele.

Louise Tsinijinnie, porta-voz do Serviço de Parques e Recreação da Nação Navajo, me disse que Skinwalkers não são algo que muitos navajos vão discutir. Perguntei o que ela achava do Rancho Skinwalker e a suposta maldição colocada ali séculos atrás.

“Está dentro do reino do possível”, ela disse. “Em tempos de grande desespero ou maldade, a história oral aponta para eventos assim ocorrendo.”

Tsinijinnie disse que, na mitologia e história oral, os navajos têm histórias de Skinwalkers, e que o Rancho Skinwalker se encaixa nessas narrativas. Ela ouviu falar no rancho, mas não podia confirmar com se uma maldição tinha mesmo sido colocada diretamente naquelas terras.

Betsy Chapoose, diretora dos Direitos e Proteção Cultural da tribo Ute, explicou que em seus 30 anos trabalhando com administração tribal, ela nunca ouviu falar sobre o rancho em seu escritório. Ela disse que as pessoas que vivem perto do rancho podem ter suas próprias histórias e tradições sobre a lenda do Skinwalker, e essas coisas precisam ser respeitadas. Mas quando perguntei sobre a lenda e a suposta maldição navajo, ela não sabia o que pensar a respeito:

“Essa é a primeira vez que ouço essa história”, ela disse, rindo. “É verdade que utes e navajos tiveram uma relação complicada sobre a propriedade daquelas terras, mas nunca ouvi nenhuma história de maldição.”

*

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O autor e o William.

Enquanto eu descia da SUV no dia seguinte, um cachorro preto veio na minha direção.

“Ei, filhão”, dei minhas mãos para ele cheirar. O cachorro aceitou feliz meu carinho atrás das orelhas.

“Esse é o William”, disse o proprietário. “Ele veio com o rancho. Ele conhece todos os segredos daqui.”

“Já viu de tudo aqui, dogue?”, pergunto. “Você deve ser o monstro malvado de que todo mundo fala. Você não me parece assustador.”

O cachorro me acompanhou enquanto eu investigava os prédios principais. O primeiro é uma casa de fazenda, ocupada pelos caseiros do Rancho Skinwalker Kandus Linde, um antropólogo e seu parceiro Tom Lewis, um designer gráfico freelance.

“Você ouve muitas histórias sobre o que acontece aqui, mas na maioria das vezes são só histórias. Coisas esquisitas acontecem? Sim”, Linde me explicou. “O melhor jeito de descrever isso é que o rancho tem uma personalidade. Parece loucura, eu sei.”

“São mais de 200 hectares”, explicou Linde. “É um lugar muito lindo. Tranquilo. Moramos literalmente no meio do nada, mas é nossa casa. Mas tem uma ‘sensação’, e de vez em quando sabemos que temos que sair por um tempo.”

Mais interessante é o segundo prédio, a alguns passos dali. Ele é o centro nervoso da pesquisa científica no rancho, conhecido como Centro de Comando. O lugar foi pensado por Erik Bard, um físico de plasma e sócio de uma pequena companhia que cria e fabrica componentes para sistemas de análise de raio-X usados nos laboratórios nacionais dos EUA.

O novo dono ouviu todas as histórias e rumores bizarros, claro. Ele admite que muitos deles são exagerados, mas se o rancho tem segredos estranhos, ele quer fazer o melhor possível para confirmá-los. Nos últimos anos, ele e sua equipe repaginaram completamente o rancho, instalando sistemas de vigilância e equipamento científico por todas parte para tentar detectar OVNIs, atividade paranormal ou explicar algumas das ocorrências estranhas no Rancho Skinwalker.

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O Centro de Comando. Imagem: MJ Banias

O Centro de Comando é o coração desses esforços.

Por trás de uma porta trancada, acessível somente por um código, está uma sala do tamanho de um quarto grande. O Centro de Comando, apesar de ter sido pensado por Bard, foi construído pelo superintendente do rancho, Thomas Winterton, depois da compra pelo dono atual. O Centro de Comando tem cinco monitores de 55 polegadas mostrando vídeos ao vivo de quase uma dezena de câmeras, bancadas de trabalho, sistemas de computador, microscópios e, só por diversão, luzes de LED verdes para dar uma vibe de ficção científica.

“Já fiz muitos produtos científicos e para consumidores na minha carreira, mas esse rancho e toda a história dele foi onde encontrei um tipo de significado diferente e possivelmente importante”, me disse Bard.

A primeira tela que chama minha atenção monitora o tráfico aéreo sobre o rancho. Bard deixou claro que o feed de transportes aéreos dele não depende de serviços online como o FlightRadar24, um site de rastreamento de tráfico aéreo.

“Esses dados que recebemos no rancho são rastreados pelo equipamento que temos aqui”, explica Bard. “Temos receptores no rancho que rastreiam sinais de 1090 MHz ADS-B e 978 MHz UAT.” A maioria das espaçonaves precisa usar transponders ADS-B ou UAT para dizer aos controladores de tráfego quem elas são e onde estão. O sistema do rancho fornece um feed ao vivo, mas também armazena dados de histórico, então se várias testemunhas virem algo estranho no céu, elas podem cruzar referências com todos os voos conhecidos na área. Bard explica que esse sistema também cria um log secundário de histórico como redundância.

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Thomas Winterton, esquerda, e Erik Bard, direita, no Centro de Comando. Image: MJ Banias

“O log histórico local é comparado com fontes independentes que supostamente devem ter os mesmos dados, com essa última sendo a testemunha secundária. Por sua vez, esses dados são comparados com coisas como nossas leituras e filmagem de vigilância. Uma testemunha secundária é útil no caso de termos interferência com nosso equipamento local durante o mesmo episódio”, diz Bard. “Temos muitos problemas com o equipamento aqui por causa de interferências eletromagnéticas estranhas.”

No último ano, vários casos estranhos de campos eletromagnéticos extremos foram registrados no rancho. Segundo Bard, esses campos EM são transitórios, eles vêm e vão, mudam de lugar e às vezes chegam a níveis perigosos para humanos.

Segundo a equipe do rancho, durante várias vezes nos últimos anos, pessoas no rancho ficaram doentes e algumas até tiveram que ser internadas. Thomas Winterton foi hospitalizado com um hematoma subgaleal associado com uma inflamação subcalvarial, ou, para os leigos, um inchaço no cérebro de acúmulo de fluído entre o crânio e o escalpo, que a equipe acredita que ocorreu quando ele tentou cavar no rancho.

Pude confirmar com registros médicos que os exames deram inconclusivo para a causa desse problema. Winterson ainda não está totalmente curado, e vem sendo monitorado por seus médicos. No verão, três convidados no rancho relataram uma inflamação estranha na pele, náusea e fadiga extrema num período de tempo próximo, e vários foram parar na emergência do hospital local, segundo o proprietário. Não pude verificar independentemente por que eles precisaram de atenção médica.

Outra tela monitora frequências de rádio nos sinais eletromagnéticos detectados no rancho. Como o rancho fica bem distante de torres de rádio e celular, os sinais de rádio geralmente ficam em níveis muito baixos. Às vezes, várias ocorrências anômalas aparecem no espectro mais amplo de RF, que não são típicas de uma única fonte ou estação de sinal.

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A tela de sinal de rádio no Centro de Comando. Imagem: MJ Banias

“Não conseguimos determinar as origens desses sinais”, me disse Bard enquanto a tela ficava errática de repente com atividade. Um sinal de celular ou walkie-talkie só eleva os níveis numa área do espectro RF, e criaria um pequeno pico na banda, ele diz. “Não faz sentido quando você vê uma porção muito ampla do espectro subindo e descendo como essa. Minha aposta, se tenho que dar uma explicação plausível, é que esses sinais são transmitidos por automação em algum equipamento de perfuração de petróleo e gás ao redor do rancho.” Mas Bard ainda não conseguiu determinar a verdadeira causa.

O rancho também é equipado com uma estação de monitoramento do clima, dezenas de sistemas de câmera estacionária e móvel HD, além de visão infravermelha e noturna, assim como câmeras termais. Grandes partes do rancho de 202 hectares são vigiadas 24 horas. Bard pode ver todas essas imagens remotamente, com espaço de servidor suficiente para armazenar todos esses feeds de vídeo. Bard brinca que o rancho é o Éden, e tipo Deus, ele tem olhos em todo lugar.

Bard explica que qualquer evento estranho exige uma quantidade significativa de dados para ser considerado realmente uma anomalia por ele e sua equipe. Se um evento estranho ocorre, como o avistamento de uma anomalia aérea ou pulso repentino de frequência eletromagnética, a equipe examina os dados dos sistemas de monitoramento para ver se e como os aparelhos registraram o fenômeno.

Grandes eventos, aqueles “que contam”, não só são pegos pelos vídeos, mas geralmente se correlacionam com várias leituras de múltiplas plataformas de sensores. O sistema favorito de Bard é um que ele pensou e construiu sozinho. O SATAN, ou Sentinel Assignment Telemetry And Notification, é uma unidade de metal de quatro pernas com um computador e tela embutidos. O SATAN é equipado para detectar vibrações no solo e ar em baixas frequências, campos magnéticos transitórios, além de atividade infrassônica e sísmica.

“Essa unidade está aqui dentro agora porque estou fazendo algumas atualizações, mas normalmente ela fica no rancho num buraco. Chamamos o lugar de buraco do SATAN.” Bard ri de seu estranho senso de humor bíblico, “Eu sei”.

Tipicamente, Bard considera um evento anômalo quando vários sensores detectam atividade simultaneamente, e se ele desafia uma explicação direta. Enquanto Bard não está preparado para dizer que entidades interdimensionais ou alienígenas estão visitando o rancho, ele acha estranho como frequências eletromagnéticas bombardeiam uma área do rancho, são registradas pelo equipamento e, minutos depois, desaparecem.

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Um antigo “curral de isca”, usado para montar sensores e câmeras. Os antigos donos colocavam animais neles para ver o que acontecia. O dono atual não faz isso. Imagem: MJ Banias

“Mais coisa aconteceu na propriedade nos últimos dois anos do que nas duas décadas que Bigelow esteve aqui”, me diz Bryant “Dragon” Arnold, o chefe de segurança do rancho, quando saímos do Centro de Comando. Enquanto isso é impossível de verificar, muitas pessoas no rancho parecem acreditar. “As pessoas falam sobre o NIDS e BAASS de Bigelow e nos US$ 22 milhões do Pentágono. Te digo agora, as pessoas ficariam surpresas se soubessem o que vi e o dinheiro que tem sido gasto aqui desde que assumimos.”

“Dirigi minha caminhonete até os prédios e quando fui me aproximando, comecei a ficar muito assustado. Era essa sensação tomando conta. Aí ouvi essa voz, tão clara quanto estou te ouvindo agora, dizendo ‘Pare, dê meia volta’.”

Arnold, Winterton e eu estava passeando pela propriedade num jipe preto. A neve derretendo fez a trilha de terra geralmente vermelha virar uma meleca marrom. Nosso veículo é chacoalhado pela estrada esburacada, e os dois homens me explicam que o rancho estava abandonado em 2016, e muito tempo e dinheiro foram gastos para atualizar as instalações. Winterton disse que o tanque séptico estava instalado errado, e que os banheiros funcionavam mal. Ele fez muitos dos consertos sozinho. As plataformas de vigilância e coleta de dados também foram modernizadas e melhoradas.

“Seja lá o que existe nessa propriedade, ela pode acabar com a bateria do seu celular num segundo, causa queimaduras de radiação nas pessoas, e gerar níveis insanos de frequência eletromagnética. Quando chegamos aqui em 2016 depois de comprar o rancho”, Arnold ri balançando a cabeça. “Cara, alguns dos equipamentos e testes que eles deixaram pra trás, digamos que tomamos uma abordagem mais científica.”

Especialista em segurança particular com experiência significativa ao ar livre, Arnold conhece o novo dono do rancho desde que eles tinham 19 anos. Eles são basicamente irmãos. Ele conta que com frequência pessoas aparecem nos portões querendo entrar na propriedade. Algumas pessoas podem ser agressivas, mas a maioria só fica no portão e vai embora quando ele pede.

“Uma vez, esse cara estacionou na frente do portão e pediu para ver o rancho. Ele disse que era da Austrália e o rancho estava na lista dele de coisas pra ver antes de morrer”, me conta Winterton. “Eu não acredito que o cara veio de tão longe pra isso.”

Enquanto lentamente atravessamos a estrada esburacada, pergunto a Arnold se ele já teve alguma experiência paranormal no rancho. Ele ri.

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Uma casa antiga do Rancho Skinwalker. Imagem: MJ Banias

“No começo nada. Eu achava que era tudo conversa fiada. Aí, uma noite, eu estava em um dos quartos da casa do rancho. Eu estava deitado tentando dormir e do nada, BAM, alguma coisa bate na minha cama. Foi como quando crianças pulam na sua cama ou alguém pesado ajoelha nela. Me sentei e acendi a luz. Não tinha nada ali.”

Outra coisa aconteceu com Arnold no verão, ele diz. Ele explica que tinha uma equipe de filmagem grande no rancho na época. Eles estavam filmando a primeira temporada de uma série para o History Channel.

“Todo mundo viu. Estávamos olhando para o campo oeste, aí apareceu. Achei que era um drone primeiro porque tento racionalizar tudo. A coisa estava simplesmente pairando lá”, Arnold olha pra mim. “Não sei se posso falar disso. Parece loucura. Todos os sensores que tínhamos ficaram loucos.”

Os dois homens me levam para o campo onde Arnold avistou o OVNI. Ele diz que não pode falar sobre isso. Decido deixar o assunto morrer enquanto olho para o campo coberto de neve. Está tudo em silêncio. Pacífico. Ao longe há alguns prédios abandonados.

Indo na direção delas, sei que essas três casas decadentes são o que eles chamam de “Homestead 2”. Prestes a desmoronar, essas antigas casas abrigaram rancheiros e suas famílias desde os anos 1930, muito antes do rancho se tornar o infame centro de atividade paranormal que é hoje. Com o tempo, as famílias foram mudando e nenhuma morava no rancho quando os Shermans o compraram em 1994. Winterton me entrega um medidor Trifield, um aparelho de mão que funciona como gaussímetro, medidor de campo elétrico e medidor de força de campo de rádio. Pegando minha câmera, caminho lentamente entre os prédios antigos que provavelmente têm incontáveis histórias pra contar. Mesmo no meio do dia, ele são sombrios. Tem uma sensação estranha nessas paredes descascadas e armários de madeira vazios, um silêncio e o ar parado, e fico nervoso.

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Uma casa abandonada. Imagem: MJ Banias

“Vemos muitos eventos estranhos nessas casas velhas”, Winterton me disse enquanto eu voltava para o jipe.

“Quando assumimos o rancho, Bigelow tinha um casal mais velho que eram os caseiros. Eles gostavam de morar no rancho, então ficaram aqui até cerca de um ano atrás, quando decidiram se mudar por razões médicas”, continua Winterton. “Uma noite em 2016, eles me ligaram, provavelmente umas 2 da manhã, e disseram que tinha alguém no rancho. Tinha uma bola de basquete velha que eles deixaram na varanda da frente, e eles disseram que alguém estava batendo a bola contra a casa.”

Crianças procurando emoção, entusiastas do paranormal invasores e investigadores de OVNIs às vezes tentam entrar no rancho. Winterton, que mora a 15 minutos do rancho, subiu em sua caminhonete, com uma arma na mão, e correu para a propriedade.

“Chegando lá, fui ver se eles estavam bem e cruzei a casa para ver se não tinha outra pessoa ali. Eu disse para eles ficarem lá dentro e saí para ver se tinha alguém andando lá fora”, ele diz.

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O autor dentro da Homestead 3. Imagem: MJ Banias

Usando uma câmera térmica que eles tinham no rancho, Winterton começou a passar por todos os barracões e prédios externos, escaneando os campos e a mesa. Nada.

“Tive a sensação de que estava sendo observado, mas não tinha ninguém lá. Peguei minha arma da caminhonete, só pra garantir, e fui para o jardim da frente, dei alguns tiros pro alto e gritei uns xingamentos. Só pra assustar quem estivesse lá”, Winterton me disse rindo.

Ele decidiu investigar as casas antigas dos rancheiros, já que muitos invasores vão para esses prédios.

“Dirigi minha caminhonete até as casas e quando fui me aproximando, comecei a ficar muito assustado. Era essa sensação tomando conta. Aí ouvi essa voz, tão clara quanto estou te ouvindo agora, dizendo ‘Pare, dê meia volta’. Coloquei a cabeça pra fora com a minha lanterna e comecei a procurar. Nada. Então dei mais alguns tiros e gritei mais um pouco.”

A história bizarra do rancho tende a entrar na mente das pessoas. Conhecendo a história do lugar, deixei minha mente viajar freneticamente. Sinto que há uma presença invisível me observando. Andando por essas casas antigas, sabendo dos mitos, meu cérebro lógico e racional luta com a possibilidade de que alguma coisa pode assombrar o rancho, como dizem as histórias.

Pensando que era só coisa da sua cabeça, Winterton disse ao casal que estava tudo bem e foi pra casa. Ele teve uma experiência similar seis meses depois, enquanto tirava neve do rancho. A mesma voz. A mesma sensação de medo e ansiedade. Ele achou que estava enlouquecendo.

Uma noite, Winterton e a esposa foram para o rancho porque Bard disse que queria um backup dos arquivos de vídeo depois que algumas câmeras falharam. Ele pediu para Winterton usar um dos hard drives externos para baixar os vídeos daquela noite. Enquanto Winterton começou a fazer o backup, ele e a esposa ouviram batidas vindo de um dos quartos nos fundos.

“Parecia com alguém batendo um cabo elétrico numa parede. Então levantei e corri pra lá. Não tinha ninguém. Já passei muito tempo no Centro de Comando. Conheço os barulhos incomuns que a sala faz, como é o som que o aquecedor de água faz quando é ligado. E isso era diferente”, diz Winterton. “Então eu já estava surtando nesse ponto. Voltei pro computador e o download estava demorando. Do nada, como se alguém estivesse parado atrás de nós, ouvi ‘Saiam agora’. Olhei pra Melissa, ela olhou pra mim. Aí aconteceu de novo ‘Vocês precisam sair agora’.”

Tom e Melissa Winterton levantaram correndo e fizeram o que a voz mandou.

“Entramos na caminhonete e demos o fora dali. Eu estava tentando mandar mensagem e ligar para o Erik, mas meu celular não respondia. Estava tudo congelado. Minha esposa estava tentando fazer ele funcionar. Uns dez minutos passaram, e eventualmente meu celular respondeu, mas aí acabou a bateria. Ele começou a funcionar por um segundo ou dois e aí a bateria morreu completamente.”

Mais tarde, Melissa Winterton recontou a história pra mim do mesmo jeito. Continuamos seguindo a estrada até outra casa decadente, “Homestead 3”. Cercada por um círculo de árvores antigas, a casa fica no final da linha. Enquanto eu explorava, os dois homens apontaram para o oeste e pro limite que separa o rancho de uma reserva Ute.

Winterton e Arnold me levaram para o lado sul do rancho, o que nos fez subir uma colina com vista para a propriedade inteira. Do alto, consigo ver todo o rancho, as mesas e as montanhas cobertas de neve lá longe. Um lugar realmente majestoso.

“Pra todas essas merdas estranhas que acontecem aqui, esse é meu lugar favorito no mundo”, Arnold me diz. “Algumas pessoas aqui dizem que o rancho está vivo. Talvez. Não sei. Mas quando não estou aqui, tudo que quero é voltar.”

“Quero pegar uma barraca e meu saco de dormir. Eu podia ficar aqui por uma semana”, eu digo. “Só quero sair explorando.”

“É como se o rancho te chamasse, sabe”, Winterton me dá um sorriso compreensível.

Mas tive que ir embora do rancho, e enquanto nossa SUV volta para a rodovia, não consigo deixar de pensar que o Rancho Skinwalker é muito mais do que a mitologia paranormal criada ao redor dele. Talvez seja tarde demais para separar o rancho do folclore que o tornou famoso, mas pelo curto período que fiquei aqui, o rancho parece mesmo ter uma aura.

Para a Agência de Inteligência de Defesa, ele era um projeto de segurança e defesa nacional. Para o dono e sua equipe científica, é um lugar de pesquisa das questões com que a humanidade lida desde tempos imemoriais. Para os caseiros, para Winterton e Arnold, o rancho é um lar. Para os locais, é um lugar que não deve ser mencionado e precisa ser evitado. Pra mim, um jornalista, é uma matéria sobre a qual vou contar pros meus filhos ao redor de uma fogueira. Para pesquisadores paranormais e entusiastas de OVNIs, é um lugar de mitos e lendas onde entidades impossíveis de descrever vagam e objetos desconhecidos pairam em pleno ar.

Seja lá qual é a verdade por trás dos eventos estranhos no Rancho Skinwalker, esse é fundamentalmente um lugar que você precisa respeitar. Enquanto nossa SUV entra nas passagens das montanhas cobertas de neve no caminho de volta para Salt Lake City, não consigo deixar de sorrir. Escapei da maldição do Skinwalker, pelo menos dessa vez.

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