Por que 1 a cada 4 brasileiras têm dificuldade em gozar durante o sexo?

Ilustração no topo por Luiza Formagin.

Há alguns anos, a designer Alessandra de Souza, 31 anos, conta que se estivesse transando e encontrasse um gibi da Turma da Mônica perdido na cama, ela iria se divertir mais com a HQ de Maurício de Souza do que com a penetração. “Nunca consegui gozar com penetração ou até com sexo oral”, conta. “Continuo me satisfazendo só com masturbação e sem participações especiais, já que sexo nunca teve valor para mim em termos de conseguir prazer”.

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Alessandra não está sozinha. O pico da excitação sexual, aquele momento em que ocorre uma súbita descarga de tensão acumulada, o que conhecemos como orgasmo, é muito mais comum aos homens do que às mulheres no ato sexual. De acordo com o mais recente estudo do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (Prosex), divulgado pela Faculdade de Medicina da USP em 2016, uma a cada quatro mulheres (em relações heterossexuais e homossexuais) não têm orgasmos ou apresentam graves dificuldades para gozar.

Coordenada pela psiquiatra sexóloga da USP Carmita Abdo, a pesquisa que escutou três mil mulheres com idade entre 18 e 70 anos de sete regiões metropolitanas do país, 44,4% delas se enquadram no quadro de anorgasmia — ou seja, têm alguma dificuldade importante para chegar ao clímax. Dentro deste índice 7,6% delas nunca tiveram orgasmos; 17,3 % têm poucas vezes e 19,5% têm frequentemente (mas não sempre). Além destes números, a pesquisa relata ainda que as mulheres demoram até quatro vezes mais tempo para se excitar do que o homem, e 40% delas sentem dor durante o ato.

“44,4% das brasileiras se enquadram no quadro de anorgasmia — ou seja, têm alguma dificuldade importante para chegar ao clímax.” — Carmita Abdo, psiquiatra sexóloga da USP

“Não é porque uma mulher deixou de gozar uma vez que podemos dizer que ela apresenta uma disfunção, é normal não gozar uma vez ou outra. Algum dia ela pode estar mais preocupada com algo, ou o parceiro não comparecer a contento, mas é preciso ficar atento às causas que podem variar de acordo com a idade e outros fatores”, explica a pesquisadora Carmita Abdo.

Entre as principais disfunções sexuais apresentadas por mulheres estão a falta de libido, a anorgasmia (uma inibição recorrente ou persistente do orgasmo), o vaginismo (espasmo involuntário dos músculos da vagina que impossibilita a penetração) a dispareunia (dor durante a penetração), além de outros fatores físicos ou psicológicos. Nem sempre quem sofre a disfunção, no entanto, irá detectar uma clara razão para o seu desconforto, como explica a psicóloga e sexóloga pós graduada em sexualidade pela USP, Cláudia Renzi. “Todas as meninas que atendo chegam aqui com o mesmo discurso, em geral elas não têm nenhum problema físico, mas apresentam dificuldade de relaxamento e um controle excessivo do ato, não conseguem se sentir vulneráveis ao momento, mas tudo de forma inconsciente”, explica. “Além disso, apresentam pouca familiaridade com seu próprio corpo”.

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De acordo com a sexóloga, outro agravante no desenvolvimento da sexualidade feminina é o tom fantasioso reproduzido pelo audiovisual em geral (cinema, novelas, indústria pornográfica) a respeito de como as mulheres sentem prazer e até a falta de tato de médicos ginecologistas para tratar do tema com sensibilidade. “Os filmes fantasiam sexo para as meninas mais românticas e o pornô desestabiliza a percepção masculina de como dar prazer a uma mulher. A realidade é que algumas delas chegam a apresentar mais de uma disfunção juntas, a mulher não foi feita para chegar ao orgasmo em três minutos”, explica Cláudia. “Nem todo profissional médico também está sensível para orientar adequadamente essas mulheres, muitas pacientes já se queixaram de que seus próprios ginecologistas alegaram que elas não gozavam porque a vida sexual delas deveria ser uma droga”.

Ainda segundo a sexóloga, muitos dos entraves que precisam ser resolvidos em mulheres com dificuldades para atingir o orgasmo residem nos padrões de criação moralistas excessivos, como é o caso de Bruna Martins, 30 anos, educadora física, que dos 16 aos 20 anos chegou a pensar que era frígida. “Eu achava sexo superestimado, achava gostoso, mas nada demais, e na realidade nem tinha noção que mulher podia gozar”, conta. “Como perdi a virgindade muito cedo e nunca conversamos sobre sexo em casa, eu achava que o ato em si servia para agradar ao homem”.

O primeiro orgasmo, vaginal, só aconteceu aos vinte e poucos anos. “Senti algo diferente, e aconteceu”, conta Bruna. “A partir dali, percebi que muitos dos meus parceiros anteriores estavam mais preocupados com o prazer próprio e como eu não gostava muito, não me empenhava. Depois dessa experiência coloquei na cabeça que muito também dependia de mim, passei a me masturbar, e a dialogar mais com meus parceiros.” A educadora lembra até hoje quando foi repreendida pela mãe ainda criança enquanto esfregava suas partes íntimas nas almofadas da sala de casa. “Aquilo me marcou, fiquei muitos anos pensando que era errado, e não tem nada de errado em se dar prazer”.

“Durante alguns anos eu estive muito preocupada em agradar os meus parceiros, queria que eles se sentissem bem e gostassem de estar comigo naquele momento, e não me dava prioridade” — Bruna Martins

Apesar de ter conseguido alcançar o clímax sem acompanhamento profissional, mesmo com a dificuldade inicial, Bruna não é uma regra. Em alguns casos, a mulher precisa de uma ajuda para mudar seu quadro, como aconteceu com a jornalista Tatiana Santos, 30 anos, que resolveu lidar com suas inseguranças no psicólogo. “Durante alguns anos eu estive muito preocupada em agradar os meus parceiros, queria que eles se sentissem bem e gostassem de estar comigo naquele momento, e não me dava prioridade”, conta. “Só passei a ter orgasmos quando encontrei cumplicidade na minha relação, a terapia me ajudou a ver que eu havia me tornado uma mulher independente, preocupada com o meu prazer, deixei de ser aquela adolescente preocupada em agradar os outros”, explica.

De acordo com a sexóloga Cláudia Renzi, o tratamento adequado para cada mulher só pode ser designado após uma avaliação detalhada, e depois de possíveis disfunções físicas serem descartadas. No mínimo, explica a especialista, é preciso de um acompanhamento de um ano em média de terapia sexual, que inclui técnicas de relaxamento, sensibilização do próprio corpo, entre outras questões psicológicas. A psicóloga afirma ainda que a necessidade de buscar um profissional é muito pessoal, e deve partir da mulher essa melhora na sua qualidade de vida.

O ideal, para Cláudia, é que essa mulher não se sinta inibida em admitir para um parceiro fixo que precisa dessa ajuda, ou até que seja bem resolvida com suas questões, como é o caso de Alessandra: “Não sou exatamente frustrada com minha vida sexual porque me dou prazer sozinha e entendo que tenho limitações que só divido com caras com quem realmente me importo, por isso no início não cobro que eles resolvam meu prazer no sexo, desde que tenham alguma preocupação com as preliminares, que costumam ser melhores do que o sexo em si”, diz. “Para os que se importam, aviso que gozar é difícil pra mim, mas, ainda assim, se eu acho um cara legal, aproveito um outro barato que tenho com sexo, mesmo não gozando”.

OMGYES

Em meio a todas as diferenças discutidas sobre as disfunções sexuais femininas, dois pontos falam mais alto: a necessidade do fim desse tema como um tabu e o fato de que muitas das frustrações em relação a isso podem começar a ser tratadas com o conhecimento de seu próprio prazer — sem nenhuma culpa. Foi na carona dessa argumentação que a atriz e feminista Emma Watson (Harry Potter e a Bela e a Fera) causou burburinho ao divulgar no ano passado o site OMGYES.com, uma plataforma de vídeos educativos (e interativos) sobre técnicas sexuais femininas.

O site, alimentado com a pesquisa feita em parceria por pesquisadores da Universidade de Indiana, do renomado Instituto Kinsey, e o trabalho da fotógrafa Lydia Daniller e do diretor de criação Rob Perkins, tem como base o primeiro estudo norte-americano nacionalmente representativo sobre as especificidades do prazer feminino. Juntos, eles ouviram mais de duas mil mulheres entre 18 e 95 anos, e com a ajuda delas deram nome a 12 técnicas para atingir o orgasmo.

É desse estudo que saem todas as informações exploradas nos 50 vídeos didáticos e explícitos do site apresentados por mulheres, para mulheres, homens e casais interessados. Em vídeos curtos, é possível escutar depoimentos e ser ensinada sobre controle de orgasmo, padrões circulares de toque, camadas (toque indireto), orgasmos múltiplos, entre outros métodos.

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Nessa temporada, o tema principal gira em torno da estimulação do clitóris, mas a segunda, que já está em fase de pesquisa, vai apontar novas técnicas sobre estimulação feminina interna, como as diferentes maneiras de ativar o ponto G e a primeira pesquisa sobre quais tipos de estímulos levam ao “squirt” (a ejaculação feminina). Para ter acesso ao conteúdo atual (vídeos, explicações, gráficos, dicas), o usuário pode fazer um pagamento único de US$ 15 (em torno de R$ 46), ou ainda testar uma prévia grátis do primeiro conteúdo (controle do orgasmo) aqui.

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