A estrela de Donald Trump na Calçada da Fama em Hollywood já foi cuspida, pichada, coberta de suásticas, suja com cocô de cachorro e – depois que alguém apareceu com uma picareta – obliterada duas vezes, sendo limpa e consertada em seguida todas as vezes. Parecia que a batalha envolvendo a placa continuaria assim para sempre, uma guerra estranha entre cidadãos putassos e um totem das elites do entretenimento – sem falar em um ou dois simpatizantes de Trump. Mas semana retrasada, o Conselho Municipal de West Hollywood aprovou uma resolução pedindo que a Câmara do Comércio de Hollywood (que administra a Calçada da Fama) e a cidade de Los Angeles (que a mantém) para remover a estrela de Trump permanentemente. Entre outras razões, o Conselho quer que relíquia suma por causa do “tratamento perturbador de Trump para com as mulheres”. O que quer dizer que, especialmente depois dos movimentos #TimesUp e #MeToo, parece meio estranho homenagear um cara enfrentando pelo menos uma dúzia de acusações de assédio e abuso sexual, e que se gabou de agarrar mulheres “pela boceta”.
Mas a Câmara de Comércio local não cedeu. O presidente e CEO Leron Gubler insiste que a placa é sobre “celebrar as contribuições positivas dos introduzidos”. Quando a Câmara introduz uma estrela na Calçada, ela se torna parte do “tecido histórico” do monumento, ele explicou numa tentativa de justificar a recusa do grupo de remover a estrela de Bill Cosby da Calçada em 2015. Provavelmente com esse obstáculo em mente, a resolução sugeria que a Câmara “revisitasse as qualificações” para ser introduzido na Calçada, levando em conta coisas como alegações de má conduta sexual. Em outras palavras, parar de separar a arte do artista.
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Para entender melhor essa história e se há alguma esperança disso acabar com a expulsão permanente da estrela de Trump da calçada de LA, falei com a membro do Conselho Municipal de West Hollywood Lindsey Hovarth, que escreveu a resolução do Conselho com o prefeito Pro Tempore John D’Amico. Ela disse que recebeu ameaças de morte de simpatizantes de Trump, mas que isso não vai pará-la – porque como ela vê a questão, essa é uma luta muito maior do que uma estrela numa calçada chique.
VICE: Por que você decidiu escrever essa resolução agora?
Lindsey Horvarth: Bom, considerando o fato que a estrela foi destruída pela segunda vez, e que os contribuintes de Los Angeles vão ter que pagar de novo para substituí-la. E em suas próprias palavras, o senhor Trump exibiu uma conduta imprópria quando eram um executivo de entretenimento, então achei que seria o momento perfeito para destacar a questão e pedir a retirada da estrela dele.
Há referências na resolução às políticas de Trump – seu papel na crise de separação de famílias, a retirada dele do Acordo de Clima de Paris, e a ação dele para impedir o alistamento de pessoas transgênero no exército, só para citar algumas. De que maneira essa não é só uma questão da conduta dele com mulheres, mas sobre o que ele fez desde então, em sua presidência?
De tempos em tempos como cidade, tomamos medidas sobre questões além das nossas fronteiras, mas certamente dentro dos nossos valores. Essa questão não é exceção. Estamos agindo nessa questão sabendo que ele ganhou sua estrela por seu trabalho como executivo de entretenimento, mas nós como comunidade fomos particularmente impactados pelas políticas mencionadas no relatório, e muitas outras, de maneira negativa. Achamos que isso contribui para uma cultura que ele está criando, e é por isso que nossa comunidade está escolhendo agir. Sabemos como fomos prejudicados pelas políticas dele e o tipo de cultura e retórica que ele continua a perpetuar, primeiro como candidato e agora como presidente.
Há todo um histórico de vandalismo com a estrela de Trump, a que você faz alusão. Marretas, picaretas. O que você acha da natureza e repetição do vandalismo nesse lugar?
É uma expressão de ultraje do público. Acho importante apontar que a estrela dele é a única que continua a experimentar esse tipo de destruição. Claro, não defendo destruição de propriedade pública, mas acho que isso indica um desejo de expressar como as pessoas estão se sentindo, e uma necessidade de abordar quem é incluído nesse monumento nacional – e que padrões são usados para incluir pessoas. No momento, não há um processo para as pessoas registrarem queixas, além de escrever para a Câmara de Comércio de Hollywood e para a Cidade de Los Angeles, e não há processo para remoção, no caso de protestos do público. O que queremos com essa resolução é iniciar esse diálogo.
Certo, e Trump não é o único nessa questão. A estrela de Bill Cosby continua na Calçada da Fama, e não há planos para removê-la. A estrela de Kevin Spacey continua lá também. Há toda uma lista de estrelas dedicadas a homens acusados de má conduta sexual em série. Para sobreviventes de abuso sexual e assédio, parece um tapa na cara.
Concordo, e acho que essas estrelas também estão incluídas no que pedimos no nosso relatório. Pedimos à Câmara de Comércio de Hollywood para estabelecer uma conduta para ser aplicada a todas as estrelas, não só a de Trump. E pela comunicação que recebi sobre nossa ação, tem havido muita confusão sobre isso – que estamos pedindo para essas outras estrelas ficarem, ou que achamos que essas estrelas devem ser protegidas – e nada pode estar mais longe da verdade. Não estamos protegendo essas estrelas. O que estamos dizendo é que deve haver padrões para inclusão entre todas as estrelas. E espero que se esses padrões forem aplicados a todas as estrelas, outras deverão ser retiradas.
Falando realisticamente, que tipo de mensagem homenagear esses nomes realmente manda?
Para mim, isso diz que tudo que importa é que você fez uma certa quantia de dinheiro para um estúdio, ou que atingiu um certo nível de fama, ou fez uma série de sucesso, e que não importa como você tratou as pessoas nessa série, não importa como você tratou as pessoas atrás das câmeras – tudo que importa é fama, dinheiro e outras coisas superficiais, que não acho que sejam o cerne da cultura de Hollywood. Acho que especialmente as estrelas de que falamos, embora tenham sido feitas originalmente para demonstrar outros valores, agora – especialmente considerando o comportamento de muitos desses astros de Hollywood – o que elas comunicam é que vamos continuar considerando essas pessoas nossos heróis, não importa o que descubramos sobre elas. E que o nível deles de fama, ou o dinheiro que fizeram (ou que os estúdios fizeram) é mais importante do que se pessoas foram abusadas, do que se eles assediaram pessoas, do que se eles desrespeitaram pessoas para conseguir aquela estrela. Acho que não é isso que queremos ser como comunidade. Não acho que esse é o tipo de cultura de entretenimento que queremos exportar para o resto do país e o mundo.
Quais são realmente as chances da estrela de Trump, e de outros homens acusados de má conduta sexual, ser removida? Quão receptivo você acha que o Conselho Municipal de LA vai ser com essa resolução? Você ouviu alguma coisa dos seus colegas lá?
Eu sei, falei com o membro do Conselho Mitch O’Farrell, cujo distrito inclui a Calçada da Fama, e ele acha que falar sobre remover estrelas é uma distração do trabalho realmente importante de combater as políticas de Trump, e o que está vindo de Washington agora. Discordo. Acho que remover um símbolo de discriminação, assédio e comportamento abusivo seria uma grande declaração. Então, enquanto sabemos que essa decisão é do âmbito da Câmara de Comércio de Hollywood, e claro, nossos colegas do Conselho Municipal de Los Angeles, acreditamos que estamos iniciando a discussão.
A Calçada da Fama fica numa propriedade pública, mas os cidadãos não pode realmente ver a instituição que está no comando disso – não sabemos realmente os processos internos da Câmara de Comércio. Isso te preocupa?
Acho que há uma grande diferença entre pessoas que são incluídas nesse monumento nacional versus outras é que elas pagam para ser incluídas. Seja a pessoa homenageada ou, como é o caso da maioria das estrelas, sua agência de talentos ou seu representante pagando essa taxa – e o custo é bem alto – isso permite o direito, além da carreira no entretenimento, de ser incluso. É o único monumento nacional que conheço onde alguém tem que pagar para ser incluído. Acho que talvez deveria haver outros padrões que refletissem melhor os valores de Hollywood e a comunidade, além de: “Você trabalhou na indústria do entretenimento?” e “Você está disposto a pagar dezenas de milhares de dólares para ser incluído?”
Qual poderia ser um novo sistema de qualificação para receber uma estrela da Calçada da Fama? Que tipo de comportamento você acha que deveria qualificar alguém para receber a estrela, ou levar sua estrela a ser removida?
Acho que considerando o desejo da Câmara de Hollywood – destacar contribuições positivas de executivos de entretenimento ou astros conhecidos do cinema – deveríamos estar homenageando pessoas que exemplificam esse trabalho, não só em termos do que acontece na tela, mas no que acontece fora.
Não estamos pedindo a remoção da estrela simplesmente porque alguém é um republicano. Não estamos pedindo a remoção da estrela baseado em suas posições políticas. O que estamos pedindo é uma política abrangente para abordar o comportamento exibido pelos homenageados, por esses executivos de entretenimento, e se eles estão sendo homenageados por sua carreira no entretenimento, vamos nos certificar que essa carreira vale a pena ser homenageada.
Diante o número considerável de homens poderosos de Hollywood acusados de má conduta sexual, você imagina um tempo em que o número de estrelas na Calçada da Fama vá diminuir? Você acha que a calçada pode ficar menor?
Bom, gosto de pensar nisso de maneira um pouco diferente. Gosto de pensar na Calçada da Fama crescendo: sendo mais inclusiva, mais diversa e refletindo mais as qualidades positivas de Hollywood e da indústria de entretenimento, que é o que a Câmara de Comércio de Hollywood pensou em imortalizar em primeiro lugar, em vez de pensar sobre a remoção das estrelas que não são mais tão brilhantes. Acho que também podemos ver um futuro onde muitas estrelas serão inclusas, com mais carreiras que consideramos dignas de serem elevadas e relembradas no futuro, e onde vamos pensar um pouco diferente sobre quem são nossos heróis de Hollywood.
No final das contas, você está numa posição no Conselho Municipal de West Hollywood onde, legalmente, você não tem jurisdição sobre se a estrela de Trump é ou não removida – assim como as outras estrelas. Você já se sentiu frustrada ou impotente?
Sim, claro que é frustrante – mas o que acho realmente gratificante é a oportunidade de me corresponder com as pessoas, locais e de todo o país, especialmente pessoas que inicialmente estavam zangadas com essa ação. Recebemos ameaças de morte, recebemos ameaças veladas, e fomos chamados de todo tipo de nome por pessoas que não ficaram felizes com a nossa decisão. Para pessoas que escreveram respostas lógicas e apaixonadas que não estavam cheias de palavrões, tomo um tempo para responder, e compartilhar por que é importante para mim estar envolvida nessa ação, ser parte dessa resolução. No final dos meus e-mails, sempre digo “Entendo que nessa questão nós discordamos, mas tenho certeza que há muitas questões em que concordamos, e realmente aprecio a oportunidade de me comunicar com você sobre isso, e quero te desejar tudo de bom”. E posso dizer que em 80, 90% das vezes o tom muda significativamente.
Sabe, conheci pessoas com quem compartilho muitos valores, e aconteceu de discordarmos nessa questão, e tudo bem. Pessoas razoáveis podem discordar. Mas acho que é importante termos a chance de explicar nosso caso uns para os outros. O que estamos pedindo para a Câmara de Hollywood: criar uma oportunidade para as pessoas se envolverem num debate de maneira razoável, para que elas não fiquem frustradas e ataquem a estrela com uma picareta, e dizer que essas estrelas representam muito mais, diante dos novos fatos, do que pretendiam originalmente. É OK ter uma nova conversa quando temos novas informações, e reconhecer que o que foi pretendido originalmente pode não ser mais o resultado hoje em dia.
Matéria originalmente publicada na VICE US.
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