Thomas Burriel tinha 13 anos quando descobriu o socialismo democrático. Aconteceu no Instagram.
Burriel estava passando pelo feed um dia de fevereiro depois da escola. Na época – 2018 – ele ainda frequentava a Linus Paulins, uma escola de ensino médio na sua cidade natal de Corvallis, cerca de duas horas de Portland, Oregon. A Linus Pauling oferece um “Clube de Direitos Humanos” e um “Clube de Direitos Iguais/Espaço Seguro” para discutir justiça social e eventos mundiais, mas Burriel não era parte deles. Mesmo se identificando como um democrata, ele admitia que também simpatizava com alguns pontos dos republicanos “por ignorância”.
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Mas aí o algoritmo do Instagram sugeriu que Burriel seguisse o @chs_socialists, a página do ramo dos Jovens Democratas Socialistas da América [YDSA em inglês] do ensino médio de Corvalis. Burriel lembra que o @chs_socialists tinha apenas alguns posts na época, e tendo alguns seguidores mútuos com a conta, isso gerou um interesse: o que exatamente era socialismo democrático?
“Vendo os problemas, percebi que a melhor solução era o socialismo democrático.”
Burriel procurou o termo no Google, e depois de ler um resumo na Wikipédia, ele se viu no site oficial dos Socialistas Democratas da América, e depois na página do YDSA nacional, o ramo voltado para os jovens da organização. Quanto mais ele lia sobre os objetivos do grupo e seus princípios – que incluem plataformas para o Medicare for All, acesso a ensino superior para todos livre de custos e Green New Deal – mais ele gostava do socialismo democrático. Para Burriel, a coisa era simples: ele concordava que saúde era um direito humano, que políticos devem agir a respeito das mudanças climáticas, e que dinheiro não deveria ser uma barreira para ter educação superior. Ali estava uma ideologia política que refletia todas essas coisas.
“Também aprendi muito sobre esses problemas através da campanha de Bernie Sanders [de 2020]”, Burriel me disse por telefone no final do ano passado. Quando conversamos pela primeira vez, Sanders ainda estava perseguindo Joe Biden nas pesquisas. “Vendo os problemas, percebi que a melhor solução era o socialismo democrático.”
Burriel é parte de um grupo crescente de jovens norte-americanos que dizem odiar o capitalismo. Eles cresceram entre as ruínas do liberalismo da era Obama, e seus ícones políticos são membros do Congresso como Sanders e a representante de Nova York Alexandria Ocasio-Cortez. Eles participam de marchas contra a violência com armas de fogo e mudanças climáticas, e estão liderando grupos como o Sunrise Movement para expôs corporações e políticos complacentes. E agora, enquanto legisladores se atrapalham para responder a uma pandemia que jogou a economia dos EUA em queda livre, eles veem soluções óbvias para a crise em que estamos, como saúde pública, renda básica universal e perdão de dívidas para os americanos comuns.
Uma pesquisa de 2018 da Gallup descobriu que a maioria dos americanos de 18 a 29 anos – independente de afiliação partidária – tinha uma visão positiva do socialismo. Americanos nessa faixa etária também têm menos chances que outras faixas a ver o capitalismo de maneira favorável. Quando a VICE fez uma pesquisa global com um grupo de seus leitores da Gen Z em 2019, seis em cada 10 previam que a desigualdade de renda iria piorar na próxima década; 20% acreditavam que os EUA partiria para o socialismo nesse ponto; e 57% identificavam o socialismo como uma solução econômica que ajudaria a combater a violência contra populações marginalizadas.
Esses jovens não chegaram ao pensamento anticapitalista do mesmo jeito. Alguns americanos ouviram falar em socialismo democrático pela primeira vez na campanha presidencial de 2016 de Sanders; outros pela campanha de 2020. (Em dezembro, no meio das primárias democratas, o New York Times informou que Sanders era de longe o candidato presidencial mais reconhecível para a Gen Z dos EUA.) Outros tiveram sua consciência socialista despertada por Ocasio-Cortez, que derrotou um incumbente no 10º mandato com uma plataforma de campanha nos moldes de Sanders. Jacob Keller, estudante do ensino médio de Nova Jersey, me disse que começou a desenvolver visões socialistas muito antes: assistir a cobertura do Occupy Wall Street em 2011 o “radicalizou”, ele disse. Ele tinha apenas 10 anos.
Como Burriel, muitos adolescentes encontraram um meio para suas ideias socialistas nascentes nos ramos do YDSA de suas escolas. Agora no último ano do colegial, Burriel é um membro do ramo – antes do surto de coronavírus, ele frequentava as reuniões deles toda segunda na hora do almoço. (Agora as reuniões acontecem de maneira mais esporádica pelo Zoom.) Para Burriel, o socialismo democrático significa tirar o poder das corporações e da elite e devolvê-lo aos trabalhadores. Às vezes ele usa essas exatas palavras. Outras vezes, quando está com seus amigos socialistas, ele é mais direto: “Odiar os ricos”, Burriel disse quando perguntei sobre o que ele conversava com os outros membros do YDSA. “Principalmente coisas como ‘Foda-se o Jeff Bezos’. Ele tem muita riqueza adquirida de maneira ilegítima. É incompreensível quanta riqueza ele tem.”
Apesar de o YDSA ter cerca de 80 ramos no total, em 2018 apenas alguns desses eram organizações de ensino médio. Isso mudou ano passado: segundo Amelia Blair-Smith, membro do Comitê de Coordenação Nacional do YDSA, agora são mais de 10, uma prova de que o grande boom em inscrições no DSA depois da eleição de 2016 e a vitória histórica de Ocasio-Cortez alcançou não só os millennials, mas membros da Gen Z também.
“Mesmo jovens no ensino médio estão lidando com as realidades do capitalismo e percebendo que se eles se levantarem e lutarem contra ele, eles podem garantir um futuro melhor para a próxima geração.”
Blair-Smith, que, aos 20 anos, também é membro da Gen Z, disse que muitos adolescentes descobriram o socialismo democrático através de ativismo do clima e greves de professores, dois grandes movimentos que têm origem em escolas pelo país. Nem todo estudante sai desses protestos e marchas com uma carteirinha de socialista, disse Blair-Smith; mas para alguns, isso marca o começo do pensamento anticapitalista: na Conferência de Inverno do YDSA em fevereiro, ela ficou sabendo de um grupo de adolescentes de Denver, Colorado, que planejava começar um ramo do YDSA em sua escola depois de apoiar a greve de professores na cidade em 2018. Em agosto, uma adolescente viralizou com um post no TikTok pedindo aos colegas do distrito escolar de Clark em Nevada para protestar em solidariedade aos professores em greve.
“A greve inspirou uma resistência ao capitalismo e solidariedade com os trabalhadores, que eram seus professores”, disse Blair-Smith. “Mesmo jovens no ensino médio estão lidando com as realidades do capitalismo e percebendo que se eles se levantarem e lutarem contra ele, eles podem garantir um futuro melhor para a próxima geração.”
Apesar de estudantes não poderem mais se reunir pessoalmente para grandes protestos ou reuniões de semanais, ramos do YDSA pelo país continuam a crescer, em alguns casos realmente por causa da quarentena. Depois de participar da convenção anual do YDSA em fevereiro, Keller, que comanda o ramo da Montclair High School, teve a ideia de criar uma coalizão de organizações YDSA de escolas de ensino médio, já que muitas questões que eles abordam são específicas de alunos do colegial, e a maioria dos membros do YDSA é formada por universitários. Ele começou a abordar outros ramos pelo país, mas as coisas só começaram a deslanchar quando as escolas fecharam e os alunos entraram em isolamento com as famílias.
“Nas primeiras semanas da quarentena, não tínhamos trabalho de escola para fazer, então as pessoas estavam entediadas em casa e queriam fazer alguma coisa”, explicou Keller. “Pode ser muito alienante ser um aluno do ensino médio [agora] – não somos profissionais, nem todo mundo pode trabalhar, e nos disseram para ficar em casa e fazer a lição. Mas ainda queremos ajudar, então esse é um bom jeito de mostrar isso e usar nossa voz para o bem.”
Agora a coalizão tem cerca de 40 membros, o que é algo grande para o YDSA – muitos ramos individuais de ensino médio têm apenas um punhado de membros fiéis – e eles têm se encontrado semanalmente através do Zoom. O grupo atraiu não só quem já era parte estabelecida dos ramos do YDSA, mas pessoas que estão apenas começando a ficar curiosos com o socialismo democrático. E alguns que, antes, só brincavam com a ideia de começar um ramo em sua escola, agora começaram o processo oficial para criar um, segundo Keller.
“A pandemia é uma coisa horrível, mas pode radicalizar as pessoas”, disse Keller. “Acho que não transformamos nenhum republicano em socialista, mas definitivamente incentivamos pessoas que eram liberais e não sabiam muito sobre socialismo, e elas se empolgaram com a ideia de ser organizadores e ativistas no nosso grupo.”
Jovens que pertencem a Gen Z, às vezes chamados de “zoomers”, podem ser mais predispostos ao socialismo que gerações anteriores por causa de sua visão de mundo. Dos leitores da Gen Z com que a VICE falou, 86% disseram que acham que o futuro será caracterizado pela piora dos desastres climáticos; 68% disseram que acreditam que os problemas econômicos vão se agravar; e 63% disseram que esperam ver mais conflitos globais durante a vida. E eles não esperam que os adultos no comando façam qualquer coisa para ajudar – a maioria dos participantes da Gen Z da pesquisa disseram que tinham “confiança zero” na liderança do país.
“Tenho alunos preocupados com como vão pagar as dívidas que estão acumulando sentados na minha sala de aula, porque seus pais ainda estão pagando as deles”, disse Stephanie Mudge, professora de sociologia da Universidade da Califórnia, Davis, que foca em políticas de esquerda. “O socialismo diz: ‘Temos uma geração inteira de pessoas em dívida antes mesmo de chegar ao mercado de trabalho – vamos cancelar essas dívidas’. Imagino que isso parece uma resposta clara e razoável para um problema óbvio para muitos jovens.”
Mudge disse que é possível que mais jovens vejam as políticas socialistas sob esse prisma enquanto a pandemia de coronavírus expõe as diferenças entre aqueles que podem trabalhar de casa e se proteger, e aqueles que se colocam em risco para realizar trabalho essencial.
“Muitos provavelmente estão vendo os pais saírem e se expor [ao vírus]. De repente, algo como saúde pública universal começa a parecer uma necessidade.”
“Jovens provavelmente serão pesadamente condicionados pelas experiências que estão vendo os pais passarem em tempos como este”, ela continuou. “Muitos provavelmente estão vendo os pais saírem e se expor [ao vírus]. De repente, algo como saúde pública universal começa a parecer uma necessidade.”
Alguns adolescentes já estão tendendo mais para esquerda que políticos socialistas democratas como Sanders, se chamando ou não de socialistas. David Oks, 18 anos, que ajudou na campanha presidencial de Mike Gravel em 2020 transformando a página no Twitter do candidato de 89 anos numa conta de memes socialistas, disse que ele e muitos colegas apoiam a descriminalização do trabalho sexual, uma política que Sanders disse apenas que era “algo para considerar”. E na esteira da campanha suspensa de Sanders, jovens já estão procurando candidatos que vão seguir os passos dele e propor políticas ainda mais ousadas.
“Muitos jovens estão interessados em questões que candidatos não querem tocar: coisas vistas como politicamente tóxicas como descriminalização do trabalho sexual, mas também coisas que esses candidatos não acham importante”, disse Oks. “E muitos jovens que nem se veem como de esquerda acham que o Green New Deal é a questão mais importante da política agora.”
Em seus círculos sociais, essas crenças são quase garantidas, disse Oks. Entre a Gen Z “ser um esquerdista sólido é a norma”, o que significa que é raro ele encontrar qualquer estigma contra socialismo democrático. “É muito mais estigmatizado dizer que você é capitalista, pela minha experiência”, ele acrescentou. “Já que você é visto como um libertário/TPUSA bocó.”
Mas ainda há zoomers dos EUA que veem o socialismo com suspeita. As experiências dos estudantes com esse estigma são mistas, mesmo frequentando a mesma escola, e mesmo que essas escolas estejam em bolsões progressistas do país. Quando Keller começou a petição para criar um ramo do YDSA na Montclair, ele achou que todo mundo parecia “muito aberto” para aprender sobre socialismo democrático. Mas sua vice-presidente tem uma leitura diferente dos colegas: Anahita Foroughi disse que alguns estudantes ainda têm um preconceito de que o socialismo “foi incubado em nós desde criança pela mídia ou nossos pais”. Quando convidou uma amiga próxima para uma reunião do YDSA, ela recusou, dizendo a Foroughi que tinha medo que isso se tornasse um problema se ela decidisse tentar um cargo público um dia.
“Algumas pessoas acham o socialismo realmente interessante e querem saber mais, mas no geral, as pessoas ficam surpresas e depois em silêncio”, ela disse, descrevendo a reação dos colegas a qualquer discussão de políticas socialistas. “Aí as coisas ficam meio estranhas porque acho que elas não embarcaram nessa.”
Nas reuniões do YDSA, além de em conversas casuais, Keller faz o melhor que pode para discutir o socialismo em termos com que os colegas possam se identificar. Ele fala sobre questões nacionais como o Medicare for All – um dos programas mais populares no país, ele enfatiza – além de questões que afetam diretamente os alunos e a comunidade de Montclair no geral. “Digo coisas como: ‘Olha, Montclair é muito gentrificada, precisamos de justiça de habitação’”, explicou Keller. “E digo a eles: ‘Mesmo se você não concorda com tudo que o socialismo democrático é, estamos lutando por coisas em que todos podemos ajudar’.” Uma questão do tipo era óbvia: ano passado, o YDSA de Montclair organizou uma campanha para ajudar estudantes negros que ainda experimentam os efeitos da linha-vermelha, e portanto precisam usar transporte público para chegar até a escola.
“Adoro Marx, mas não acho que você pode dar para um estudante do primeiro ano o Manifesto Comunista e esperar que ele leia – quer dizer, eu li, mas talvez eu seja um nerd”, disse Keller. “Você não precisa simplificar qualquer coisa para as pessoas, mas precisamos colocar o socialismo no contexto para elas. Podemos fazer isso falando sobre luta de classes e ligando isso a mudanças climáticas ou dívida estudantil, e mostrar como essas coisas importam na vida delas.”
O ponto é encontrar outros estudantes onde eles estão, e aprender mais sobre socialismo se organizando. Os clubes do YDSA nas escolas de ensino médio são liderados por estudantes que também estão nos primeiros estágios da educação sobre socialismo, e muitos desses estudantes têm ideias diferentes sobre o que socialismo significa e como praticá-los, mesmo concordando em seus princípios básicos.
O socialismo pode ser resumido a um humor, ou uma estrutura de sentimentos, em vez de políticas para serem adotadas por atacado, para os membros da Gen Z.
Ella Morton, que também parte da coalizão do YDSA de Keller e é chefe do ramo da Corvallis High School, diz que não se identifica fortemente com a “parte econômica” do socialismo democrático – ou seja, o “elemento teórico hardcore do socialismo”, ela me explicou por telefone, no dia em que fez o PSAT pela primeira vez. Morton disse que mesmo sabendo que o socialismo é, em seu cerne, sobre a luta por justiça econômica, a coisa com que ela mais se identifica é a ênfase em laços comunitários. Ela também disse que é relutante em ler Marx, que ela acredita que “estragou o socialismo democrático” pra ela.
“É só um monte de caras brancos que são socialistas marxistas”, disse Morton. “Se eu quisesse esse tipo de socialismo, eu seguiria o Bernie Sanders.” (Na época, Morton apoiava a senadora de Massachusetts Elizabeth Warren para presidente.)
O socialismo pode ser resumido a um humor, ou uma estrutura de sentimentos, em vez de políticas para serem adotadas por atacado, para os membros da Gen Z. Apesar de ter algumas inconsistências em suas posições – como muitos de nós temos – os zoomers apreendem a essência central do socialismo, e estão descobrindo que isso dá a eles um jeito intuitivo de tirar sentido do mundo. Sob esse prisma, um adolescente de 15 anos cético com Marx e Sanders, mas que se identifica com o rótulo de socialista, não é necessariamente evidência da diluição da ideologia: em vez disso, isso pode ser uma prova de que o socialismo se tornou sinônimo de amor pela justiça, e do desejo de criar mudanças sociais positivas.
Muitos zoomers podem achar políticas socialistas individuais mais atraentes que as políticas socialistas mais amplas subjacentes. E muitos outros podem achar essas políticas pouco atraentes também. Mas os estudantes que pertencem aos ramos promissores do YDSA do país não estão exigindo pureza política de seus colegas – no geral, elas estão pedindo aos colegas para manter a mente aberta, e aprender junto com eles.
“O que queremos é que os trabalhadores tenham poder e que qualquer pessoa consiga ter uma vida saudável sem medo de não ter saúde e habitação”, disse Keller. “Socialismo pode ser muito popular quando você resume a isso.”
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